A nova moeda do BRICS, por Robson Cardoch Valdez

A nova moeda do BRICS, por Robson Cardoch Valdez

A nova moeda do BRICS, por Robson Cardoch Valdez

Ao ter sua moeda lastreada em ouro, esse grupo de países contaria com um ambiente de comércio intra-bloco com maior estabilidade

Redação[email protected]

 

 

A nova moeda do BRICS

por Robson Cardoch Valdez

A introdução de uma moeda comum lastreada em reservas de ouro poderia, em tese, melhorar as relações comerciais entre os países do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), pois o ouro é um ativo finito e altamente valorizado.

Entre os pontos positivos dessa ideia destacam-se algumas variáveis que podem melhorar o relacionamento comercial entre os países do BRICS. Nesse sentido, destacam-se a estabilidade, a confiança, a transparência de preços, a diminuição da dependência de outras moedas externas como o dólar ou o euro, e o aumento da cooperação econômica entre os países membros do BRICS. Já os maiores desafios dessa estratégia dizem respeito à coordenação conjunta da nova moeda, a gestão das reservas de ouro, a criação de mecanismo de taxa de câmbio, e o impacto da moeda dos BRICS nas políticas domésticas em cada um dos países membros.

Ao ter sua moeda lastreada em ouro, esse grupo de países contaria com um ambiente de comércio intra-bloco com maior estabilidade reduzindo a volatilidade comum ao regime de taxa de câmbio flutuante, encorajando o comércio e investimento dentro dos BRICS. Essa estabilidade promoveria o gradual aumento da confiança e transparência de preços entre os membros do BRICS e seus parceiros comerciais haja vista que a moeda do BRICS manteria seu valor independentemente das incertezas econômicas. Adicionalmente, a moeda do BRICS como vem sendo pensada (lastreada em ouro), pode reduzir a dependência dessas economias em relação ao dólar norte-americano, simplificando suas transações internacionais. Por fim, a nova moeda, ao reduzir riscos cambiais e custos de transação demandaria maior articulação no interior do BRICS por meio de maior cooperação econômica podendo levar a um maior dinamismo das relações de investimento, comércio, gerando desenvolvimento para os países.

No que tange aos novos desafios dessa nova moeda, sua criação demandaria o estabelecimento de uma forte arquitetura operacional construída e gerenciada de forma consensuada, o que pode ser muito difícil levando-se em consideração as assimetrias macroeconômicas, bem como os distintos processos decisórios no interior de cada um desses países. A manutenção de reservas adequadas de ouro para a nova moeda dos BRICS demandará, também, o comprometimento equilibrado de cada país membro conforme as prioridades e necessidades de cada um dos países.

A título de comparação, atualmente os Estados Unidos possuem as maiores reservas de ouro (8133 toneladas), a Rússia (2327 toneladas), a China (2068 toneladas), Índia (795 toneladas), Brasil (130 toneladas) e África do Sul (125 toneladas). Ou Seja, o BRICS possui 5445 toneladas em reservas de ouro onde a Rússia, China, Índia, Brasil e África do Sul respondem respectivamente pelos seguintes percentuais: 42,73%, 37,97%, 14,60%, 2,38% e 2,29%. Assim, os países membros terão que monitorar eventuais e desequilíbrios e conflitos de interesses por meio da criação e gestão do mecanismo de taxa de câmbio envolvendo a nova moeda e as demais moedas. Por fim o funcionamento da nova moeda demandará de cada país membro dosBRICS um esforço de harmonização entre suas políticas domésticas (fiscais e monetárias) e as políticas do BRICS para a implementação da nova moeda.

China e Rússia

Detentores das maiores reservas de ouro do BRICS, China e Rússia despontam como os maiores entusiastas da nova moeda na media em que ela se soma a outras iniciativas como o Arranjo de Contingente de Reservas e ao Novo Banco de Desenvolvimento (NDB -Banco do BRICS), instrumentos que além de salvaguardar os balanços de pagamentos dos membros do BRICS em momentos de crise (ACR) fomentam obras de infraestrutura (NDB). Da mesma forma, no âmbito das sanções econômicas ocidentais contra a Rússia, o Cross-Border Interbank Payment System, também conhecido como China Interbank Payments System (sistema de pagamentos chies – CIPS) tornou-se extremamente útil para a execução de transações financeiras entre as duas economias. Como se percebe, trata-se de instrumentos que se contrapõem às instituições criadas para gerenciar o sistema financeiro internacional no imediato pós-Segunda Guerra Mundial.

