Veja semelhanças e diferenças entre as ditaduras militares no Chile e no Brasil
Veja semelhanças e diferenças entre as ditaduras militares no Chile e no Brasil
Nesta segunda-feira (11), completam-se 50 anos do golpe militar no Chile. A data, marcada ainda pelo suicídio do então presidente Salvador Allende, durante a invasão da sede presidencial, o Palácio de La Moneda, pelos oficiais golpistas, representa o início de um período de violências e cerceamento de liberdades com cujo legado os chilenos convivem ainda hoje.
Quase dez anos antes, em 1964, o Brasil vivia o próprio golpe militar —há indicações inclusive de que o regime brasileiro funcionou como uma espécie de “ditadura tipo exportação”, servindo de modelo tanto para os militares chilenos como também para o governo americano, envolvido à época com os esforços de impedir que o socialismo vingasse na nação rica em cobre.
Embora os regimes tenham sido simultâneos apenas em parte, com o Brasil também encerrando seu regime militar cinco anos antes do Chile, eles compartilham uma série de características. Várias delas são comuns também a de outros regimes militares que se espalharam pelo continente americano.
Posse de João Goulart, o Jango em 7 de setembro de 1961
Chile |
Brasil |
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Duração | 17 anos | 21 anos |
Antecedentes | Allende irrita empresariado chileno e EUA ao nacionalizar minas de cobre, estatizar companhias e avançar reforma agrária, e desavenças aprofundam crise econômica e polarização social. Pinochet assume chefia das Forças Armadas após comandante à época se recusar a liderar golpe e derruba presidente. | João Goulart, o Jango, assume poder já sob oposição do Exército, que o vê como um agitador comunista. Ao longo do mandato, não consegue conciliar a demanda de movimentos sociais por reforma agrária e interesses de grupos conservadores, e é deposto por militares sem um só tiro. |
Interferência dos EUA |
É anterior a golpe, e explicada por alto investimento dos EUA no país. Após tentar impedir vitória de Allende, sem sucesso, governo americano financia greves, dificulta venda de matérias-primas locais como cobre e treina e arma grupos de extrema direita. | EUA dão apoio à Operação Condor, que cria rede coordenada de repressão nas ditaduras do Cone Sul. Também têm ciência de violações de direitos cometidas por regime no Brasil, mas as minimizam como exceções para justificar continuidade de apoio. |
Estrutura de poder |
Ditadura dissolve Congresso e abole partidos, limitando atuação política civil à participação de empresários e economistas no Conselho de Estado. Pinochet acumula títulos de chefe das Forças Armadas e do Executivo. | Cultiva miragem democrática ao rotacionar chefes de Estado e manter Congresso aberto por quase toda a ditadura, tolerando oposição formal. Respeito à separação de Poderes é apenas teórica, porém, uma vez que Executivo é armado, e portanto, superior aos demais. Principal instrumento de atuação jurídica são os Atos Institucionais (AIs), 17 no total. |
Economia |
País adota doutrina neoliberal da Escola de Chicago, baseada no Estado mínimo e na livre competitividade. Educação, saúde e previdência são privatizadas e contas públicas são enxugadas ao máximo. Ao fim da ditadura, poder de compra real do salário mínimo é inferior a de seu início. | Regime promove modernização que resulta em “Milagre Brasileiro”; entre 1967 e 1973, economia brasileira cresce, em média, 10,2% ao ano. Mesma atenção não é dada à distribuição de renda, e desigualdade aumenta. Crescimento é interrompido em 1979, com segunda crise do petróleo. |
Repressão | Ditadura chilena é uma das mais brutais da América Latina. A polícia secreta de Pinochet, Dina (Direção de Inteligência Nacional), sequestra opositores e os leva a campos clandestinos para torturá-los e assassiná-los. Regime também se vale de censura, propaganda e vigilância para controlar fluxo de informações e monitorar dissidentes. | Leniência do regime ante violência contra dissidentes leva à estruturação gradual de sistema de repressão baseado em prisões, tortura e, mais tarde, assassinatos. Sua consolidação acontece principalmente a partir de 1968, com o AI-5. Aparato inclui ainda censura e espionagem e tem apoio financeiro de parte do empresariado. |
Oposição | Oposição político-partidária é praticamente exterminada com saída de líderes da esquerda de cena, seja por exílio ou por desaparecimento forçado, e desarticulação do movimento sindical. Resistência parte sobretudo do operariado e de movimentos guerrilheiros, além da Igreja Católica. | Com controle da política pelos militares, é formada principalmente por esquerda armada, embora imprensa e classe artística representem vozes da dissidência. Aos poucos, oposição a princípio protocolar ganha força e pressiona por transição democrática. |
Abertura | Grave crise econômica de 1972, marcada por inflação, desemprego e queda do PIB, leva partidos a voltarem progressivamente à atividade política direta. Em 1988, população decide pôr fim ao regime em plebiscito previsto na Constituição outorgada oito anos antes. | General Ernesto Geisel propõe abertura “lenta, gradativa e segura” ao assumir, em 1974. Tentativa de controlar processo é de certa forma minada por disputas internas do Exército e fortalecimento da oposição. Em 1984, movimento que pede eleições diretas para presidente ganha ampla adesão popular. Ele fracassa, mas termina com eleição indireta de candidatos oposicionistas em 1985 e fim da ditadura. |
Relação com memória | Comissão para investigar violações de direitos humanos é criada assim que democracia se restabelece, em 1990, mas lei outorgada por regime impede julgamento de muitos dos autores dos crimes. Só em 2000 o Judiciário para de usá-la para arquivar casos, e juízes são nomeados para investigar crimes. | Comissão Nacional da Verdade é instituída tardiamente, em 2012. Relatório final é publicado em meio à crise política e econômica de 2014, e nenhuma das medidas que recomenda são assumidas como política de Estado. Crimes do período são tratados até hoje como tabu nas Forças Armadas. |
Fuente FOLHA DE S.PAULO