Quem foi Paulo Freire, citado por Lula em entrevista no Jornal Nacional

‘De vez em quando, nós precisamos conversar com os divergentes para derrotar os antagônicos’.

Quem foi Paulo Freire, citado por Lula em entrevista no Jornal Nacional

Quem foi Paulo Freire, citado por Lula em entrevista no Jornal Nacional

Petista citou uma frase do patrono da educação brasileira para explicar a aliança com Geraldo Alckmin. Freire é alvo de críticas de bolsonaristas

MD

Maria Dulce Miranda - Estado de Minas

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 (crédito: Globo / Reprodução / Fundação Darcy Ribeiro / Reprodução)

(crédito: Globo / Reprodução / Fundação Darcy Ribeiro / Reprodução)

Durante sua participação no Jornal Nacional dessa quinta-feira (25/8), Lula (PT) foi questionado sobre a polarização e a militância do partido. Ele defendeu que a polarização é natural e positiva e que não deve ser confundida com o ódio. A seguir, o ex-presidente citou Paulo Freire para justificar a aliança com Geraldo Alckmin (PSB) na chapa das eleições de outubro. Alckmin é um ex-adversário histórico de Lula. Os dois disputaram o cargo de presidente em 2006.

“Tem uma frase do Paulo Freire, que é fantástica, que eu usei para mostrar aos militantes do PT a importância da entrada de Alckmin: ‘De vez em quando, nós precisamos conversar com os divergentes para derrotar os antagônicos’. E agora nós precisamos vencer o antagonismo do fascismo da ultra-direita”, disse Lula, citando o atual presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL). 

Freire é reconhecido como patrono da educação brasileira desde 2012, com a aprovação da Lei nº 12.612.

Paulo Freire: vida dedicada à educação

Nascido em 1921, no Recife, Paulo Freire cursou direito na Faculdade de Direito da Universidade de Recife, hoje chamada de Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi durante o curso que ele teve contato com a filosofia da educação. Assim, desistiu da carreira de advogado e optou por lecionar língua portuguesa.

Freire trabalhou com o letramento de comunidades pobres. Para isso, desenvolveu um método de alfabetização para adultos que buscava a conscientização dos indivíduos. Um dos feitos do educador reconhecido pelo meio acadêmico foi ter alfabetizado um grupo de duzentos cortadores de cana-de-açúcar em apenas quarenta e cinco dias.

“A ideia central é que a educação deve ser um ato, ao mesmo tempo, do educador e do educando. É nessa relação que se pode estabelecer uma educação libertadora, problematizadora e humanizadora”, explicou Nita Freire, viúva do educador, durante uma entrevista à Rádio UFMG Educativa, em 2018.

Ela acrescentou que o pensamento freiriano acredita em uma relação dialética entre professor e aluno. “Na hora que ensina, ele está aprendendo outra vez. E o aluno, na hora que aprende, com suas perguntas, ensina o professor o que ele já sabia ou precisa saber mais ou nem sabia. Então, Paulo dizia: ‘Educar não é um ato neutro, é político’. A educação se dá de distintas formas dependendo da classe social que o estudante pertence”, afirmou.

Exílio e trabalho internacional

Pela influência dentro das comunidades nordestinas, Freire chegou a coordenar o Plano Nacional de Alfabetização, no governo João Goulart, mas foi destituído e perseguido durante a ditadura militar, quando teve que se exilar do país.

Em 16 anos de exílio, passou por Chile, Suíça, Estados Unidos e Inglaterra e difundiu sua metodologia de ensino em países africanos de colonização portuguesa, como Guiné-Bissau e Cabo Verde. Considerado inimigo da Ditadura Militar, Freire só voltou ao Brasil em 1980, com a Lei da Anistia. Em 1997, ele morreu, vítima de um ataque cardíaco.

O seu livro mais famoso, A pedagogia do oprimido, foi traduzido em mais de 40 idiomas. Na obra, Freire detalha seu método de ensino, com uma dinâmica menos vertical entre professores e alunos e a sociedade na qual se inserem.

25 anos após sua morte, Paulo Freire é o terceiro pensador mais citado no mundo em universidade da área de humanas. O dado é de um levantamento feito na plataforma Google Scholar.

Inimigo bolsonarista

Apesar de todo o reconhecimento, o presidente Jair Bolsonaro já teceu várias críticas ao pensamento freiriano. Em um momento, chegou a chamar o educador de energúmeno.

Bolsonaro também extinguiu a medalha Paulo Freire, prêmio que era concedido a educadores ou instituições que se destacavam na luta pelo fim do analfabetismo no país.

Em 2021, a Justiça do Rio de Janeiro chegou a proibir o governo federal de “praticar qualquer ato institucional atentatório à dignidade intelectual” de Freire. Nas redes sociais, o deputado federal e filho do presidente, Eduardo Bolsonaro (PL) criticou a decisão. “Educação do país de péssima qualidade e não se pode nem criticar o patrono desta bagunça? Isso não é justiça, é militância doentia”, disse.

Dois anos antes, em 2019, o deputado federal Heitor Freire (União Brasil, então no PSL) criou o Projeto de Lei 1930/19 que revoga a legislação que declara Freire patrono da educação brasileira.

Na época, ele afirmou que a escolha de Freire como patrono da educação representa a eliminação do pensamento plural nas escolas e no meio acadêmico. “O modelo freiriano de educação é celebrado pela reversão, pela indisciplina, pela insubordinação do aluno perante o professor”, criticou o deputado.

O texto ainda está em tramitação e aguarda parecer do relator da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados.