Nova caça aos comunistas pelo mundo

Nova caça aos comunistas pelo mundo

Blog de Jamildo

Por Jamildo Melo e equipe

OPINIÃO POLÍTICA

Nova caça aos comunistas pelo mundo

"O que mais aprendi lendo o Método Jacarta? Que o governo Bolsonaro e toda sua tragédia é também um resultado histórico dessas intervenções nos países do Sul Global", afirma jornalista

Jamildo Melo
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Jamildo Melo

Publicado em 24/02/2023 às 15:33 | Atualizado em 24/02/2023 às 16:11

NOTÍCIA

Arquivo Bettmann

Indonésia, 1965. Jovens incentivados pelo Governo em "caça" aos comunistas - FOTO: Arquivo Bettmann

 

Jônatas Campos, jornalista pernambucano, em artigo ao blog, comenta o avanço da direita internacional, a partir de conceitos como nova caça aos comunistas. Na fala, ele associa o quadro internacional da direita conservadora mais radical com a invasão da sede dos Três Poderes, em Brasília, em janeiro. Veja os termos abaixo.

O Método Jacarta e o Governo Bolsonaro

No último dia 10 de fevereiro, o presidente Lula esteve nos EUA para sua primeira agenda com o presidente John Biden, na Casa Branca, em Washington. Em uma rua ao lado, havia um protesto de brasileiros fazendo um certo barulho. Um deles falava em seu megafone: "We don't want to be a communist country", em português, "Nós não queremos ser um país comunista", acusação logicamente dirigida a Lula.

 

Caso você não saiba, o Brasil não é um país comunista. Porém, acredite, por mais tresloucado que pareça o discurso deste rapaz, ele é consequência de uma estratégia geopolítica traçada nos Estados Unidos (EUA) nos anos 1945, responsável por golpes militares, guerras e o assassinato de mais de 2 milhões de pessoas em países como Brasil, Guatemala, Chile, Indonésia e muitos outros.

Ainda mais, a tragédia do povo Yanomami, os ataques à democracia do 8 de janeiro em Brasília e uma conhecida frase dita por Bolsonaro em 1999, desejando matar "uns 30 mil" brasileiros, tudo isso tem conexão.

Essa sorte de eventos, aparentemente desconectados uns dos outros, guardam estreita relação com o que se convencionou chamar de Método Jacarta, incrivelmente descrito no livro homônimo do jornalista norte-americano Vincent Bevins (Editora Autonomia Literária, 2022), que terminei de ler há algumas semanas.

É uma longa reportagem, farta em documentos e pesquisas, sobre os sucessivos golpes de Estado promovidos pela CIA – agência de espionagem norte-americana – em países do Sul Global, antes chamados de países do Terceiro Mundo. Método Jacarta é uma referência à capital da Indonésia, país que serviu de laboratório bem-sucedido da difusão de mentiras, do terror e da morte, onde durante os anos de 1965 e 1966, estima-se que cerca de um milhão de pessoas foram mortas pelo Estado, acusadas de serem comunistas.

O autor narra toda a tragédia humana ocorrida neste país asiático e sua conexão entre os golpes militares na Guatemala, no Brasil, Chile, Argentina, Paraguai, com a guerra do Vietnã e muitos outros massacres e golpes.

BOLSONARO

Em uma entrevista de TV em 1999, Bolsonaro afirmou que o Brasil só iria melhorar "quando nós partirmos para uma guerra civil" e "fazendo o trabalho que o regime militar não fez, matando uns 30 mil, começando com o FHC (na época, presidente da República)".

 

Bolsonaro sempre foi o ser abjeto que conhecemos, tratado como um deputado inexpressivo. Mas por que essa afirmação "matar uns 30 mil?".

O livro de Vincent Bevins mostra que, na década de 1970, os generais golpistas brasileiros ficaram encantados como o que havia ocorrido em Jacarta (a morte em massa de militantes de esquerda). Após o golpe civil-militar de 1964, o Estado brasileiro também eliminou muitos que pensavam diferente, mas sem comparação com o milhão de mortos e os outros milhões escravizados em campos de concentração na Indonésia. Matar uns 30 mil, para Bolsonaro, era apenas repetir o que manuais das Forças Armadas do Brasil diziam: é justificável cometer atrocidades e covardias em nome do combate ao fantasma chamado comunismo.

O livro fala também sobre como militares na Indonésia usaram o desaparecimento de pessoas como método de imobilizar famílias, aprimorando torturas compartilhadas pelos serviços secretos dos EUA e da Inglaterra. Portanto, é provável que o desaparecimento dos deputados Rubens Paiva e David Capistrano, assassinados em 1971 e 1974, por exemplo, fosse o Método Jacarta em prática.

 

É até bastante consensuada entre historiadores a tese de que não existia "ameaça comunista" no Brasil antes do golpe de 1964. Naquele Congresso de 1964, levantamentos dos jornais da época davam conta de que 40 deputados eram de esquerda, enquanto 361 deputados eram de direita. Ou seja, não havia um Congresso esquerdista que fosse dar apoio a qualquer mudança de regime no Brasil. Mesmo assim, a justificativa do golpe era o comunismo vindo logo ali na esquina.

Vincent Bevins alerta para a atualidade do tema, lembrando que os massacres de povos indígenas na Guatemala e em El Salvador, na década de 1980, foram realizados por militares do exército daqueles países, bancados e armados pelos EUA. Procure na internet informações sobre os massacres de El Mozote (El Salvador) ou sobre o Massacre de Dos Erres (Guatemala).

O desprezo pela vida dos yanomamis no governo Bolsonaro e a tragédia revelada há pouco naquela região guardam uma incrível semelhança. Porque junto com a caça aos "comunistas", vinham os estupros, a fome, as doenças, a destruição de florestas, a exploração mineral desenfreada e os lucros de grandes corporações.

 

Ho Chi Minh (Vietnã), Lumumba (Congo), João Goulart (Brasil), Salvador Allende (Chile), Sukarno (Indonésia), todos esses líderes políticos de países do então chamado Terceiro Mundo, no início de suas carreiras, não eram "comunistas" ou "anti-americanos" como poderíamos imaginar. Muitos exaltavam a Constituição norte-americana e seu sistema político. O que tinham de diferente é que, enquanto líderes nacionais, queriam seguir seus próprios caminhos, sem obedecer às ordens dos EUA ou da União Soviética. Todos pagaram caro a ousadia.

O que mais aprendi lendo o Método Jacarta? Que o governo Bolsonaro e toda sua tragédia é também um resultado histórico dessas intervenções nos países do Sul Global.

“– Você quer dizer que a CIA elegeu Bolsonaro?! – Mais ou menos”. Quero afirmar que os métodos de intervenção e golpes gestados nos Estados Unidos resultaram numa doutrina de extrema-direita que manipula pessoas e ganha eleições ainda hoje. Bolsonaro é resultado dela.

 

Nossos livros de história nos ensinam sobre as atrocidades ocorridas na Europa, durante a Segunda Guerra e chamam de "Guerra Fria" uma disputa geopolítica entre Estados Unidos e União Soviética. Mas as milhões de vidas humanas massacradas na Indonésia, Vietnã, Timor Leste, Guatemala, El Salvador, Brasil, Chile e outros países, em nome dessa Guerra Fria, são secundarizadas. Muita gente no jornalismo, na literatura, nas artes, no cinema tenta contar essa história. E o livro de Vincent Bevins faz parte deste esforço para conhecermos as dores da América Latina, da África e dos países do Oriente.