Efeito de Rede em Riqueza

A população brasileira está estimada em quase 215 milhões de pessoas. A população adulta passava 172 milhões, no fim de 2021,

Efeito de Rede em Riqueza
 

Efeito de Rede em Riqueza

 

A população brasileira está estimada em quase 215 milhões de pessoas. A população adulta passava 172 milhões, no fim de 2021, embora na força de trabalho estivessem menos de 108 milhões, sendo quase 96 milhões ocupados e 12 milhões desocupados.

Em 2020, no mercado de trabalho formal, o número de pessoas ocupadas assalariadas em empresas e outras organizações ativas chegou a 45,4 milhões. No mesmo primeiro ano da pandemia, o número dessas entidades atingiu 5,4 milhões e o número de sócios e proprietários totalizou 7,3 milhões pessoas.

O número de empresas sem assalariados cresceu 8,6% ou mais 227,3 mil. Diante do desemprego, essas pessoas resolveram abrir o próprio negócio. Se a empresa aberta tinha CNPJ, declarava o eSocial e não fosse MEI, ela era considerada no CEMPRE-IBGE.

Como a Ciência Social analisa uma sociedade tão complexa com tamanha diversidade de indivíduos e empresas? No caso das Pessoas Físicas, classificando-as por gêneros, faixas etárias, níveis de escolaridade, castas de natureza ocupacional e párias etc.? No caso das Pessoas Jurídicas, classificando-as por porte, natureza jurídica e atividade?

A fronteira do conhecimento da Ciência Econômica move-se para uma visão macrossistêmica submeter a perspectiva sociológica das classes de renda e riqueza. Estuda o sistema complexo, emergente de interações entre múltiplos agentes.

 

Nessa visão holista (derivada de holos, o todo), o marco conceitual focaliza os vínculos e/ou as interações entre os principais componentes de um sistema econômico-financeiro. Como a financeirização é inerente ao capitalismo, desde sempre, estuda por meio de quais riscos em um subsistema pode-se desencadear uma crise sistêmica.

Os riscos financeiros estão interconectados em um sistema complexo inserido em uma economia globalizada. Nele se encontram governos e Bancos Centrais, famílias e empresas, todos são componentes do sistema financeiro.

Por sua vez, esse sistema emerge de três subsistemas intrinsecamente interligados por conexões. O subsistema de pagamentos, o de gestão de dinheiro e o de financiamentos configuram uma rede financeira entre todos os participantes.

A Economia de Rede tornou-se um tema reconhecido após a difusão da Internet na sociedade. Em Economia e Negócios, um Efeito de Rede é também designado externalidade de rede. Busca economia de escala na alavancagem financeira.

Ele é o efeito provocado por cada utilizador de um bem ou serviço sobre o valor dele para outros utilizadores. Depende do número de utilizações de outras pessoas.

As redes sociais online funcionam sob Efeito de Rede ou externalidades positivas. Por exemplo, sites como Twitter, Facebook e agrupamentos em Whatsapp tornam-se mais comunicativos quanto mais utilizadores aderirem. Externalidades negativas são referidas como congestionamento de rede.

Ao longo do tempo, os efeitos positivos de rede estimulam o movimento de adesão. Quanto mais pessoas se juntam, em ciclo de feedback positivo, mais valiosa será a rede.

André Lara Resende, no seu livro recém-lançado, Camisa de Força Ideológica (Portfolio-Penguin; Edição do Kindle; 2022) dá uma contribuição inovadora, portanto, heterodoxa, para insights a respeito. Propicia o entendimento do capitalismo financeiro como uma rede de relacionamentos multiplicadores da riqueza e capacitadores de sua transmissibilidade para novas gerações de herdeiros.

Deve-se entender a riqueza como a capacidade de recrutar pessoas e/ou o poder de mobilizar recursos, inclusive financeiros. O poder nunca dependeu só da riqueza, mas, no mundo contemporâneo, a riqueza se tornou a principal porta de acesso ao poder.

Lara Resende alerta: “a corrupção na política, assim como em todas as esferas de poder, entidades reguladoras, federações esportivas etc., parece confirmar: o poder é o meio para acumular riqueza. Trata-se de uma distorção provocada pela financeirização do mundo, onde tudo passa a ser avaliado em termos da contabilidade financeira”.

