Tribunal popular de SP julgará Bolsonaro por genocídio na pandemia

O Tribunal do Genocídio, ideia de professores, estudantes e trabalhadores da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo, analisará uma denúncia feita pela ex-subprocuradora-geral da República Deborah Duprat, hoje advogada.

Tribunal popular de SP julgará Bolsonaro por genocídio na pandemia

Tribunal popular de SP julgará Bolsonaro por genocídio na pandemia

Kennedy Alencar

Colunista do UOL

 

Um tribunal popular julgará simbolicamente o presidente Jair Bolsonaro pelos crimes cometidos na pandemia, com destaque para a acusação de genocídio, que foi retirada do relatório da CPI do Senado que investigou a resposta do governo à covid-19.

O Tribunal do Genocídio, ideia de professores, estudantes e trabalhadores da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo, analisará uma denúncia feita pela ex-subprocuradora-geral da República Deborah Duprat, hoje advogada.

O julgamento acontecerá na próxima semana, no dia 25 de novembro, entre 8h30 e 12h, no Tuca, o teatro da PUC. A desembargadora aposentada Kenarik Boujikian será a juíza. A defesa estará a cargo do advogado Fábio Tofic Simantob.

Duprat acusa Bolsonaro de ter cometido os crimes de genocídio, contra a humanidade, de epidemia com resultado morte, de infração de medida sanitária preventiva e de charlatanismo.

Para justificar a acusação de crime de genocídio, descartada pela CPI após divisão no grupo de senadores que formou maioria para conduzir os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito, Duprat evoca o impacto sobre a população indígena.

"Bolsonaro afirma recorrentemente que os povos indígenas são inferiores e que não vai demarcar terra indígena. Toda a burocracia foi por ele organizada no sentido de negar direitos territoriais a esses povos e abrir suas terras para atividades que ele, Bolsonaro, considera produtivas. Esse cenário foi ainda mais fortemente impactado no contexto da covid-19, em que a leniência com a invasão das terras indígenas, aliada à ausência de resposta mesmo diante de determinações do ministro Luís Roberto Barroso na ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 709 possibilitou a acentuada disseminação do vírus junto a esses povos."

Segundo ela, Bolsonaro deve responder pelo crime previsto no artigo 2º da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio: "Na presente convenção, entende-se por genocídio qualquer dos seguintes atos, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso". Numa referência à população indígena, ela diz que Bolsonaro infringiu a alínea C: "submissão intencional do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição física total ou parcial".

Duprat também enquadra o comportamento de Bolsonaro no artigo 6º do Estatuto de Roma: "Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por genocídio, qualquer um dos atos que a seguir se enumeram, praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso".

Por último, ela acusa o presidente de ter infringido o artigo 1º, alínea C, da Lei 2.889. O artigo 1º diz: "Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso". A alínea C fala em "submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial".

Crimes em série

Duprat registra que, logo no início da pandemia, Bolsonaro não seguiu as recomendações sanitárias. Em 7 de março de 2020, ele viajou para a Flórida, "região de alto risco" nos Estados Unidos, quando o Brasil registrava "apenas seis casos confirmados de infecção pelo novo coronavírus. No retorno ao Brasil, em 15 de março, com casos de covid-19 confirmados na comitiva presidencial, Bolsonaro convocou e participou de "manifestações políticas com grande aglomeração, sempre sem máscara, tendo contato físico com manifestantes, desrespeitando a recomendação de quarentena após retorno".

Ou seja, o presidente "foi para a manifestação ciente de que poderia ser um vetor de propagação de um vírus até então de baixa presença no território nacional". Dois dias depois, em 17 de março, Bolsonaro deixaria clara a estratégia de implementar a imunidade de rebanho, o que aumentou o número de casos e mortes no Brasil.

"A aposta do acusado na disseminação do vírus como estratégia de enfrentamento à pandemia, já evidente a partir dos seus atos de 15 de março de 2020, fica mais explícita após entrevista concedida à rádio Tupi." Bolsonaro disse: "O que está errado é a histeria, como se fosse o fim do mundo. Uma nação como o Brasil só estará livre quando certo número de pessoas for infectado e criar anticorpos".

Duprat anota, pelo menos, 36 discursos e declarações no período de 22 de março de 2020 e 15 de janeiro deste ano no "sentido de minimizar a pandemia, estimular o retorno às atividades presenciais, inclusive mediante o uso da cloroquina".

O Brasil, "hoje com 2.809 óbitos por milhão de habitantes, possui maior taxa de mortalidade "do que todos os países da Europa Ocidental, todos os países da América, exceto Peru, todos os países da África, todos os países da Oceania". Apenas o Peru e seis países da Europa Oriental estão acima do Brasil no número de mortes por milhão de habitantes, registra a denúncia.

Na argumentação, Duprat menciona o desprezo pelas vacinas, o discurso falso a favor da cloroquina e a sabotagem às medidas de contenção do coronavírus. Ela afirma que a denúncia se dirige apenas contra o presidente, apesar de ser "certo que vários de seus ministros, atuais e anteriores, e mesmo servidores de menor graduação contribuíram decisivamente para o cenário catastrófico da covid-19".

Segundo Duprat, "o comando das estratégias de enfrentamento da pandemia esteve sempre nas mãos de Bolsonaro" e "todos aqueles que manifestaram algum desacordo com o presidente foram afastados de seus cargos".