Porões e espaços de resistência: historiadora mostra os locais da ditadura no Centro de Curitiba

Porões e espaços de resistência: historiadora mostra os locais da ditadura no Centro de Curitiba

Porões e espaços de resistência: historiadora mostra os locais da ditadura no Centro de Curitiba

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Stella Castanharo mostra os locais utilizados pelas forças de repressão e pelos opositores da ditadura militar ,

20 de janeiro de 2025 / Por 3 Comentários / Vizinhança

(Foto: Matheus Freitas)

“Como pensar em um porão da ditadura em um espaço tão central?”, pergunta a historiadora Stella Castanharo na Rua Brigadeiro Franco, perto da Praça Oswaldo Cruz, uma das áreas de grande movimento no Centro de Curitiba. É o ponto em que ela inicia o trajeto guiado por locais que marcaram o período da ditadura militar (1964-1985) na cidade, até a Reitoria da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a pouco mais de 2,5 quilômetros dali.

O local escolhido para o início do percurso é onde ficava a temida “clínica Marumbi”, como ficou conhecido o centro clandestino de prisões e tortura que foi apagado do cenário da cidade. “A questão principal é essa ideia do apagamento. Isso aqui já era o Centro da cidade. A ideia de ‘porões da ditadura’ não se verifica: a lógica da ditadura é gerar medo, eles precisavam que as pessoas vissem isso”.

Stella Castanharo se prepara para defender sua tese de doutorado sobre os espaços da ditadura no Centro da cidade – dos porões aos locais de resistência. Na semana passada, o Plural acompanhou a historiadora no Trajeto Mediado da Ditadura Civil Militar em Curitiba. O trajeto é aberto ao público e mais informações podem ser obtidas pelo e-mail [email protected]

O papel de Curitiba 

Stella Castanharo explica que Curitiba era vista como um ponto estratégico no planos dos militares golpistas por ser a sede do comando da 5ª Região Militar, que inclui os estados do Paraná e de Santa Catarina. Um dos receios dos golpistas era que as tropas da 3ª Região Militar, no Rio Grande do Sul, oferecessem resistência armada ao novo regime. 

Em 1961, o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, liderara a Campanha da Legalidade, favorável à posse do presidente João Goulart. Eleito vice no ano anterior, Goulart teve a posse vetada pelos ministros militares após a renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961. Brizola mobilizou a Brigada Militar (Polícia Militar) e as emissoras de rádio do Rio Grande do Sul para exigir a posse de Jango, como João Goulart era conhecido. 

O Congresso acabou aprovando o regime parlamentarista e Jango assumiu em 7 de setembro de 1961. Em 24 de janeiro de 1963, o regime voltou a ser presidencialista. Brizola participou do comício do presidente na Central do Brasil, em 13 de março de 1964, considerado um dos estopins para o golpe militar de 31 de março e 1º de abril.

“O comando militar que ficava no Paraná funcionava como última fronteira dos militares golpistas contra os militares legalistas”, diz Stella Castanharo. “A 5ª Região Militar teve que segurar os militares do Rio Grande do Sul, por isso Paraná e Santa Catarina se tornaram um local de tensão, porque esses deslocamentos começam a acontecer. Foram enviadas para Curitiba tropas de São Paulo, dois ou três dias depois do golpe já tinha tanques na Rua XV. Era daqui que saíam as ordens, aqui ficavam os generais que controlavam a região”. 

O comando da repressão

O comando da 5ª Região Militar ficava na Praça Rui Barbosa, em pleno Centro de Curitiba. O quartel ocupava o mesmo espaço da Rua da Cidadania Matriz. No local também funcionavam a Auditoria Militar, onde eram realizados os julgamentos, e o 15º Batalhão de Caçadores. 

Criado em 1865, o quartel da Praça Rui Barbosa era o centro da repressão no Paraná e em Santa Catarina. Foto: Acervo/Arquivo Público

A área foi trocada com a prefeitura e o quartel foi demolido. As obras para a instalação da Rua da Cidadania começaram na primeira gestão de Rafael Greca na prefeitura (1993-1996) e a inauguração foi em maio de 1997.

“Era o centro da repressão. A maior parte das pessoas, quando vinha responder processo, ficava presa aqui, militares também foram presos e sofreram tortura aqui”, conta Stella Castanharo. “O quartel deixa de existir nos final dos anos 80, quando a área é trocada por um terreno com a prefeitura. No início dos anos 1990 ele é posto abaixo para virar esse mercado central e a Rua da Cidadania”. 

