Reflexões para reerguimento do Estado Nacional – Era Vargas

Reflexões para reerguimento do Estado Nacional – Era Vargas

Reflexões para reerguimento do Estado Nacional – Era Vargas

Era Vargas: do planejamento estratégico à nacionalização da modernidade, construindo soberania e identidade nacional para o Brasil. Por Pedro Pinho e Felipe Maruf.

Por

 Redação

 

getúlio vargas com a mão suja de óleo na refinaria de mataripe, ba, então da petrobras
Getúlio Vargas com a mão suja de óleo na refinaria de Mataripe, BA, então da Petrobras (foto reprodução Senado)

Muito se afirma que o Brasil moderno inicia-se a partir da Revolução de 1930, com Getúlio Vargas. Tomada isoladamente, essa afirmação é contestável, pois não especifica qual modernidade. O Brasil já nasceu em condições modernas, fruto da modernidade renascentista, das Grandes Navegações, e se inseriu de modo periférico e colonial ou neocolonial na ordem internacional moderna.

Muito mais importante do que a própria modernidade, é a soberania, inclusive para a Nação escolher de que forma e sob que condições ela pode se modernizar.

O que se inicia em 1930 é a nacionalização da modernidade, a partir da qual o Brasil construiu as instituições e as estruturas necessárias para a afirmação autônoma dos seus interesses e perspectivas.

Somente a partir da Era Vargas, o Brasil conheceu alguma forma de planejamento estratégico. O antigo liberalismo, que conferia à burguesia cafeeira paulista posição de primeiro plano na economia nacional, foi substituído por novo nacionalismo, que colocava no Estado-nação o eixo estruturador do desenvolvimento nacional, e tornou central o planejamento econômico, organizado nacionalmente com o Plano Quadrienal de 1940 e, no segundo governo Vargas, com a Assessoria Econômica.

Através do DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público), criado em 1938, organizou-se administração pública competente, baseada no mérito e não mais no “pistolão”, que eternizava privilégios e compadrios às expensas do bem comum. A nacionalização do Estado permitiu a ele exercer atividades estratégicas, consoante o interesse público.

Nesse sentido, Getúlio Vargas preocupou-se em desenvolver o Brasil para dentro, de modo que a industrialização não fosse reflexo de ciclos internacionais de preços de matérias-primas, como era até então, mas a manifestação econômica da soberania nacional sobre os recursos internos.

A nacionalização dos minérios e do petróleo, com o Código de Minas (1934) e o Conselho Nacional do Petróleo (1938), a edificação das indústrias de base, como a nacionalização do Lloyd Brasileiro (1938), a Companhia Siderúrgica Nacional (1941), a Companhia Vale do Rio Doce (1942), a Fábrica Nacional de Motores (1942) e a Petrobrás (1953), a criação da base nacional de estatística para facilitar o planejamento governamental e industrial, com a criação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1936), a incorporação dos espaços vazios do interior à dinâmica desenvolvimentista, com a Marcha para Oeste das décadas de 1930 e 1940, e a formação do sistema financeiro nacional, voltado ao financiamento da produção e à internalização dos centros de decisão de investimentos, com a Lei de Usura (1933), a suspensão unilateral do pagamento da dívida externa (1937), a criação do Instituto de Resseguros do Brasil (1939), do Banco Nacional do Crédito Cooperativo (1951), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (1952), do Banco do Nordeste (1953) e a aplicação das taxas múltiplas de câmbio pela Instrução 70 da Sumoc (1953), alicerçaram o intenso ciclo de desenvolvimento vivido pelo Brasil até a década de 1980, período durante o qual o Brasil foi o país que mais cresceu industrialmente no mundo.

Mais do que emancipação econômica, o desenvolvimento varguista objetivava a emancipação social. O Brasil é dos poucos países do mundo em que a formação do Estado Social coincidiu com a sua Revolução Industrial.