Para ele, explicaria tanto a reificação das restrições financeiras como a recusa em aceitar a moeda fiduciária tornar o Estado um agente sem restrição financeira. Se o Estado é assim, representa o poder supremo. Quem o controla é todo-poderoso para enriquecer.

Sem reconhecer o crédito e a contabilidade financeira serem instrumentos sociais para garantir a produtividade e o bem-estar comum – e não para enriquecer os ocupantes do Estado e seus aliados –, não há efetivamente como garantir a boa governança. Daí Lara Resende diferencia dois aspectos da transmissibilidade: a da riqueza e a do poder.

“A grande diferença entre o poder e a riqueza está na legitimidade da transferência”. Hoje, a transferência da riqueza para os descendentes é majoritariamente vista como legítima, assim como para causas beneficentes é considerada virtuosa.

“Já a transferência de poder, desde o fim da aristocracia, deixou de ser percebida como legítima. No mundo contemporâneo, a transferência de poder para protegidos ou descendentes, como demonstram as dinastias políticas em toda parte, é uma possibilidade, mas sempre imperfeita e tida como ilegítima”.

Essa é a razão pela qual mesmo os politicamente poderosos sentem-se compelidos a acumular riqueza, tentados a transformar o poder político, intransmissível, em poder financeiro, transmissível. O estímulo à corrupção na política é, então, reforçado.

Define bem o Lara Resende. “A possibilidade de ser legitimamente transmitida é elemento fundamental para entender a riqueza financeira. O sistema monetário é o registro contábil de direitos e deveres na sociedade”.

No curto prazo, no tempo do mercado e da produção, viabiliza a atividade econômica. No longo prazo, além do tempo do investimento, viabiliza a transferência de poder aquisitivo no tempo e a transferência de haveres e deveres entre gerações.

Para ele, isso viabiliza e perpetua a riqueza financeira na sociedade contemporânea, assim como a riqueza fundiária perpetuava a sociedade aristocrática. “A riqueza é a contabilidade dos direitos acumulados, pelas gerações pretéritas e pela geração em atividade. Podem ser transferidos no tempo para seus descendentes”.

É um direito sobre o produzido, mas só pode ser exercido se houver valor adicionado. Só ele, de geração a geração, viabiliza o aumento do consumo e do bem-estar.

A riqueza financeira é mera contabilidade de direitos e deveres. Não é capaz de aumentar a disponibilidade de bens e serviços”. De nada vale toda a riqueza financeira, acumulada em uma sociedade, caso ela não produzir valor adicionado ou renda.

A contabilidade capitalista da riqueza aceita os preços de mercado como representação efetiva do valor criado e dos direitos adquiridos. Torna direitos, adquiridos segundo seu sistema de valor, passíveis de serem transferidos no tempo e entre gerações.

Se os preços dos ativos e dos direitos forem inflacionados pela expansão do crédito sem o correspondente aumento do valor adicionado na capacidade produtiva, não há efetivo aumento da riqueza, apenas ilusão monetária de aumento da riqueza. Sem contrapartida no aumento da produtividade, a expansão do crédito inflaciona os ativos financeiros e descola a riqueza da operação da capacidade produtiva de rendas reais.

Daí, defende Lara Resende, a verdadeira responsabilidade fiscal e monetária seria assegurar a contabilidade financeira da economia ser pautada por valores, no sentido de crenças e princípios, da sociedade. “A contabilidade financeira deve procurar recompensar a produtividade e promover o bem-estar coletivo”.

O volume e o direcionamento do crédito são um instrumento desenvolvimentista. O Estado tem a capacidade de controlar tanto a taxa de juros como a expansão e o direcionamento do crédito.

Há algo de muito errado na gestão da economia brasileira. A opção por restringir a ação do Estado, obrigando-o a se financiar integralmente através de receitas tributárias, enquanto a expansão do crédito para consumo e capital de giro fica irrestrita, é muito provavelmente a principal razão do atual estado de coisas: a estagdesigualdade.

“Por um lado, a restrição indiscriminada ao poder financeiro do Estado limita sua capacidade de criar poder aquisitivo para explorar as potencialidades da sociedade através do investimento em áreas críticas como educação, saúde, infraestrutura, pesquisa e tecnologia e meio ambiente. Por outro lado, a completa delegação da expansão do crédito para o sistema bancário provoca ciclos recorrentes de euforias, inflação de ativos e crises financeiras. Obrigam a intervenção do Estado como emprestador de última instância”.