Caso o BRICS, com a participação de todos ou da maioria de seus membros, consiga estabelecer de fato uma moeda, esse agrupamento de países liderados pela China e pela Rússia, fornecerá aos países do Sul Global um conjunto de alternativas já mencionadas para o financiamento de suas estratégias de desenvolvimento, passando a competir diretamente com às instituições internacionais sob forte influência dos Estados Unidos.

Adicionalmente, seria possível utilização da moeda do BRICS nas relações de comércio e investimento entre os países membros sem que esses países tivessem, necessariamente, de abrir mão de suas moedas nacionais. Na medida em que a moeda ganhasse confiança dos demais atores econômicos diante da redução da volatilidade das taxas de câmbio e das incertezas, a moeda do BRICS poderia ser utilizada par liquidar transações bilaterais entre Brasil e Argentina, por exemplo, ou mesmo entre os países do MERCOSUL, ou em acordos regionais no continente africano ou asiático. É Importante enfatizar, contudo, que a implementação da moeda do BRICS demandará um alto grau de coordenação e comprometimento entre os países (Índia tem se mostrado resistente à ideia).

Brasil, Índia e África do Sul

O ministro das Relações Exteriores da Índia, S. Jaishankar, disse que a Índia não tem planos para uma moeda do BRICS reforçando que a ideia indiana é a de fortalecer sua própria moeda nacional. Circula, no país, a percepção de que os BRICS estariam sendo instrumentalizado para o confronto sino-americano. Tal afirmação, ainda que seja difícil de ser comprovada, não pode deixar de ser considerada.

O fato é que ainda que a nova moeda do BRICS seja efetivamente lançada, esse novo instrumento existiria como alternativa ao dólar. Vale lembrar que o dólar é ainda a moeda com maior volume de transações globais e muitos contratos internacionais, na casa dos trilhões de dólares, ainda estão denominados na moeda norte-americana. Para países como Brasil e África do Sul, a nova moeda pode ser útil para promover seus fluxos de comércio regional e diminuir suas respectivas dependências em relação ao dólar norte-americano.

Estados Unidos

Caso testemunhemos o surgimento da moeda do BRICS, os EUA certamente passarão a monitorar sua implementação e impactos nos âmbitos regional e global para medir o comportamento do dólar no volume total das transações globais. A moeda do BRICS afetaria as reservas globais de ouro, impactando a capacidade dos EUA de influenciar a política monetária global, bem como sua capacidade de impor sanções econômicas a terceiros países.

No campo diplomático, os norte-americanos teriam de empreender uma nova abordagem em relação aos países do Sul Global no sentido de entenderem suas necessidades locais de forma mais dedicada tendo em vista que a moeda do BRICS, o ACR e o NDB passariam a ser vistos como alternativas reais às instituições tradicionais do Sistema Bretton Woods. Adicionalmente, os Estados Unidos passariam a trabalhar mais ativamente na construção de relações de comércio e investimento mais duradouras no sentido de fortalecer a posição da moeda norte-americana. Por fim. Restaria aos Estados Unidos disputar com os BRICS a influência no conjunto dos países do Sul Global seja na América Latina, na África ou na Ásia.

O conflito russo-ucraniano deu um novo impulso no interior do sistema internacional na direção da multipolaridade. A realidade objetiva traz evidências de que China e Rússia, ao buscarem seus próprios interesses, abriram possibilidades para os demais países fazerem o mesmo de forma isolada ou coordenada. As alternativas empreendidas pelo BRICS se colocam como opções adicionais para os países do Sul Global que passam a atuar de forma pragmática no sentido de acomodar seus interesses nacionais junto às potências ocidentais e às potências regionais do sistema internacional. A simples emergência de uma nova moeda endossada pelos principais adversários dos Estados Unidos lança luz sobre a deterioração gradual do poder relativo dos norte-americanos no sistema internacional.

Robson Cardoch Valdez – Doutor em Estudos Estratégicos Internacionais e Pesquisador do Núcleo de Estudos Latino-Americanos /IREL-UnB.

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