No quartel da Rui Barbosa eram tomadas as decisões da 5ª RM e eram feitos todos os julgamentos. “A auditoria militar era feita por quatro juízes militares e um juiz togado, que em alguns momentos foi civil. Não eram crimes militares, mas os julgamentos eram na justiça militar, o que era recorrente na ditadura”.

“Temos muitos relatos de tortura no quartel da Rui Barbosa, com pau de arara e choque elétrico. Os presos ficavam incomunicáveis, levava muito tempo para que conseguissem ter acesso a advogados”. 

Stella Castanharo, historiadora

Entre os julgamentos que ficaram conhecidos esteve o dos estudantes presos no episódio que ficou conhecido como Chácara do Alemão, em 1968. Cerca de dois meses antes, as forças de repressão haviam invadido um congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) em Ibiúna (SP), o que resultou na prisão de cerca de 900 pessoas. Em Curitiba, os estudantes decidiram dar continuidade ao congresso em uma chácara no bairro Boqueirão. A polícia invadiu o local e 42 foram presos. 

“A UNE já estava na ilegalidade e um grupo de estudantes tentou se reunir na chácara para se reorganizar. Eles nem chegaram a fazer o congresso, 42 foram presos e 15 foram condenados. Todo o processo foi feito no quartel da Rui Barbosa. Depois, eles ficaram no presídio do Ahu”, conta a pesquisadora. Sindicalistas, estudantes, filiados ao Partido Comunista Brasileiro e outros suspeitos também ficaram presos e foram julgados no quartel.

Quartel ficava no mesmo local da Rua da Cidadania Matriz. Foto: Matheus Freitas

Em 2013, o então prefeito Gustavo Fruet inaugurou um monumento no local, lembrando a existência do quartel e a resistência à ditadura. Mas não são todos que passam pela Praça Rui Barbosa que notam sua presença. “É monumento super à margem”, avalia Stella Castanharo. “Esses monumentos existem para lembrar algo, mas acabam muito mal cuidados. A grama cresce e a placa está mal cuidada, mal dá para ler”.

Monumento e placa na Praça Rui Barbosa: quase ninguém vê. Fotos: Matheus Freitas

A caçada

A perseguição aos opositores começou logo após os tanques ocuparem as ruas. Em Curitiba, há registros da depredação da sede do jornal Última Hora, por um grupos de estudantes, dias após o golpe. Criado no início da década de 1950 pelo jornalista Samuel Wainer, no Rio de Janeiro, o Última Hora manteve sucursais em outras capitais e foi o único jornal nacional de grande porte que se opôs ao golpe militar. A sede em Curitiba ficava na galeria do Edifício Asa, na Praça Osório.

Segundo Stella Castanharo, o grupo que depredou a redação integrava o que viria a ser conhecido como “comando de caça aos comunistas” (CCC) na cidade. O CCC era uma organização paramilitar de extrema direita que atuou em vários estados – em São Paulo, seu núcleo era formado por estudantes da Universidade Presbiteriana Mackenzie. No episódio mais famoso envolvendo o CCC, cerca de 100 pessoas invadiram o Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, em novembro de 1968, quando era encenada a peça “Roda Viva”, dirigida por José Celso Martinez Corrêa. Eles espancaram o elenco e pessoas da plateia, destruíram o cenário e depredaram o teatro.

Em Curitiba, o ataque ao Última Hora foi o primeiro ato de violência registrado após o golpe. “É o grupo que depois vira o CCC. Eram estudantes da Universidade Católica ou do Colégio Santa Maria. Um dos padres incitou, porque era bastante conservador”, conta Stella. A Polícia Civil teria se recusado a registrar o boletim de ocorrência, alegando que os denunciantes não tinham provas.

Os registros indicam que o berço do CCC em Curitiba foi o prédio da Rua XV de Novembro, ao lado do Teatro Guaíra, onde ficava a Universidade Católica do Paraná e o Colégio Santa Maria (hoje um campus da Universidade Positivo). “O CCC surge aqui dentro, por meio dessa articulação dos padres com os alunos. Embora o CCC fosse meio clandestino, sabemos que as pessoas pertenciam ou frequentavam esse espaço”, afirma a historiadora. 

