STF declara constitucional apreensão de passaporte e de CNH de devedores

STF declara constitucional apreensão de passaporte e de CNH de devedores

STF declara constitucional apreensão de passaporte e de CNH de devedores

Segundo a decisão, cabe aos magistrados ter razoabilidade e proporcionalidade ao adotar medidas coercitivas atípicas

BRASÍLIA

 

Sessão plenária do STF / Crédito: Nelson Jr./SCO/STF

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) entenderam ser constitucionais dispositivos do Código de Processo Civil que permitem aos magistrados determinar medidas atípicas para o cumprimento de ordem judicial. Entre os exemplos de determinações judiciais não convencionais que vêm sendo aplicadas pelos magistrados brasileiros estão a apreensão de passaporte e carteira de motorista de devedores, além da proibição de participação em concursos públicos e licitações. A discussão ocorreu na ADI 5.941– o julgamento foi finalizado nesta quinta-feira (9/2).

A decisão do Supremo mantém o poder dos juízes porque deixa a cargo deles a aplicação de medidas que julgarem necessárias para que haja o cumprimento da decisão judicial. No entanto, os ministros ponderaram que os magistrados precisam agir dentro da “razoabilidade e proporcionalidade” e que se o afetado se sentir lesado, deve ajuizar um recurso contra a determinação judicial no processo.

A decisão afeta a própria atuação dos ministros do Supremo. Durante a votação, o relator, ministro Luiz Fux, relator da matéria, chegou a citar como exemplo, a possibilidade de suspensão do cartão de crédito de financiadores de atos antidemocráticos.

Em outro momento do julgamento, Fux afirmou que juízes têm que dar efetividade à decisão e tem que ter instrumentos para isso. “Tem que ter poderes e criatividade. Cada caso é um caso. Por exemplo, no caso do Faraó dos Bitcoins, que deu o calote e quis embora do país, seria lícito apreender o passaporte dele. O que acha, ministro Alexandre?” Na sequência, Alexandre de Moraes afirmou: “Totalmente lícito”. Na esfera penal, Moraes já determinou o cancelamento de passaporte de bolsonaristas.

O julgamento se deu por 10 a 1 e a maioria acompanhou o raciocínio do relator, ministro Luiz Fux, a favor da constitucionalidade dos artigos do Código de Processo Civil questionados. O ministro abriu o seu voto explicando que a sua decisão se nortearia pelo texto do normativo e não pelos casos concretos.

Ou seja, segundo Fux, a análise se deu sobre o texto da lei em abstrato que assim diz: “O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (IV) determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”. Dessa forma, o ministro não discutiu as medidas que os magistrados vêm adotando em casos concretos.

Para Fux, é preciso garantir a efetividade da decisão judicial e esse é o objetivo do Código de Processo Civil. Assim, se o dispositivo fosse considerado inconstitucional haveria um engessamento da atividade jurisdicional. Em sua visão, caberá à doutrina e à jurisprudência desenhar os limites que os juízes podem adotar à luz dos princípios constitucionais e em cada caso concreto. “Nada disso autoriza o julgador a ignorar as garantias fundamentais dos cidadãos”, afirmou o relator.

Fux adotou três premissas para o seu voto:

1- Toda norma jurídica, da mais específica à mais abstrata, deve estar conforme a Constituição. As leis devem ser interpretadas de acordo com a Constituição;
2- A mera indeterminação de uma norma não enseja a sua inconstitucionalidade;
3- A aplicação concreta das medidas atípicas encontra limites no sistema jurídico em que se insere.

Os ministros Ricardo LewandowskiAndré Mendonça, Alexandre de Moraes, Cármen LúciaDias ToffoliNunes MarquesGilmar MendesRosa Weber e Luís Roberto Barroso acompanharam Fux. Durante o seu voto, Moraes afirmou que a ação parte do pressuposto que o juiz vai exagerar. Além disso, ele afirmou que medidas atípicas questionadas têm previsão legal em outros dispositivos, a suspensão de CNH, por exemplo, é possível administrativamente pelo Código de Trânsito. A lei de improbidade prevê casos de proibição de participação em licitação. Portanto, para o ministro, as medidas adotadas pelos magistrados são constitucionais.

A divergência parcial partiu do ministro Edson Fachin que se mostrou preocupado com a possibilidade de medidas atípicas para garantir a prestação pecuniária. Fachin não votou pela inconstitucionalidade integral dos artigos do CPC, apenas para que fosse declarada a inconstitucionalidade de norma ou interpretação que aplique medidas atípicas fora da obrigação alimentar, como pensão alimentícia, por exemplo.

Os argumentos da ação

A ação foi ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) contra os artigos 139-IV, 297, 380, parágrafo único, 400, parágrafo único, 403, parágrafo único, 536-caput e §1º, 773 do Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015). Todos os dispositivos citam, de alguma forma, a possibilidade de medidas atípicas. A legenda alegou que a busca pelo cumprimento das decisões judiciais, por mais legítima que seja, não pode se dar sob o sacrifício de direitos fundamentais nem atropelar o devido processo constitucional.

Em sustentação oral, o advogado-geral da União (AGU), Jorge Messias, defendeu a constitucionalidade das alterações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015. Para ele, a legislação processual deve propiciar aos juízes os instrumentos necessários para o efetivo cumprimento das decisões. “Precisamos prestigiar a criatividade de juízes e advogados na busca das medidas mais adequadas ao caso concreto para a efetivação do processo, até para acompanhar a criatividade dos devedores, que é ilimitada”, afirmou na tribuna.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu que a norma deveria ser considerada inconstitucional. Para Aras, as liberdades, direitos e garantias fundamentais não podem ser sacrificadas para coagir o devedor. O PGR afirmou que a apreensão do passaporte vai contra o direito de ir e vir; já a apreensão da Carteira Nacional de Habilitação pode impedir o livre exercício profissional e a proibição de participar de concursos e licitações não é razoável.

Assim, para Aras, o juiz não pode determinar todo e qualquer tipo de medida para assegurar o cumprimento de ordem judicial. Seria preciso uma filtragem sob a ótica dos direitos fundamentais e do julgamento de proporcionalidade e razoabilidade de acordo com o previsto na Constituição. “É preciso avaliar quais medidas seriam harmônicas com o sistema constitucional”, afirmou o PGR.