Kissinger em Pequim no Ministério da Defesa: “EUA e China não podem se dar ao luxo de se tratar como adversários”
Kissinger em Pequim no Ministério da Defesa: “EUA e China não podem se dar ao luxo de se tratar como adversários”
O ex-secretário de Estado dos EUA, que recentemente completou 100 anos, conversou com Li Shangfu, colocado na lista negra de Washington por negociar um fornecimento de aviões de guerra com os russos.
A reportagem é de Guido Santevecchi, publicada por Corriere della Sera, 19-07-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O idoso Henry Kissinger está de volta ao campo, com uma viagem a Pequim e um encontro com o ministro da Defesa, Li Shangfu. A presença do homem que em 1971 com suas missões secretas na Cidade Proibida de Mao Tse-tung preparou o grande degelo entre Estados Unidos e China não tem apenas um aspecto romântico e de desafio à idade, visto que o Doutor Kissinger completou 100 anos em maio.
O general Li Shangfu está na lista negra de Washington desde 2018, sujeito a sanções por negociar com os russos o fornecimento de aviões de guerra Su-35 e mísseis S-400. Li era na época chefe do departamento de desenvolvimento de sistemas de armas do Exército Popular de Libertação. O fato de Kissinger ter cruzado o Pacífico para encontrá-lo tem, portanto, um valor político, justamente no momento em que estadunidenses e chineses estão tentando deter a espiral de inimizade e conflitos geopolíticos que os levaram à beira do confronto.
O diálogo político foi retomado, com visitas do secretário de Estado, Antony Blinken, em junho, da Secretária do Tesouro, Janet Yellen, no início de julho, agora do chefe do dossiê ambiental, John Kerry. Mas o Exército Popular de Libertação ainda recusa qualquer contato com o Pentágono, apesar dos apelos estadunidenses para reabrir os canais de consulta para evitar "erros de avaliação" quando unidades armadas dos dois países têm encontros próximos e perigosos perto de Taiwan. Pequim não quer o diálogo militar, não concorda em fixar novas "regras de engajamento" entre aviões e navios no Estreito de Taiwan porque deveria de alguma forma reconhecer o direito estadunidense de livre movimento naquela zona crítica.
A República Popular, por outro lado, reivindica total soberania sobre a ilha e em ambos os lados do Estreito. O risco de incidentes é diário. A colisão esteve próxima duas vezes nas últimas semanas.
Então, eis Henry Kissinger sentado diante do ministro da Defesa chinês, formalmente ‘persona non grata’ para o governo dos EUA. Foi a Defesa Chinesa que informou sobre o encontro. Informa que justamente o ex-Secretário de Estado dos EUA apresentou-se com razão como um “velho amigo do povo chinês”: depois das viagens clandestinas para preparar a grande cúpula entre Mao e o Presidente Nixon em 1972, Kissinger continuou a visitar Pequim todos os anos, para participar em seminários e consultas, sempre recebidos por todos os líderes, recentemente também por Xi Jinping.
Mas depois dos cumprimentos e elogios ao político centenário que enfrentou novamente uma viagem tão longa, Li Shangfu disparou contra os Estados Unidos. Ele disse que "as comunicações amigáveis foram destruídas" e as relações bilaterais atingiram seu ponto mais baixo "porque alguém do lado estadunidense não quis encontrar a China no meio do caminho". No entanto, o general observou que Pequim "está constantemente se esforçando para criar relações estáveis, previsíveis e construtivas com Washington, mesmo entre as duas forças armadas". Um sinal de disponibilidade, portanto.
Kissinger ouviu e depois respondeu que as duas superpotências "devem eliminar mal-entendidos, coexistir pacificamente e evitar confrontos". O Dr. K adora falar sobre história e repetiu que "a história e a prática nos mostram que nem os Estados Unidos nem a China podem se dar ao luxo de se tratar reciprocamente como adversários".
Em maio, ao receber o embaixador chinês nos Estados Unidos, que veio desejar-lhe votos pelo aniversário, Kissinger fez uma proposta de distensão sobre Taiwan. Posto que os Estados Unidos não podem abandonar a ilha democrática ameaçada de invasão, porque perderiam seu prestígio no mundo, o estrategista de mil complôs internacionais observou que no momento “é um problema insolúvel, a única solução é manter o status quo por outros anos durante os quais os dois lados deveriam evitar ameaças e limitar os desdobramentos um contra o outro”. Para esclarecer o conceito, ele voou para Pequim mais uma vez.