Alguns metros adiante, na mesma quadra, fica um edifício antigo e bem conservado onde funcionava o Círculo de Estudos Bandeirantes, criado em 1929 no âmbito da Universidade Católica para promover estudos, cursos e debates. “Nesse prédio funcionava a Reitoria da Católica. Era um ambiente ainda mais conservador. Era daqui que saíam os posicionamentos para impedir alunos de estudar ou denunciar alunos e professores”.

O Edifício Asa e o Círculo de Estudos Bandeirantes. Fotos: Matheus Freitas

Além do quartel da Praça Rui Barbosa, os presos eram levados para o antigo Presídio do Ahu (atualmente Centro Judiciário de Curitiba); para a sede da Delegacia de Ordem Política e Social (Dops), no número 773 da Rua João Negrão (hoje descaracterizado, o local é ocupado por um restaurante); e para a Superintendência da Polícia Federal (PF). Inicialmente a PF ficava na esquina das ruas Visconde do Rio Branco e Carlos de Carvalho (atualmente a sede do Tribunal Regional do Trabalho). Depois, passou para o número 321 da Rua Ubaldino do Amaral (hoje a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis da UFPR). Na metade da década de 1970, passou a ser utilizada a “Clínica Marumbi” (leia abaixo).

Antiga sede da Superintendência da PF, na Rua Ubaldino do Amaral, hoje pertence à UFPR. Foto: UFPR

Barricadas na Reitoria

Dois episódios que marcaram a ditadura em Curitiba foram a batalha do Centro Politécnico e a ocupação da Reitoria da UFPR, ambas em 1968. A ideia do reitor Flávio Suplicy de Lacerda era instituir o ensino pago e a cobrança começaria no curso noturno de engenharia. Lacerda havia sido ministro da Educação entre 1964 e 1966, no governo do marechal Humberto Castelo Branco (o primeiro da ditadura), e seu projeto era transformar a UFPR em um modelo de ensino público pago.

Apesar da mobilização dos estudantes, o reitor decidiu manter o vestibular para o curso de engenharia em 1968. Armados com pedras e estilingues, os estudantes foram até o Centro Politécnico para impedir a realização do vestibular. Foram recebidos pela cavalaria da Polícia Militar. “A PM sabia que ia ter esse deslocamento. O conflito foi no campo, não no prédio do Politécnico”, diz Stella Castanharo. “Muitos foram detidos e foram levados para o quartel da PM, na Avenida Getúlio Vargas”.

A batalha da Reitoria foi no dia seguinte. “A informação era que eles se encontrariam na Praça Santos Andrade e iriam andando até o Politécnico. A polícia foi para o Politécnico, mas os estudantes foram para a Reitoria”, conta Castanharo. “Eles fizeram barricadas com paralelepípedos e se armaram com estilingues e coquetéis molotov, alguns acompanhavam o movimento da polícia a partir dos prédios vizinhos”.

A polícia utilizou bombas de gás e se preparava para invadir a Reitoria, quando dirigentes da UNE entraram em contato com o governo do estado. O governador Paulo Pimentel enviou o secretário de Segurança, José Munhoz de Melo, que negociou a desocupação. “Levaram estudantes para o palácio, negociaram e prometeram que ninguém seria preso”. Vitoriosos, os estudantes laçaram o busto de Suplicy de Lacerda e o arrastaram pelo chão. Atualmente há um busto do reitor no mesmo local, mas não há certeza sobre sua procedência.

O Edifício Dom Pedro I, na Reitoria, e o busto de Suplicy de Lacerda. Fotos: Matheus Freitas

“O busto era de outro material. E eles quebraram o nariz quando puxaram. Um dos militantes ficou com a pedra”, diz Stella Castanharo. “Sem o Suplicy de Lacerda não existia o campus da Reitoria e o Politécnico. Foi meio por mérito dele, pela articulação com o governo federal. Ele faz parte da história da universidade e ao mesmo tempo foi responsável por denunciar pessoas”. Ao lado da sala do reitor, conta a historiadora, havia um gabinete de investigação e escutas. O projeto de instituir o ensino pago foi abandonado após a ocupação da Reitoria.

A “clínica” Marumbi

Um espaço da ditadura que foi totalmente apagado da cidade é o local que ficou conhecido como “clínica Marumbi”, entre a Avenida Visconde de Guarapuava e as ruas Brigadeiro Franco, Dr. Pedrosa e Desembargador Motta. Hoje ocupada por prédios e um hotel, a área pertencia ao Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR), o quartel que funcionava na quadra ao lado, onde atualmente está o Shopping Curitiba. 

