OS ANOS DE CHUMBO NA TV

Quando estava escrevendo os episódios de "Anos rebeldes", Gilberto Braga disse que não seria tendencioso e que haveria "personagens simpáticos tanto na esquerda quanto na direita" representados na minissérie

OS ANOS DE CHUMBO NA TV
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OS ANOS DE CHUMBO NA TV

Gilberto Braga e a 'bronca' do Exército depois da estreia de 'Anos Rebeldes', em 1992

 

 

'Anos Rebeldes'. Malu Mader, Cássio Gabus Mendes, Claudia Abreu e Pedro Cardoso

 

 

Quando estava escrevendo os episódios de "Anos rebeldes", Gilberto Braga disse que não seria tendencioso e que haveria "personagens simpáticos tanto na esquerda quanto na direita" representados na minissérie. Mas avisou que a produção não faria defesa da tortura e nem da ditadura. "Provavelmente, se alguém ainda for a favor de torturar jovens de esquerda, não vai gostar de 'Anos Rebeldes'. Mas tenho a impressão de que não há mais ninguém assim. Será que há?", questionou o autor de novelas da Globo, numa entrevista publicada pelo GLOBO em abril de 1992.

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O escritor contou ao jornal que, em meados da década de 1960, quando os generais já mandavam no Brasil, ele estava na casa de seus 20 anos e dava aulas na Aliança Francesa. Em conversas com os estudantes, chamava de "coup d'etat" a deposição do presidente João Goulart, em 1964, mas não era exatamente um militante político. Passava a maior parte de seu tempo livre em salas de cinema, na companhia de diretores como George Cukor e Françoise Truffaut. Segundo ele, contudo, foi a própria sétima arte que o fez "sair da alienação", em parte graças ao filme "Missing: O Desaparecido", lançado pelo diretor Costa-Gravas em 1982. 

 

'Anos rebeldes'. Cássio Gabus Mendes, Malu Mader e Marcelo Serrado

 

 

A motivação para "Anos rebeldes" surgiria depois de "Anos dourados", que foi ao ar em 1986, situada no Brasil da década de 1950. Ele conta que conhecidos e amigos seus começaram a abordá-lo dizendo: "Agora você tem que escrever sobre os anos 60, os anos de chumbo". No início, Braga não levara muito a sério, mas a ideia ficou lá na cabeça, amadurecendo, até que, em 1992, o autor decidiu se dedicar a ela, com a colaboração de Sérgio Marques e escorado em livros como "1968 - O ano que não terminou" (1989), de Zuenir Ventura, e "Os carbonários" (1981), de Alfredo Sirkis.

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A minissérie estreou em 14 de julho daquele ano, apenas sete anos depois do fim da ditadura militar. O roteiro gira em torno do casal formado por Maria Alice (Malu Mader) e João Alfredo (Cassio Gabus Mendes), jovens com visões ideológicas distintas que vivem um romance atribulado no contexto da luta armada e da repressão militar. Evitando o tom didático, mas resgatando realidades como o movimento estudantil, a guerrilha, a censura, a tortura, a moda e a música da época, a produção foi bem recebida pelo público. Até hoje, é uma referência de conteúdo audivisual sobre o período sombrio da história recente do Brasil. Porém, três dias depois do primeiro episódio ir ao ar, o Exército divulgou um "editorial" em resposta.

 

Anos Rebeldes. Cena em que personagem de Claudia Abreu é morta por militares

 

 

Intitulado "A história que não foi contada", o comunicado não citava "Anos Rebeldes", mas, de acordo com a reportagem do GLOBO sobre o texto, dois oficiais do Centro de Comunicação Social do Exército que pediram para não serem identificados afirmaram que a medida fora mesmo motivada pela exibição do seriado. O editorial dizia que "momentos da história recente que tiveram sua origem na Revolução Democrática de 1964 vêm sendo reescritos segundo uma ótica deturpada, porquanto tendenciosa". O comunicado também justificava a repressão das forças armadas, que incluiu a tortura e a morte de centenas de militantes, alegando que aqueles jovens foram manipulados pelos "arquitetos do horror".

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"Não foram as forças legais que doutrinaram ingênuos sonhadores, a ponto de tranformá-los em assaltantes, sequestradores e homicidas", diz uma outra parte do texto, que terminava dizendo que aquele momento do país pedia a conciliação e apelando para que os "suaves ventos" da Lei da Anisitia "que lograram sufocar a parcela de ódio e terror", continuassem a soprar.

 

Anos Rebeldes. Malu Mader e Claudia Abre durante gravação em Ipanema

 

 

A reportagem do GLOBO sobre o editorial tinha comentários do último presidente da ditadura, o general João Figueiredo ("Não estou acompanhando 'Anos rebeldes' e nem sei o que é isso"), e do general Newton Cruz, ex-chefe da agência central do Serviço Nacional de Informações (SNI), um dos órgãos mais ligados à repressão durante o regime militar ("Não estou acompanhando, mas se estiver apresentando apenas a faceta dessa rebeldia dos moços, não deveria ser exibida").

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Na mesma matéria, o jornal publicou a resposta de Gilberto Braga à reação do Exército: "Comprendo perfeitamente a visão do senhor ministro do Exército. É uma defesa do golpe militar de 1964 e das posições assumidas pelo Exército. Esta também é a posição de alguns personagens da minissérie, como Abelardo, Bernardo e, mais tarde, Maria Lúcia, todos muito simpáticos e vistos com ternura pelos autores, e Fábio, este bastante radical. Por outro lado, criamos tipos que acreditavam na luta armada. Não tomei partido. Tentei mostrar os dois lados para provocar discussões, pois esta me parece a função da dramaturgia. O público terá a opinião que quiser".

 

Gilberto Braga em imagem de fevereiro de 1991

 

 

 

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