Chavismo chega fortalecido às eleições na Venezuela com mais de 7 mi de filiados ao PSUV

Após resultados ruins em 2015, chavistas fizeram campanhas de filiação e conseguiram ampliar quadro de militantes, reconstruindo estruturas e hierarquias

Chavismo chega fortalecido às eleições na Venezuela com mais de 7 mi de filiados ao PSUV

Chavismo chega fortalecido às eleições na Venezuela com mais de 7 mi de filiados ao PSUV

Após resultados ruins em 2015, chavistas fizeram campanhas de filiação e conseguiram ampliar quadro de militantes, reconstruindo estruturas e hierarquias

 

A derrota eleitoral de 2015, a mais contundente desde o início da Revolução Bolivariana em 1999, marcou o início de uma nova etapa para o Partido Socialista Unidos da Venezuela (PSUV), o partido de Nicolás Maduro. Sua base foi reorganizada e a estratégia foi criar diferentes frentes de atuação, atraindo para dentro do partido líderes sociais, de comunas, estudantes e ampliando sua atuação em organizações juvenis e comunitárias. 

Em 2015, o PSUV tinha 5 milhões de filiados. Atualmente possu,i cerca de 7 milhões, o que representa 35% dos votos, dentro do universo de 20 milhões de eleitores que possui a Venezuela. Isso foi possível porque, entre 2017 e 2019, o partido fez duas grandes campanhas de filiação e conseguiu ampliar seu quadro de militantes e reconstruir as estruturas, assim como as hierarquias internas. Dessa forma, passou a ter maior presença no território nacional, especialmente nas comunidades mais vulnerais. 

O partido colocou sua militância na rua para envolver-se e tentar ajudar a solucionar os problemas cotidianos das famílias pobres dessas comunidades. “Isso deu um caráter social ao partido, coisa que faltava. Hoje essas pessoas que viam o partido com distância passaram a fazer parte da organização e usar essa estrutura de modo que possam contribuir para acelerar a solução dos problemas que enfrentam as famílias que necessitam de nosso apoio. O partido também passou a ser elemento de pressão social e de organização”, explica a deputada Tania Diaz, segunda vice-presidente do PSUV.

Outra característica do partido socialista que o difere dos demais partidos venezuelanos é a ampla participação das mulheres. Cerca de 60% das organizações de base do PSUV estão compostas e dirigidas por mães de famílias, líderes comunitárias e de comunas, assim como estudantes, segundo dados fornecidos recentemente pelo primeiro vice-presidente do partido, Diosdado Cabello. 

Campanha do PSUV em Caracas nesta semana (Fania Rodrigues/Opera Mundi)

Nas atividades de encerramento de campanha do PSUV realizadas essa semana em 23 estados venezuelanos, a participação feminina era visivelmente majoritária. “As mulheres da Venezuela são bolivarianas, anti-imperialistas e profundamente chavistas. São as mulheres que sabem, melhor que ninguém, quais são os problemas que a família enfrenta diariamente. Por isso, nós as colocamos no centro da estratégia para alcançar nossa vitória. Nós perdemos a eleição de 2015 e assumimos a responsabilidade pela derrota, por não ter feito bem as coisas”, disse Cabello, no encerramento da campanha no estado de Zulia, na quarta-feira.

Cabello é considerado o número dois do chavismo e quem lidera na prática o PSUV, já que seu máximo líder é o presidente Maduro – que se dedica mais às questões institucionais do governo. Foi Cabello quem dirigiu a campanha eleitoral do partido nessas eleições, e chegou a ir a todos os Estados do país para fazer campanha.

Uma de suas principais propostas durante a campanha foi a apresentação de um projeto de lei, uma vez que a nova legislatura da Assembleia Nacional esteja instalada, para tipificar como crime as iniciativas de políticos que solicitaram a outros governos aplicação de sanções contra a Venezuela. Esse foi o caso de deputados como Júlio Borges, do partido Primero Justicia, e do atual líder da oposição, Juan Guaidó. 

“Não devemos cair no erro de pensar que a direita não fez nada durante esses cinco anos de mandato na Assembleia Nacional. Sim, fizeram. Provocaram muito dano, são maus filhos dessa pátria. Usaram esse espaço, que era para fazer política, para conspirar contra a pátria e o povo da Venezuela”, ressaltou Cabello, que também é presidente da Assembleia Nacional Constituinte.

