“HONESTAMENTE, MINISTRO, VAI PIORAR O CIRCO”

“HONESTAMENTE, MINISTRO, VAI PIORAR O CIRCO”

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“HONESTAMENTE, MINISTRO, VAI PIORAR O CIRCO”

Os bastidores da prisão de Roberto Jefferson e como a interferência do governo federal atrasou a rendição dele

Allan de Abreu|27 out 2022_14h17

 

Eram cerca de cinco horas da tarde do último domingo, dia 23, quando chegou aos ouvidos do ex-deputado federal e ex-presidente do PTB Roberto Jefferson que o ministro da Justiça, Anderson Torres, estava a caminho da casa do aliado do presidente Jair Bolsonaro em Comendador Levy Gasparian, interior fluminense. “Eu só me entrego quando o ministro chegar”, disse o irascível ex-parlamentar aos policiais que procuravam apaziguar a tensa situação.

Horas antes, Jefferson havia disparado mais de cinquenta tiros de fuzil calibre 5.56 contra uma caminhonete blindada da Polícia Federal e jogado três granadas de efeito moral contra quatro policiais federais. Três agentes e um delegado do Setor de Inteligência Policial da Superintendência da PF no Rio foram até o endereço do ex-parlamentar para prendê-lo por determinação do ministro do STF Alexandre de Moraes. O delegado e uma agente ficaram feridos sem gravidade. “Só saio daqui morto”, disse aos policiais. 

Dois dias antes, Jefferson divulgara vídeo na conta da filha, Cristiane Brasil, com pesados ataques à ministra Carmen Lúcia, do Supremo, o que violava as condições estabelecidas por Moraes para que Jefferson, denunciado pelo Ministério Público por crimes previstos na Lei de Segurança Nacional, cumprisse prisão domiciliar.

 

Assim que soube do ataque do aliado político aos quatro policiais, Bolsonaro determinou que o ministro Torres e o diretor-geral da PF, Márcio Nunes de Oliveira, fossem até a casa de Jefferson na tentativa de resolver a situação – algo bastante incomum em operações da PF. A dupla embarcou em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) rumo a Juiz de Fora, cidade mineira distante 50 km de Levy Gasparian. 

Minutos após desembarcarem, Torres telefonou para um delegado da PF do Rio que fora até a casa de Jefferson dar apoio aos policiais atacados, mas que ainda não havia entrado no imóvel. O ministro queria saber se valeria a pena ir até o endereço do ex-parlamentar para convencer Jefferson a se entregar. Torres foi dissuadido pelo delegado. “Honestamente, ministro, vai piorar o circo”, disse o policial, de acordo com pessoas que estavam próximas a ele ouvidas pela piauí. “Não vai mudar o cenário e ainda vai fortalecê-lo politicamente.” O cenário era de caos. Bolsonaristas cercaram a frente da casa de Jefferson e passaram a hostilizar os policiais federais que estavam no local. 

Torres e Oliveira decidiram então rumar até a Superintendência da PF no Rio. Mas a informação de que Anderson Torres estava a caminho de Levy Gasparian vazou desde Brasília para Roberto Jefferson, o que voltou a tensionar o ambiente – até então, o ex-deputado dava sinais de que se entregaria. Nem a informação de que o ministro desistira de ir ao local acalmava-o. Jefferson repetia a todo momento que só se entregaria na presença de Anderson Torres. Com muito custo, o ex-deputado entregou o fuzil utilizado para atirar nos policiais para Kelmon Luís da Silva Souza, conhecido como padre Kelmon, que acessou a casa do ex-deputado por meio de vizinhos do condomínio onde mora Jefferson. Kelmon, candidato a presidente pelo PTB derrotado no primeiro turno, caminhou com o fuzil até o portão da casa de Jefferson e entregou a arma para os policiais federais do lado de fora, enquanto um pastor evangélico ao lado de Kelmon entoava orações. “Foi uma das cenas mais bizarras que eu já vi na vida”, diz um policial federal que presenciou a ação (ele não quis ter o nome divulgado por não ter autorização formal da PF para falar sobre o caso).

 

Roberto Jefferson só decidiu se entregar por volta das 19 horas. Além de padre Kelmon, o PM aposentado e suplente na chapa de Daniel Silveira ao Senado André Monteiro (PTB), amigo de Jefferson, participou das negociações com o ex-parlamentar. Minutos após Jefferson fuzilar o veículo da PF, Monteiro havia divulgado um vídeo nas redes sociais em que defendia a atitude do correligionário. “Ele está sofrendo uma represália do STF e do TSE [Tribunal Superior Eleitoral] por falar a verdade […]. O Brasil tem que estar com Roberto Jefferson assim como está com Jair Bolsonaro. […]. Eles não mandam no Brasil, quem manda no Brasil é o povo”, disse. Horas depois, quando soube que Bolsonaro tentava se dissociar politicamente de Jefferson, Monteiro apagou o vídeo das redes.

Tão logo o veículo da PF que levava o ex-deputado e um de seus advogados para a Superintendência no Rio deixou a casa em Levy Gasparian, uma segunda equipe de policiais federais acessou o interior do condomínio para cumprir mandado de busca e apreensão na casa de Jefferson, outra medida determinada pelo ministro Moraes, do STF. Mas outro advogado do ex-deputado, que ficou no imóvel, tentou barrar a entrada dos delegados e agentes, enquanto telefonava para o advogado que acompanhava Jefferson no veículo a caminho do Rio. Ao saber que a PF entraria em sua residência para cumprir o mandado, o petebista voltou a ficar alterado. Com as mãos trêmulas, voltou a xingar o STF. Só se acalmou quando o veículo já estava próximo à Superintendência, na capital, onde ele foi autuado em flagrante por tentativa de quádruplo homicídio. Na segunda-feira (24) à noite, ele foi levado para a penitenciária de Bangu 8. Na casa dele, os policiais encontraram 8 mil munições e 29 pendrives. Nesta quinta-feira, 27, Alexandre de Moraes converteu a prisão em flagrante de Jefferson em preventiva, alegando “risco à ordem pública em caso de soltura” e “absoluta impropriedade de medidas cautelares” para o ex-deputado.