A criação dos Ministérios do Trabalho, Indústria e Comércio e da Educação e Saúde, logo no primeiro mês de governo, colocaram o trabalho, a educação e a saúde, pela primeira vez na história do Brasil, no primeiro plano das preocupações nacionais.

A educação primária, tornada obrigatória e imbuída de sentido técnico e patriótico, abriu novos horizontes para a população até então majoritariamente analfabeta, e serviu como esteio da política sanitária para a infância, uma vez que as escolas passaram a funcionar como locais de vacinação. As primeiras campanhas nacionais de combate à varíola, à malária, à febre amarela e a outras doenças tiveram início com Getúlio Vargas. A criação da Universidade do Brasil, em 1938, inicia a formação do sistema universitário federal brasileiro, do qual tanto nos orgulhamos hoje.

Por sua vez, as leis trabalhistas, reunidas na Consolidação das Leis do Trabalho (1943), foram, efetivamente, a segunda Lei Áurea, podendo ser o trabalhismo getulista considerado um segundo abolicionismo, contribuindo para valorizar o trabalho, o que tinha um aspecto imensamente progressista num país em que o ethos escravista ainda predominava.

A proibição do trabalho infantil, a limitação da jornada de trabalho a 8 horas diárias, as férias remuneradas, o salário-mínimo, o salário-família, a proteção especial ao trabalho da mulher e do menor, a paridade salarial de gênero e cor para a mesma função, a obrigatoriedade das empresas de contratarem pelo menos 2/3 de brasileiros no total de seus funcionários, os restaurantes operários do Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS), a incorporação do sindicalismo às instâncias deliberativas estatais e a formação dos Institutos de Aposentadora e Pensão (IAPs) por categorias, iniciando a construção da Previdência Social nacional, constituíram marco civilizatório, do desenvolvimento inclusivo dos trabalhadores, assim como fortaleceram o mercado interno, para que a indústria encontrasse no bem estar dos trabalhadores brasileiros a sua fonte de prosperidade.

A criação do Serviço Nacional da Indústria (SENAI), em 1942, inaugurou o posteriormente chamado “Sistema S”, uma extraordinária construção assistencial modelada pela cooperação entre capital e trabalho, que viria a conhecer sua maior expansão no governo Dutra, cuja eleição foi apoiada por Getúlio.

Infelizmente, Getúlio não conseguiu estender as leis trabalhistas ao campo, o que somente se efetivaria no governo do seu herdeiro João Goulart, com o Estatuto do Trabalhador Rural (1963), e que se aprimoraria nos governos militares, sobretudo nos governos Emilio Médici e Ernesto Geisel, ambos participantes da Revolução de 30.

Essa infeliz limitação não diminui a importância histórica da Era Vargas, que conseguiu introduzir, num país que até poucas décadas antes padecia da escravidão, medidas sociais mais avançadas do que as existentes em muitos dos países industrialmente mais desenvolvidos, dotados de amplas e combativas organizações trabalhistas.

A Era Vargas não construiu o Brasil apenas materialmente e socialmente, mas, da mesma forma, culturalmente. Pela primeira vez, o Brasil dotou-se de identidade nacional própria, independente das monarquias e repúblicas europeias e anglo-saxãs que, até então, as oligarquias brasileiras buscavam emular.

A partir de Getúlio, o Brasil passa a se entender como nação positivamente mestiça e tropical, cuja alma residiria nas manifestações culturais populares, pela primeira vez reconhecidas e valorizadas pelo poder público, como o samba, a capoeira, o Carnaval e o futebol.

Pode-se dizer que a Era Vargas institucionalizou o caráter nacional e popular do modernismo da Semana de 22, sedimentando nos corações e mentes brasileiros a ideia de Brasil que, apesar dos percalços neoliberais e da globalização, vigora até hoje.