Mesmo assim, o chavismo acumula três vitórias eleitorais nesse período em que a oposição comandou a Assembleia Nacional. O PSUV ganhou a maioria dos governos de Estado e das prefeituras, em 2017, e a eleição presidencial, em 2018.

Eleitores apostam em vitória do chavismo

Apesar de viver a crise econômica mais longa que o país já enfrentou, muitos venezuelanos afirmam que vão votar no dia 6 de dezembro com esperança de que seu voto possa trazer melhorias à situação econômica. “Esperamos que a próxima Assembleia Nacional ajude a diminuir os efeitos do bloqueio e o sofrimento dos venezuelanos. Nossa vida piorou muito nesses cinco anos, desde que a oposição ganhou a Assembleia Nacional”, diz a dona de casa e militante feminista Eulália Arcas, de 58 anos, integrante da organização da Frente de Mulheres do bairro El Silêncio.

Arcas diz que muitos venezuelanos votaram na oposição para dar uma oportunidade aos partidos de direita, mas que agora alguns desses eleitores estão decepcionados. “O povo não esquece que foi traído. Conheço muitas pessoas que hoje me dizem: ‘votei neles para provar, mas me arrependo mil vezes’. Eu já tinha dito, nessa gente não se confia. Eles mentem e vão mentir a vida inteira”, afirma .

"O povo não esquece que foi traído", diz Eulália Arcas sobre ações da oposição nos últimos cinco anos (Fania Rodrigues/Opera Mundi)

Já o técnico de reciclagem José Hernandez, de 48 anos, garante que os últimos anos foram de aprendizado, que as dificuldades sofridas nesse período motivam as pessoas a sair para votar. “Teremos uma grande participação eleitoral, porque os revolucionários queremos voltar à Assembleia Nacional. Sim, existem pessoas desmotivadas, mas são aquelas que a oposição enganou.”

O técnico de reciclagem se diz confiante em relação ao resultado das eleições. “Não existe possibilidade de que o chavismo possa perder essa eleição. Porque os partidos do Grande Polo Patriótico (coalizão de partidos de esquerda) estamos organizados através das organizações comunitárias, das comunas, movimentos sociais e, ao garantir essa organização do nosso setor, nós asseguramos a vitória”, disse, em entrevista feita durante a última atividade de campanha do PSUV em Caracas, na quinta-feira.

O presidente Nicolás Maduro também se mostrou otimista em uma entrevista coletiva a meios venezuelanos, transmitida na noite de quinta. Maduro voltou a dizer que renunciaria caso a oposição ganhasse novamente a eleição parlamentar. “Se a oposição tiver um voto mais eu saio daqui, entrego a Presidência. Lancei esse desafio com sinceridade, porque os opositores estão dizendo nos debates políticos que tudo é culpa do Maduro. Está bem, assumo minha responsabilidade e deixo meu destino nas mãos do povo bolivariano. Se eu tiver que sair vai ser pelo voto, não por golpe de Estado, isso jamais”, defendeu Maduro. 

Nesse caso, a vice-presidente da República assumiria o cargo. “Delcy Rodríguez assumiria o cargo por 30 dias e convocaria novas eleições”, ressaltou.

No entanto, a última pesquisa eleitoral divulgada pelo instituto Hinterlaces, entre o eleitorado que disse ter intenção de participar da eleição, 63% afirmam que irão votar no chavismo, contra 26% na oposição. 

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Oposição venezuelana usa eleições deste domingo para tentar sair da sombra de Guaidó

Partidos oposicionistas que vão participar do pleito dizem que abstenção só interessa a grupo de Juan Guaidó e acreditam que eleição é oportunidade de surgimento de 'nova alternativa política'

FANIA RODRIGUES


A oposição venezuelana está nas ruas fazendo campanha política para as eleições deste domingo, 6 de dezembro, e aposta no surgimento de uma nova alternativa política com o fracasso das tentativas do deputado opositor e presidente autoproclamado Juan Guaidó de assumir o governo do país. 

A oposição venezuelana está dividida em três blocos principais: aquele que continua apoiando o líder opositor Juan Guaidó; o grupo que reúne deputados e líderes regionais de diferentes partidos que se distanciaram de Guaidó em janeiro desse ano e montaram um movimento dissidente dos partidos tradicionais de direita; e um terceiro, composto por outros partidos opositores menores, de centro-direita. 

O grupo anti-Guaidó é composto por 30 deputados da Assembleia Nacional, o que representa cerca de um terço da bancada opositora no Congresso. Os deputados desse grupo se uniram a outros líderes regionais e criaram um novo partido, chamado Primeiro Venezuela, que vai participar das próximas eleições. 

