Avanço insuficiente do PIB no 3º tri evidencia desorganização da economia, alerta José Paulo Kupfer
Negação da pandemia gera incertezas. Produção esbarra na falta de peças. Em lugar do “V”, “raiz quadrada”.
Avanço insuficiente do PIB no 3º tri evidencia desorganização da economia, alerta José Paulo Kupfer
Negação da pandemia gera incertezas
Produção esbarra na falta de peças
Em lugar do “V”, “raiz quadrada”
Depois de divulgada a evolução da economia no terceiro trimestre, na 5ª feira, 3 de dezembro, o ministro Paulo Guedes deitou falação. Começou dizendo que a recuperação era mesmo em “V” e prosseguiu profetizando “uma sequência de quatro a cinco anos de crescimento forte”.
Já se sabe que as coisas não vão bem quando a incontinência verbal de Guedes dispara. É a forma usual de reação do ministro a eventos negativos. Quando a pressão aperta, ele não só sai falando pelos cotovelos como anuncia resultados esfuziantes e medidas retumbantes.
A pressão, de fato, não é pequena. Há uma segunda onda de Covid-19, o setor da Saúde está uma barafunda, reinam incertezas em relação a vacinas e programas de vacinação. Também na economia o governo está sem rumo e nem um mínimo, como aprovar ainda neste ano um orçamento organizado para 2021, está garantido.
O PIB cresceu 7,7% no intervalo julho-setembro, abaixo das projeções de que avançaria 8,5%, e o crescimento mostrou ter ocorrido num óbvio “V”, de origem estatística, diante do mergulho no trimestre anterior. Mas é um “V” capenga, com a perna da direita mais curta, pois a queda, entre abril e junho, alcançou 9,6
Com as informações já disponíveis do último trimestre, sabe-se que a economia vem perdendo tração. Depois do repique do terceiro trimestre, qualquer crescimento de 1% no terço final de 2020 será devidamente comemorado, pois, assim, a contração no ano ficaria abaixo de 5%.
No mercado financeiro menos apaixonado pelo “risco fiscal”, já se fala numa trajetória de crescimento sob a forma do desenho da raiz quadrada, um “V” que se estende numa reta. A expectativa mais confiável é a de que o nível do PIB pré-pandemia só seja alcançado no fim de 2021 ou mesmo em 2022.
A verdade é que a economia está longe de uma retomada verdadeira e a “recuperação” precisa vir entre aspas. Em relação ao último pico, no primeiro trimestre de 2014, o PIB ainda se encontra 7,3% abaixo. O consumo das famílias, ainda deve 6,4% e o investimento, que já não era essas coisas, permanece quase um terço menor.
Com uma injeção de recursos acima da maior parte dos emergentes, o “V” de Guedes colocou o Brasil apenas na vigésima quinta posição, entre 51 países, pelo grau de crescimento no terceiro trimestre do ano. O impulso do auxílio emergencial, das postergações de impostos, do crédito a empresas e dos programas de sustentação de empregos foi freado por uma desorganização generalizada da produção.
A origem dessa desorganização não foi culpa do governo. A responsável foi a pandemia, que provocou uma paralisação abrupta, concomitante e inédita da oferta e da procura. Quando a demanda retornou, com uma primeira reabertura das atividades e nas asas do auxílio emergencial, a produção se ressentiu da falta de insumos, matérias-primas, peças e partes.
Além da pressão de custos, a quebra nas cadeias de produção resultou primeiro em queima de estoques, depois em restrições e atrasos nas entregas. Há relatos de problemas com metais, resinas, papelão, tecidos e vários etcs.
Na ponta de uma cadeia que integra grande leque de fabricantes, as montadoras de veículos são um bom exemplo da desorganização que tem vitimado a produção. Embora com alta de 4,6% sobre outubro, o volume de emplacamento de veículos novos, em novembro, permaneceu 7% abaixo do total comercializado no mesmo mês de 2019 e registra queda de quase 30% no ano de 2020.
Segundo a Fenabrave, entidade nacional das concessionárias de veículos, o resultado teria sido melhor se o fluxo de peças e matérias-primas estivesse normalizado. O problema não estava do lado da demanda porque, ainda que com concentração em frotistas e locadoras, há filas de espera para a compra de veículos.
Para a entidade, porém, não são apenas a falta de peças e os baixos estoques que estão impedindo um deslanche das vendas. A inação, na prática, do governo federal é parte do problema. Incertezas sobre os rumos da economia, com ênfase nas ações desencontradas de enfrentamento do repique da Covid-19 e na falta de políticas claras para a compra e aplicação de vacinas, estão impedindo a reabertura de turnos de produção fechados no auge da pandemia.
Os problemas, porém, não se resumem ao que ficou para trás. No que se projeta à frente é difícil vislumbrar tão cedo retomada consistente. A primeira barreira continua sendo a da pandemia e o negacionismo com o qual o governo a encara.
Dúvidas sobre novas restrições à circulação de pessoas e de aplicação de lockdowns, em combinação com perspectivas de atrasos na definição do calendário de vacinação e sua extensão afetarão, fortemente, planos de investimento e a efetiva retomada da produção/prestação de serviços. Nem mesmo se sabe como pôr de pé uma renda básica ou, simplesmente, uma extensão do auxílio a vulneráveis, instrumento útil para pelo menos mitigar os impactos negativos de um desemprego recorde, que ainda não parou de crescer.