No caso do Carnaval, Getúlio incentivou as escolas de samba a abordarem temas nacionais, de modo que elas contribuíssem para a educação cívica brasileira. No caso do futebol, a sua profissionalização, em 1933, criou os atuais clubes da forma como existem, vinculando o esporte ao ideal de trabalho que se buscava valorizar, e os estádios tornaram-se palco de manifestações cívicas as mais importantes, como o 1º de maio e as celebrações da Independência.

O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), órgão vigente durante o Estado Novo, projetou uma ideia otimista de Brasil, não apenas como um jovem país em desenvolvimento, mas como civilização sui generis, capaz de contribuição universal, posição essa defendida também pelo famoso escritor austríaco Stefan Zweig (1881-1942) em seu livro “Brasil País do Futuro”, de 1941.

O programa radiofônico “Hora do Brasil”, criado em 1938, cumpriu papel importantíssimo na divulgação de notícias referentes aos assuntos nacionais e de artistas brasileiros, que compunham a quase totalidade da sua programação cultural. A Rádio Nacional, encampada em 1940, tornou-se imediatamente um vetor de integração nacional, passando a projetar, para todo o país e até mesmo para o estrangeiro, diversas expressões artísticas brasileiras, como o samba, o baião, o forró, a música caipira e as músicas tradicionais gaúchas.

A Rádio Mauá, criada em 1944, voltou-se especificamente aos trabalhadores, funcionando como aglutinador da identidade trabalhista. O jornal A Manhã, dirigido pelo escritor Cassiano Ricardo, e a revista Cultura Política, foram fundamentais para a difusão de valores e ideais nacionalistas.

A Superintendência de Educação Musical e Artística, criada em 1931 e confiada a Heitor Villa-Lobos, instituiu o canto orfeônico nas escolas públicas como forma de moldar o caráter cívico-patriótico das novas gerações.

O Instituto Nacional do Cinema Educativo (INCE), criado em 1936, e o Instituto Nacional do Livro (INL), criado em 1937, estiveram na linha de frente da política cultural da Era Vargas. Pela primeira vez, o patrimônio histórico e artístico nacional tornou-se oficialmente protegido pelo Estado, com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, atual Iphan, em 1937.

Não se pode esquecer, ainda, que o governo de Getúlio Vargas tomou posição decidida e decisiva no combate, dentro e fora do país, ao nazifascismo. Em 1938, antes de qualquer país ocidental romper com a Alemanha, o Brasil rompeu relações diplomáticas com a Alemanha ao expulsar o embaixador Karl Ritter, acusado de insuflar separatismos entre os colonos alemães no sul do país, e proibiu o funcionamento do Partido Nazista, da Ação Integralista Brasileira e de todos os partidos e movimentos de inspiração nazifascista.

Na II Guerra Mundial, o Brasil participou ao lado dos Aliados com a Força Expedicionária Brasileira (FEB), que granjeou importantes vitórias em campo de batalha na Europa, além de fornecer borracha e bases militares aos Estados Unidos da América. Além disso, o Brasil teve importante papel na criação do Estado de Israel.

Não houve, outrossim, qualquer laivo de racismo na política interna de Getúlio Vargas, que estendeu as leis trabalhistas a todos os trabalhadores urbanos, indistintamente, legalizou o samba e a capoeira, criou o Conselho Nacional de Proteção aos Índios, em 1939, e instituiu o Dia do Índio, nesse mesmo dia 19 de abril, data do seu próprio aniversário, em 1943.

O principal legado de Getúlio Dornelles Vargas foi a construção do Brasil para os brasileiros.

Nem estatismo, pois se confiou nas iniciativas autônomas dos brasileiros, nem privatismo, pois a ordem política foi incumbida de zelar por finalidades públicas. Nem marxismo, no sentido da exacerbação revolucionária da luta de classes, nem liberalismo, que dissolve o sentido comunitário em prol do egoísmo proprietário.

De todos os “-ismos”, o único que se pode aplicar à Era Vargas é o nacionalismo, da esperança e da realização de um Brasil onde caibam os anseios e aspirações de todos os brasileiros.

Felipe Maruf Quintas é cientista político.

Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.