O deputado José Brito, do Estado de Anzoátegui, é um dos líderes desse movimento dissidente, que foi chamado de “rebelião das regiões”, já que se tratava de deputados de estados que nunca tiveram grande proeminência na política nacional, como Anzoategui, Amazonia (VE), Yaracuy, Guarico, Táchira, entre outros.

“Essas eleições serão um ponto de virada. Porque aqui tivemos políticos opositores que se equivocaram e tomaram um caminho que prejudicou o povo venezuelano. Nascerá uma nova oposição dessas eleições, que quer ser escutada pela comunidade internacional”, diz Britto.

“Dentro do campo opositor, queremos construir novas lideranças e sair dessas lideranças de sempre. A fortaleza do nosso movimento é que nós somos a somatória das lideranças regionais. E nosso partido, Primeiro Venezuela, hoje é o único opositor que está presente em todo o território nacional”, ressalta o deputado.

Para Britto, um dos maiores desafios da oposição é convencer o eleitorado ir a votar, já que Guaidó e seus aliados estão defendendo a abstenção enquanto convocam a população a uma consulta pública, sem valor legal, para validar sua liderança e continuar com o autoproclamado “governo interino”, mesmo depois do fim de seu mandato como deputado.

“Chamar à abstenção é conduzir as pessoas ao nada. Não há proposta, somente uma campanha para não votar. O único que interessa a esse pequeno grupo político, que se autodenominou líder da oposição, é seguir conseguindo financiamento internacional”, afirma Brito.

'Chamar à abstenção é conduzir as pessoas ao nada', diz José Britto, do Primeiro Venezuela (Fania Rodrigues/Opera Mundi)

Documentos secretos do Reino Unido, desclassificados recentemente, mostraram que o governo de Boris Johnson financiou uma coalizão opositora composta por coordenadores de ONGs e dirigentes de partidos venezuelanos. A informação foi divulgada por meios britânicos no mês passado

Além disso, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) afirma que, desde 2017, envia recursos a organizações civis vinculadas à oposição, para atividades da Assembleia Nacional durante o período em que Guaidó presidiu a Casa e até mesmo para financiar jornalistas opositores.

Terceiro bloco opositor

Outros partidos opositores menores, de centro-direita, que nunca apoiaram Guaidó, também estão concorrendo nestas eleições. Entre os mais destacados, estão El Cambio, do líder evangélico Javier Bertucci, a Avanzada Progresista, liderado pelo ex candidato a presidente Henri Falcón, o Copei, partido da velha oligarquia, e o Soluciones Para Venezuela, de Claudio Fermín, que já foi candidato a presidente contra Hugo Chávez, e atualmente é um dos porta-vozes da mesa de diálogo entre o governo e estes quatro partidos, todos eles de centro-direita.

A meta do partido El Cambio é ter uma bancada de pelo menos 10 deputados. Nesse momento, a agremiação não tem nenhum parlamentar eleito, mas nas últimas eleições presidenciais, de 2018, o candidato Javier Bertucci obteve uma votação expressiva e ficou em terceiro lugar. “Acredito que, dessas eleições, surgirá uma nova oposição. Porque, atualmente, a população se sente desamparada. Ademais, Guaidó cometeu muitos erros e sua estratégia fracassou”, destaca. 

“Guaidó hoje tem uma popularidade de 4% de aprovação. E mais de 74% da população não se identifica com nenhum grupo político atual. Temos muita expectativa porque vemos que temos a oportunidade de conquistar um espaço importante na política venezuelana”, diz Bertucci.

Atualmente, o partido El Cambio faz parte de uma coalizão que reúne 20 partidos pequenos e possui 137 candidatos. Há 277 vagas para e o sistema é misto: 114 deputados (52%) serão eleitos por voto proporcional, como normalmente já acontece. Já os demais parlamentares, 133 (48%), entrarão por representação proporcional nominal, mais parecido ao atual modelo brasileiro. O sistema mudou neste ano, com o objetivo de dar mais oportunidade aos partidos menores e diminuir a polarização.

Divulgação
Oposicionista Javier Bertucci em campanha: oposição tenta sair da sombra de Guaidó

Combate às sanções

Menos radical que os partidos que lideraram a oposição dos últimos anos, esse setor opositor que está em ascensão defende que as diferenças entre socialistas e liberais sejam resolvidas nas urnas. Também coincide com o governo na questão do combate às sanções econômicas aplicadas pelos Estados Unidos contra a Venezuela. Por isso, assumiram o compromisso de trabalhar juntos para tentar romper o bloqueio.

