“Eletrobrás privatizada passou a ser uma empresa financeira”, denuncia D’Araújo

“Eletrobrás privatizada passou a ser uma empresa financeira”, denuncia D’Araújo

“Eletrobrás privatizada passou a ser uma empresa financeira”, denuncia D’Araújo

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Roberto D'Araújo no programa Faixa Livre (reprodução)

Ela também passou a ser recordista no menor número de funcionários. “Estamos numa aceitação dessa coisa de que privatizando tudo e individualizando tudo você resolve os problemas, e não vai resolvê-los”, sentenciou o engenheiro, membro do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina)

O engenheiro Roberto D’ Araújo, ex-chefe de departamento em Furnas e membro do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina), afirmou, na segunda-feira (24), em entrevista ao programa Faixa Livre, que o processo de privatização tornou a Eletrobrás uma empresa recordista no menor número de funcionários. “Ela passou a ser uma empresa financeira que só pensa na parte das finanças”, disse D’Araújo.

FRAGMENTAÇÃO DO SISTEMA

 

As críticas do especialista vão desde a fragmentação do sistema à falta de supervisão local e de condições para um planejamento nacional do setor.

“Estamos totalmente fragmentados e sem nenhuma visão do todo”, acrescentou o engenheiro, sobre as vendas das empresas. “Estamos numa aceitação dessa coisa de que privatizando tudo e individualizando tudo você resolve os problemas, e não vai resolvê-los”, sentenciou. Ele falou também da incapacidade da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) de fiscalizar o sistema. “A Aneel, se ela fiscalizasse in loco, ela poderia ter evitado muitas coisas que aconteceram em São Paulo”, afirmou.

“Se compararmos a regulação, – não estou dizendo que nos EUA é uma maravilha – estou dizendo apenas o seguinte. A regulação americana tem agências estaduais. Agências estaduais têm poderes locais, para exigir qualidade, ao contrário do Brasil. No início no Brasil se imaginou agências estaduais, mas pouquíssimas agências funcionam. Então, a Aneel é uma entidade que fica lá em Brasília, que tem mais ou menos 300 ou 400 funcionários e que administra a regulação de um país continental. Eu não conheço nenhuma fiscalização in loco da Aneel em nenhuma distribuidora”, observou Roberto D’Araújo.

ANEEL NÃO TEM DIAGNÓSTICO

“Ou seja, a Aneel não tem um diagnóstico do funcionamento das distribuidoras com as cidades, das questões das árvores, dos postes, etc, ela não tem nada disso. Ela vai apertar, mas sem conhecer os problemas. A Associação Brasileira das Distribuidoras está dizendo que não vai conseguir fazer o que está se exigindo e, se conseguir, vai ter aumento de custos. É aumento de tarifas”, prosseguiu o especialista.

Portanto, disse D’Araújo, “estamos numa trajetória terrível. Numa trajetória que, ou você aumenta a tarifa, o que para o pobre não tem mais solução, ele não consegue mais. Ou o governo vai criar uma outra ajuda por fora”. “Mais ajuda por fora, porque você não vai conseguir estabelecer um equilíbrio entre receitas e obrigações que estão sendo exigidas”, disse ele, referindo-se ao novo decreto regulamentando as novas concessões do setor elétrico.

“Eu considero que essa visão de uma renovação de concessões das distribuidoras de energia elétrica deveria ser um projeto nacional. Um projeto que envolva o país inteiro. Nós não estamos vendo no Brasil nenhum sinal de um planejamento coletivo, de um planejamento que olhe as questões mais amplas”, destacou D’Araújo. “Eu considero que o governo Lula tem estado muito ausente nos problemas do setor elétrico. A privatização da Eletrobrás está afetando o Brasil inteiro.”, prosseguiu.

TRANSIÇÃO ENERGÉTICA

“Essas questões que estão ocorrendo da transição energética, elas ocorrem lá na ponta. Lá onde estão as subestações, onde estão ligadas as fontes eólicas, as fontes solares e as pequenas centrais hidráulicas. O Brasil, ao não ter uma empresa de controle estatal que forneça informações do que está acontecendo nessa ponta, ela perde a noção das questões que estão ocorrendo no setor”, afirmou o entrevistado.

