Saiba o que está em jogo com o acordo nuclear entre Irã e Estados Unidos

Ambas partes suspenderam compromisso em 2018 no governo Trump e agora podem retomar negociações

Saiba o que está em jogo com o acordo nuclear entre Irã e Estados Unidos
GEOPOLÍTICA

Saiba o que está em jogo com o acordo nuclear entre Irã e Estados Unidos

Ambas partes suspenderam compromisso em 2018 no governo Trump e agora podem retomar negociações

Michele de Mello

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |

 

Durante 2021 aconteceram diálogos entre e Irã e União Europeia para retomar pacto nuclear de 2015, abadonado pelos EUA - Joe Klamar / AFP

Irã e Estados Unidos demonstram interesse em retomar as negociações sobre armas nucleares e aumentam a expectativa internacional de que os primeiros diálogos podem começar em novembro. Em 2018, sob gestão de Donald Trump, a Casa Branca abandonou o Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA - siglas em inglês) assinado, também, com China, Rússia, Alemanha, França, Reino Unido e Irã. Em resposta à decisão unilateral dos EUA e à inação da União Europeia, o governo iraniano também deixou de cumprir com o pactuado.

O JCPOA, mais conhecido como acordo nuclear iraniano, estabeleceu mecanismos de controle do programa nuclear de Teerã em troca da suspensão das sanções aplicadas contra a economia do país asiático.

A energia nuclear, assim como o desenvolvimento de mísseis de precisão de curto e médio alcance, fazem parte do programa nacional de defesa do país. O acordo nuclear de 2015, que teria vigência até 2025, determinava 3,67% como limite máximo de enriquecimento de urânio - elemento químico base para produção de armas nucleares.

Durante a campanha eleitoral, Joe Biden prometeu retomar as negociações nos primeiros 100 dias de gestão, o que não aconteceu. O novo presidente do Irã, Ebrahim Raisi exige que Washington desbloqueie cerca de US$ 10 bilhões (aproximadamente R$ 55 bilhões) em ativos públicos iranianos no exterior e suspenda as sanções econômicas impostas desde 2018, como demonstração de "seriedade" na intenção de melhorar as relações com o país persa.

 

Os iranianos também exigem um compromisso de Washington de não aplicar nenhuma medida coercitiva unilateral enquanto o novo acordo estiver vigente. O presidente iraniano propôs uma reunião prévia em Bruxelas entre uma delegação do seu país e dos demais assinantes do pacto de 2015 para depois sentar com representantes estadunidenses em Viena. Em junho, os iranianos também suspenderam o diálogo com as partes europeias, que mediavam o diálogo com os EUA.

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Com o alívio das sanções aplicadas contra Teerã em 2016, logo após a assinatura do Pacto de Ação Conjunta, o comércio entre o Irã e União Europeia aumentou 47%. No entanto, a retomada das medidas econômicas em 2018, contribuiu para a retração de 6,8% do PIB iraniano em 2019.

“De fato o pacto [de 2015] era uma barganha. Trump mostrou isso. Mas todo acordo envolve uma barganha de alguma maneira. O nosso anterior era mais para criar uma confiança mútua e depois ter outros avanços. Eu acho positivo que o Biden tenha esse interesse”, analisa o ex-ministro de Defesa e Relações Exteriores Celso Amorim em entrevista ao Brasil de Fato.

Teerã também acusa os Estados Unidos e Israel de terem planejado o atentado contra Mohsen Fakhrizadeh, cientista-chefe do programa nuclear iraniano, e Qasem Soleimani, general da força Al Quds, ligada à Guarda Revolucionária Islâmica, ambos mortos em 2020.

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“A administração Biden, o Departamento de Energia e de Armas Atômicas estão obrigados a assinar um novo acordo atômico com o Irã. Há um caminho para percorrer que não é fácil. Mas essa é a metodologia de todos os acordos, quando a situação fica mais difícil é quando podem conseguir um pacto. Essa tem sido a história de outros acordos, inclusive não nucleares”, analisa o cientista político e doutor em geopolítica do Petróleo Miguel Jaimes.

Segundo a Organização Internacional de Energia Atômica, o país persa possui cerca de 10.000 kg de urânio enriquecido e produz cerca de 120 kg de urânio enriquecido a 20% anualmente.

O secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken, afirmou que os Estados Unidos estão preparados para "novas opções se o Irã não mudar sua postura" e reiterou não concordar com um encontro prévio em Bruxelas.


Ranking de armas nucleares do Instituto Estocolmo de Pesquisa para Paz Internacional de 2021 / Fernando Bertolo / Brasil de Fato

Mas quem é o vilão?

De acordo com as Nações Unidas, existem 13.080 armas nucleares hoje no mundo. A erradicação das armas nucleares é um dos objetivos da Agenda 2030 da ONU.

Embora os Estados Unidos acusem o Irã de ser um risco para a segurança mundial por possivelmente poder desenvolver uma bomba nuclear, os EUA estão no topo do ranking de armas nucleares e foram o único país a adotá-las em um guerra.

Segundo o Instituto Estocolmo de Pesquisa para Paz Internacional (Sipri - siglas em inglês), os EUA possuem 5.550 ogivas nucleares, seguido por Rússia com 6.255 ogivas, em terceiro estaria a China com 350 ogivas e a França com 290.

Outras potências nucleares seriam Reino Unido, Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte.


Em 20210, o Brasil foi mediador no primeiro acordo nuclear proposto entre Irã e Estados Unidos / Memorial da Democracia

O acordo nuclear de 2015 não foi o primeiro. Em 2010, o Brasil e a Turquia já haviam mediado negociações entre o Irã e os Estados Unidos para buscar um pacto nuclear, que acabou sendo abandonado por Washington.

“O Obama pediu ao Brasil e, especificamente ao presidente Lula, que ajudasse a encontrar uma solução ao Programa Nuclear do Irã, que era visto como um grande problema principalmente por Israel. Para Israel o fato de que um país islâmico tenha armas nucleares - as mesmas que Israel tem - é uma ameaça existencial para o país”, comenta o ex-ministro Celso Amorim.

E para manter sua hegemonia no aspecto militar, os EUA se apoiam em Israel como um aliado no Oriente Médio. Em 1981, Israel bombardeou um reator nuclear em construção no Iraque. Já em 2007 fizeram o mesmo na Síria.

Leia também: Otan debate nova estratégia militar considerando China e Rússia como ameaça

Para o especialista em geopolítica do petróleo Miguel Jaimes, o interesse central da Casa Branca é manter uma situação de conflito permanente no Oriente Médio para garantir seu controle sobre as fontes de gás e petróleo, assim como das rotas de comercialização dos combustíveis.

"Estamos identificando o avanço de proto-blocos na região. O primeiro ator são os Estados Unidos com seus aliados: Japão, Coreia do Sul, Israel, Arábia Saudita conformam um corpo com forma militar, com armamento, ajuda sofisticada e treinamento militar. Para isso os proto-blocos têm seus aliados bem atendidos. Quem são eles? O califato islâmico, Al Qaeda, Al Nusra. Para cada país eles criaram um grupo de terroristas”, analisa Jaimes.


Os Estados Unidos possuem presença militar em todos os países vizinhos do Irã no Oriente Médio / Fernando Bertolo / Brasil de Fato

Irã: ponto estratégico no Oriente Médio

Não é só a questão nuclear. As relações entre Irã e Estados Unidos são tensas desde 1979. Com a revolução islâmica e a instalação de um governo autônomo aos interesses estadunidenses, a Casa Branca passou a emitir as primeiras sanções contra o Irã.

A posição geográfica, com o acesso privilegiado ao Golfo Pérsico, faz do Irã um alvo permanente dos EUA.

O Irã é o quarto maior produtor de petróleo do mundo e o segundo dentro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), com uma produção diária de 2,5 milhões de barris. Através do Estreito de Ormuz, localizado no território iraniano, são transportados cerca de 20% do petróleo consumido em todo o mundo.

O Departamento do Tesouro dos EUA impôs sanções a cerca de 700 empresas e cidadãos iranianos, incluindo os principais bancos, exportadores de petróleo e transportadoras.

“O Irã é um país de economia sofisticada, com um nível de industrialização similar ao Brasil. Mas é um país que tem sofrido muito com as sanções, mas é um governo mais conservador e talvez por isso queira apaziguar o terreno e diminuir a situação de crise econômica permanente”, analisa o ex-ministro Amorim.

Edição: Thales Schmidt