Porém, é válido lembrar que chavistas e opositores, mesmo quando se trata da direita moderada, possuem projetos políticos antagônicos. Enquanto o chavismo, movimento liderado pelo presidente Nicolás Maduro, aposta no aprofundamento da Revolução Bolivariana e do projeto socialista, a nova oposição propõe o livre mercado, salários em dólares e a privatização de empresas estatais.

Ainda tendo diferenças ideológicas profundas com o chavismo, essa oposição acredita em um diálogo frutífero com o governo para resolver problemas econômicos que possam trazer benefícios para a população venezuelana. Isso é o que defende o presidente do partido Copei, Miguel Salazar, um dos partidos mais antigos da Venezuela e que fez parte do sistema bipartidário, junto com o Ação Democrática. Governaram o país por 50 anos consecutivos, entre 1948 e 1998.

“Os deputados opositores que serão eleitos vão ajudar a resolver os problemas do país. Existe um artigo na Constituição que estabelece a colaboração entre os poderes para que possam trazer melhorias para o país”, diz o presidente do Copei.

Salazar aposta em uma terceira via política, fora da polarização entre a direita e a esquerda. “Essa é a única via possível e que pode possibilitar ao país reconciliar-se. Nem o chavismo ortodoxo, nem o extremismo de direita vão conseguir revolver sozinhos os problemas complexos que temos hoje na Venezuela. Temos que ter um ponto de convergência.” 

Miguel Salazar: "Temos que ter um ponto de convergência" (Fania Rodrigues/Opera Mundi)

Para o deputado José Brito, uma das primeiras tarefas dos parlamentares opositores para o próximo mandato é buscar uma interlocução com congressistas norte-americanos para conseguir abrir um diálogo sobre as sanções econômicas que mais afetam a Venezuela. E também construir um debate com a comunidade internacional. 

“Temos que abrir esse diálogo para que a comunidade internacional entenda que as sanções não afetam Nicolás Maduro. Afetam o povo. As sanções não derrubam presidentes e, na verdade, terminam dando um caráter épico à resistência do governo de turno”, afirma Brito.

Negociação entre governo e oposição

Desde o ano passado, o governo Maduro estabeleceu uma mesa de diálogo com cinco partidos da oposição: El Cambio, Soluciones para Venezuela, MAS, Copei e Avanzada Progresista. A principal pauta em discussão estava relacionada às condições que a oposição reivindicava para participar das eleições, o que incluía a destituição da diretoria do antigo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e a nomeação de uma nova, com a participação membros da oposição.

Depois de seis meses, os integrantes da mesa chegaram a um acordo. Com isso, o Tribunal Supremo de Justiça nomeou cinco diretores para comandar o CNE, dos quais dois vêm das filas opositoras, e dois, das chavistas. A presidente do órgão é uma ex-magistrada, com posições mais independentes. 

“Nós conseguimos garantir condições eleitorais excelentes, que nunca tivemos. Além de ter nossa reivindicação atendida no conselho diretor do CNE, também teremos um membro da oposição na Junta Nacional Eleitoral: Leonardo Morales, atual vice-presidente do CNE. Essa comissão torna-se a máxima autoridade do país no dia a eleição, com poder de mando inclusive sobre algumas instâncias militares”, explica Bertucci.

Outra novidade do novo sistema eleitoral é que, além dos técnicos do CNE, os partidos políticos terão responsabilidade compartilhada na hora da contagem oficial. As organizações políticas poderão ter seus próprios técnicos especializados credenciados para fiscalizar o envio, recebimento e processamento dos votos. “Isso dá transparência ao processo. Também vai impedir que algum partido cante fraude sem que tenha ocorrido de verdade, simplesmente por não ter gostado do resultado da eleição. Em caso de fraude, ela poderá ser documentada, dessa forma não poderão fazer uma acusação sem apresentar provas. Isso acabou”, reforçou Bertucci.

No entanto, ainda com todas essas garantias relatas pelo opositor e apesar da participação de um amplo espectro da oposição, os governos dos Estados Unidos e dos países da União Europeia anunciaram que não vão reconhecer a legitimidade das próximas eleições venezuelanas - antes mesmo de a votação ocorrer, afirmam que haverá fraude.