Dia da Memória e Defesa da Democracia: UFSC recebe oficialmente documentos sobre a ditadura
Dia da Memória e Defesa da Democracia: UFSC recebe oficialmente documentos sobre a ditadura
Professor Fernando Ponte de Sousa foi o último convidado a falar. Foto: Salvador Gomes/Agecom/UFSC
Foi uma manhã e início da tarde de muitos relatos e abraços. Sobraram recordações e aplausos durante o Dia da Memória e Defesa da Democracia, evento promovido na Sala dos Conselhos, no Campus de Florianópolis da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), na sexta-feira, 5 de abril.
A programação contou com a entrega oficial de uma série de documentos sobre a ditadura no estado. Os papéis foram reunidos pela Comissão Estadual da Verdade Paulo Stuart Wright e estavam com a Seccional de Santa Catarina da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SC). Os documentos farão parte do acervo do Instituto Memória e Direitos Humanos (IMDH/UFSC) e futuramente devem ser disponibilizados ao público.
Durante o evento, também foi entregue oficialmente ao presidente do Conselho Universitário (CUn), reitor Irineu Manoel de Souza, o relatório que consolida os encaminhamentos das recomendações da Comissão Memória e Verdade da UFSC. O documento ainda será submetido ao CUn para votação.
A Comissão Memória e Verdade da UFSC foi criada em dezembro de 2014 pelo CUn. Entre 2015 e 2017, a comissão pesquisou documentos em acervos de Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Brasília. Também foram colhidos depoimentos e promovidas três audiências públicas.
O resultado foi um relatório com recomendações. Em março de 2023, criou-se outra comissão para encaminhar as indicações do primeiro relatório. Foram essas recomendações que chegaram oficialmente à presidência do CUn na sexta-feira.
“É um alívio trazer esses documentos para UFSC”, diz advogada
Advogada e professora Deise Helena Krantz Lora entrega documentação ao reitor Irineu. Foto: Salvador Gomes/Agecom/UFSC
O público lotou a Sala dos Conselhos antes mesmo de o evento começar por volta das 11h. Foi preciso acrescentar algumas cadeiras. Algumas pessoas não se importaram de sentar no chão ou ficar em pé.
A cerimônia começou com a composição da mesa, que foi formada pelo reitor da UFSC, Irineu Manoel de Souza; a vice-reitora, Joana Célia dos Passos; a advogada Cynthia Maria Pinto da Luz, membro da Comissão de Direito à Memória, à Verdade e à Justiça da OAB/SC; a professora Camila Schwinden Lehmkuhl, representante do IMDH/UFSC; e o professor Daniel Ricardo Castelan, presidente da comissão para encaminhamento das recomendações da Comissão Memória e Verdade da UFSC.
A primeira a falar foi Cynthia, que avaliou que os documentos que estavam com a OAB/SC trazem um “tema importante e espinhoso”, mas também compõem um “acervo importante, principalmente para o Brasil de hoje”. A entrega dos documentos para a Universidade foi avaliada por ela como uma ação “prudente, necessária e adequada”. Por último, completou: “é um alívio trazer esses documentos para a UFSC”, se referindo à necessidade de guarda, preservação e disponibilização pública.
Na sequência, o reitor da UFSC recebeu os documentos das mãos da advogada e professora Deise Helena Krantz Lora, presidente da Comissão de Direito à Memória, à Verdade e à Justiça da OAB/SC. O reitor também assinou termo de recebimento oficial dos papéis.
“Ditadura nunca mais”, diz reitor ao encerrar fala
Nelson Wedekin começou a fala lembrando o dia em que foi preso. Foto: Salvador Gomes/Agecom/UFSC
Em sua fala ao público, o reitor lembrou da importância da autonomia universitária nesses processos. Ele se referiu à sexta-feira como um dia histórico. “Precisamos criar uma cultura e mecanismos internos para não acontecer o que já aconteceu”. Por fim, Irineu encerrou a fala ressaltando: “ditadura nunca mais”.
A professora Camila, representante do IMDH/UFSC, que também estava na mesa, lembrou a importância de disponibilizar os documentos ao público. Já o professor Daniel Ricardo Castelan ressaltou o sofrimento daqueles que foram perseguidos: “em primeiro lugar, devemos lembrar daqueles que sofreram durante a ditadura. Nossas homenagens são para eles”.
Após as falas, a mesa foi recomposta com convidados. Foi chamado o advogado e jornalista Nelson Wedekin, que em 1982 foi eleito senador da república por Santa Catarina. Wedekin fez parte da Assembleia Nacional Constituinte – grupo que elaborou a constituição brasileira de 1988.
Em sua fala, já no final da manhã, ele recordou quando foi preso, no interior de Santa Catarina, por ser líder estudantil, um dia depois de declarado o golpe de 1964. Ele defendeu a importância de um estado democrático, lembrando em tom pessoal muitas memórias da época: “democracia é oxigênio”.
“A gente continua na luta”, declara presa na Novembrada
Também falou como convidada a advogada Rosângela de Souza, conhecida como Lelê, que é uma das fundadoras do Coletivo Memória, Verdade, Justiça Derlei de Luca. Lelê foi presa por ter participado da organização do ato contra o general João Figueiredo em novembro de 1979, em Florianópolis.
Rosângela de Souza (à esquerda) lembrou colegas de luta. Foto: Salvador Gomes/Agecom/UFSC
O protesto, que ficou conhecido como Novembrada, foi lembrado várias vezes durante o evento de sexta-feira. Lelê citou vários colegas e amigos que participaram das manifestações ou do movimento estudantil à época. Encerrou dizendo: “a gente continua na luta”.
O último convidado a falar foi o professor aposentado e hoje voluntário da UFSC Fernando Ponte de Sousa, que é um dos fundadores do IMDH/UFSC. Ele lembrou a crueldade dos recursos utilizados pela ditadura. “Não se tratava de um policial que abusava de seu poder, se tratava de uma política de estado. Era o terrorismo de estado”.
Segundo o professor, é preciso ainda formar o que ele chamou de um “outro querer”. Ele lembrou que, como já aconteceu no passado, ideias ditatoriais encontram apoio em parcelas da sociedade. “Temos de formar esse novo querer. A luta precisa continuar. É preciso dar uma nova chance à humanidade”.
Filho do presidente João Goulart participa do evento
João Vicente Goulart, filho do presidente da república deposto pela ditadura em 1964, João Goulart, esteve presente no evento na UFSC. João Vicente mora em Brasília e é presidente executivo do instituto que leva o nome de seu pai e tem o objetivo de preservar a memória de Jango – apelido do presidente da república de então.
João Vicente Goulart cumprimenta vice-reitora Joana Célia dos Passos. Foto: Salvador Gomes/Agecom/UFSC
Em entrevista para a TV UFSC, João Vicente elogiou o esforço para preservar a documentação que trata do período da ditadura. “A nova geração precisa entender o que aconteceu”.
Como última ação do Dia da Memória e Defesa da Democracia na UFSC, a plateia foi convidada a se inscrever para manifestações. Algumas pessoas fizeram uso da palavra, lembrando companheiros perseguidos, prisões e constrangimentos. Os presentes também relataram outras ações de grupos pela preservação da memória e homenagens a colegas já falecidos.
Por fim, a professora Luana Renostro Heinen, secretária de Aperfeiçoamento Institucional da UFSC e coordenadora da organização do evento, agradeceu a presença de todos. Passava das 13h.