 

D’Araújo lembrou que “o planejamento do setor elétrico brasileiro mudou muito. Porque antigamente ou você construía hidráulicas ou você construía térmicas para serem uma espécie de seguro. Num certo período, na época de FHC, o Brasil vendeu todas as empresas estatais, não houve investimentos e culparam São Pedro pela crise e o racionamento, o que é uma mentira. Na realidade não houve investimento suficiente”, denunciou.

“Na realidade, agora os conflitos estão aumentando, não sei se é sabido, mas já estão começando a aparecer conflitos judiciais. Por exemplo, da Associação dos Produtores de Energia Eólica, que está dizendo o seguinte: ‘eu não estou conseguindo vender toda a minha energia’. Porque o planejamento não considerou a expansão da transmissão que deveria ter ocorrido para fazer com que essas fontes entregassem essa energia”, atestou o engenheiro.

AUMENTO DE CONFLITOS

D’Araújo alertou que está havendo também conflitos com as hidráulicas. “No sistema norte os reservatórios estão cheios. E você tem uma figura chamada energia turbinável, a energia que poderia ser turbinada e que é vertida. Ou seja, você acaba recebendo tanta energia das eólicas e das solares lá na Região Norte que você acaba vertendo energia nas usinas de Tucuruí, de Belo Monte e outras. Então, estamos numa situação de aumento de conflitos”, avaliou.

“Isso significa que nós estamos perdendo a capacidade de entender que existe uma outra forma de planejar”, apontou o especialista. “Os problemas elétricos são muito importantes. Você tem sinais de aumentos tarifários de todos os lados”, alertou.

“Na realidade está se imaginando uma nova função das hidrelétricas, de reserva, uma espécie de baterias. Isso não vai ser de graça. Esse sinal de que as hidrelétricas vão fazer o papel de baterias, o caminho inverso das eólicas e solares, guardar água e depois substituí-las, vai criar uma nova fonte tarifária”, observou.

D’Araújo denunciou o caso da Amazonas Energia. “A empresa vendeu as térmicas para a Âmbar, que é uma empresa lá do grupo J&S. Na verdade o governo vai cobrir a parte da dívida da Amazonas Energia, que não conseguia pagar, porque a tarifa lá é muito mais alta”, disse. “Ele vai cobrir isso. Ou seja, nós estamos aumentando a necessidade de, com meios que não são de uma empresa estatal, que vê tudo, que vê o sistema como um todo, usar dinheiro do Tesouro para tentar resolver problemas”, denunciou.

EXTINÇÃO DE FURNAS

D’Araújo falou da extinção de Furnas. “A empresa Furnas foi extinta. Ela que é símbolo, foi criada em 1957, portanto, antes da Eletrobrás. Ela foi extinta e já foram transferidas para a Eletrobrás todas as usinas. Então, Furnas não tem mais receita. Ela existe apenas no papel”, destacou. “A Fundação Real Grandeza, a fundação de aposentadoria e que cuidava da saúde dos funcionários, não tem mais receita. Estão obrigando os segurados a aceitar Saúde-Bradesco, etc. Uma confusão enorme”, denunciou D’Araújo.

“Depois eles dizem que a culpa é de quem denuncia e pede a reestatização”, ponderou. “Dizem, olha lá o Brasil. Um projeto de privatização aprovado no Congresso e agora a gente tem uma reviravolta. É por isso que o capital não vem, alegam”.

“Eu acho que nós deixamos as coisas acontecerem. Eu critico muito a MP 579 que a Dilma fez que, na realidade sacrificou muito a Eletrobrás para compensar aumento tarifário que estava ocorrendo no modelo. A empresa foi fragilizada e a partir daí nós fomos deixando a coisa acontecer. Por isso estamos numa situação muito difícil de resolver”, completou Roberto D’Araújo.