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Leia registro sobre deposição de Jango que Bolsonaro diz ter sido apagado | Poder360
(170) Entrevista do presidente João Goulart - 6/9/1961 - YouTube
Entrevista de João Goulart ao chegar em Brasilia, depois do movimento da Legalidade antes de tomar posse em setembro de 1961
Documento inédito mostra visão de Jango sobre seu governo e ditadura
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Em 1972, em meio aos festejos do Sesquicentenário da Independência e do otimismo propagado pela ditadura, uma carta de João Goulart, presidente deposto pelos militares em 1964, foi apreendida pelo Serviço Nacional de Informações (SNI) e nunca foi publicada. O documento inédito fala sobre as dificuldades que o governo Jango teve, tratados como “improvisados obstáculos”, faz uma seleção otimista de acontecimentos do período e indiretamente critica o regime da época.
A reportagem é de Raphael Kapa, publicada pelo jornal O Globo, 17-08-2014.
“Exilado de minha Pátria e acolhido generosamente pela Nação Uruguaia, não irei opinar, nesta oportunidade, sobre o que ocorreu no país desde que o deixei, há 8 anos e 5 meses, na manhã de 4 de abril de 1964. Falarei apenas a respeito das diretrizes gerais adotadas por meu governo, nos dias que exerci a Presidência da República”, inicia a carta.
O historiador e autor do livro “João Goulart – Uma Biografia”, Jorge Ferreira, afirma que o documento deve ser visto como uma análise a partir de uma seleção de fatos que enaltecem seu governo.
- Temos que analisar esta carta do ponto de vista da memória. Oito anos depois de sair do país ele relembra seu governo enaltecendo pontos positivos e não citando os problemas como o Plano Trienal e a falta de controle da inflação. Apesar de afirmar que não comentará o regime vigente, ele faz críticas de forma indireta – afirma o historiador.
A crítica é feita relacionando o seu tempo em frente da Presidência com o dos militares. A perseguição com aqueles que o auxiliaram, por exemplo, é formulada indiretamente.
“Recordo, com viva emoção e respeito, aqueles que, ao longo das jornadas em que nos empenhamos juntos, pagaram alto preço de sacrifícios na luta pela emancipação econômica – segunda etapa da nossa Independência, desafio histórico de nosso tempo e de nossa geração”.
Para o professor de História da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Marcus Dezemone, existiu uma percepção, desde o seu tempo como ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, de que Jango iria implementar uma “república sindicalista” parecida com a feita por Juan Domingo Perón, na Argentina.
- Durante a carta ele responde a crítica de uma república sindicalista e afirma que os sindicatos são um componente próprio das democracias. Ele estimula a sindicalização oral até para conter a radicalização de movimentos como as Ligas Camponeses e para formar uma base entre os trabalhadores do campo – afirma Dezemone.
Incompreensões da esquerda e da direita
João Goulart, ao mesmo tempo que enaltece seletivamente episódios de seu governo, apresenta o tom mais incisivo ao classificar a conjuntura em que assumiu o governo. A instalação de um parlamentarismo, inviabilizando a plenitude constitucional de seus poderes, é criticada como uma medida emergencial que foi votada “às pressas”. Esse com outros episódios não identificados são categorizados como “improvisados obstáculos” para que ele governasse.
- Quando João Goulart estava voltando para o Brasil para assumir a Presidência após a renúncia de Jânio (Quadros), um grupo da Aeronáutica fez a chamada 'Operação Mosquito' para derrubar o avião do novo presidente. O interessante deste episódio é que este movimento foi desarticulado pelo (Ernesto) Geisel, que viria se tornar um dos presidentes da ditadura que derrubou Jango – afirma Dezemone.
A memória de um gestor incompetente é combatida em toda uma análise que coloca o desenvolvimento como a primeira preocupação do seu governo. Ao contrário do que pregavam os militares, este crescimento, para Goulart, deveria estar associado ao bem-estar social.
- Jango está apontando que o governo dele também teve desenvolvimento mas evidencia que, ao contrário da ditadura, o dele teria ocorrido com liberdades democráticas. Existia uma memória muito negativa dele neste aspecto, ele era visto como um gestor incompetente – afirma Ferreira.
A instabilidade de seu governo também é apontada durante a carta. As Reformas de Base, principal bandeira levantada na época, é defendida como a mudança necessária para o desenvolvimento do Brasil, porém, Jango aponta que o radicalismo da sociedade a inviabilizaram.
“A segunda preocupação fundamental do meu Governo foram as Reformas de Base, que tantas e tamanhas incompreensões provocaram nos setores mais radicais, da esquerda e da direita”, escreveu.
A incapacidade dos setores mais extremos da ditadura em dialogarem para viabilizarem as reformas é apontado por Ferreira.
- Eles eram incapazes de chegar a um acordo sobre as reformas. Os setores de direita não as queriam e os de esquerda as queriam em seu programa máximo. Somente os setores de centro estavam dispostos a negociar.
Uma das nove páginas da carta é destinada a explicitar a reforma agrária.
- A ênfase que ele dá para a reforma agrária evidencia seu projeto político. Jango vincula a emancipação econômica com o desenvolvimento do mercado interno mas incorporando a população neste processo – analisa Dezemone.
O fato da carta ter sido apreendida pelo SNI e ter sido mantida em proteção pessoal do presidente Médici, mostra a relevância que Jango despertava durante o regime.
- A permanência do documento com Médici mostra que Jango era visto como uma ameaça e que era necessário dar atenção ao que ele fazia – afirma Ferreira.
Na carta, que está no acervo pessoal do Médici, disponível no Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, a crítica mais contundente ao regime se dá exatamente ao avaliar seu tempo no poder.
“A História não acusará o meu Governo de haver faltado ao respeito das liberdades fundamentais”