Nesse quadrilátero ficavam o estacionamento do CPOR e algumas clínicas médicas. A partir de 1975, a área se tornou um centro clandestino de prisões e torturas, como indicam depoimentos dados à Comissão Estadual da Verdade. 

“A clínica existiu de 1975 a 1979. Era um momento em que a ditadura começava a balançar, até pela crise do milagre econômico, então eles precisavam criar um fato novo”, relata Stella Castanharo. “Fizeram uma nova busca pelos militantes do Partido Comunista, que já tinha sido colocado na ilegalidade. Em São Paulo a operação ficou conhecida como Bandeirantes, em Santa Catarina como Barriga Verde e no Paraná como Marumbi. Muita gente de Apucarana, Londrina e Foz do Iguaçu ficou presa aqui”.

Os relatos à Comissão Estadual da Verdade incluem vários tipos de tortura. “De pau de arara a choque elétrico, além de coisas conhecidas como tortura do sono, que é impedir a pessoa de dormir, ou tortura da estátua, que é impedir ela de se movimentar, barulhos e água gelada, para os militares tentarem entender como o PCB estava atuando”, diz a historiadora.

Os presos faziam o trajeto entre a “clínica” e o quartel da praça Rui Barbosa encapuzados. “Militantes que sobreviveram contaram que eram encapuzados, colocados em um fusca e levados para um local desconhecido. Mas eles sabiam que era próximo do centro da auditoria militar, na Rui Barbosa. Eles faziam um trajeto muito curto. Sabemos que era nessa quadra, mas não sabemos exatamente onde”.

Também há o relato de um jornalista que servia no CPOR na época e que levava marmitas para os militares do outro lado da rua. “Ele levava ‘quentinhas’ para os militares que faziam as torturas, então ele escutava os gritos. Depois ele entendeu que aquilo era um centro clandestino de detenção e tortura”. A entrada seria pela Rua Dr. Pedrosa.

A “clínica Marumbi” e o quartel da Rui Barbosa eram os locais com as torturas mais pesadas, segundo os arquivos. “Há registros de pessoas que ficaram com sequelas como cegueira e surdez, ou que tiveram problemas mentais em função da violência. Também teve greves de fome”.

O quartel do CPOR também abrigou presos. “Há alguns relatos de tortura, mas não temos muita clareza. Muita gente ficou detida, os homens sobretudo, que às vezes demoravam para se apresentar ao Exército e ficavam presos por represália. Temos que pensar também que os próprios militares sofreram represálias, então aqui tinha celas”, afirma Stella. 

No final da década de 1970, as funções do quartel passaram a ser transferidas para o quartel do bairro Pinheirinho. Na década de 1990 a área foi vendida para a iniciativa privada e em 1996 foi inaugurado o Shopping Curitiba. A fachada do antigo quartel, característica do século 19, foi declarada como Unidade de Interesse de Preservação. 

O antigo CPOR (hoje Shopping Curitiba) e o possível local da Clínica Marumbi, na Rua Brigadeiro Franco. Fotos: Matheus Freitas

Espaços de resistência

A resistência à ditadura sobreviveu principalmente entre estudantes e sindicalistas. Que ocupavam as ruas do Centro muito mais do que hoje, em função da localização das universidades e dos sindicatos. “Nas transversais da XV de Novembro tinha muitas pensões e sindicatos, havia várias redações de jornais na região, estudantes de fora, cinemas e cervejarias. A Boca Maldita já tinha essa característica e era uma região muito visada. Um espaço de debate político até onde foi possível”.

Um dos endereços mais importantes foi o número 139 da Rua Ébano Pereira, perto da Biblioteca Pública. Hoje interditado pelo Corpo de Bombeiros, o prédio era a sede do Diretório Acadêmico Nilo Cairo (Danc), dos estudantes de medicina da UFPR. Outro local que funcionou como base e refúgio para o movimento estudantil foi o Centro Acadêmico Hugo Simas (Cahs), no número 524 da Avenida Marechal Floriano Peixoto.

A polícia e os militares nunca chegaram a invadir os diretórios acadêmicos ou a UFPR. Depois de ocuparem a Reitoria, em 1968, os estudantes que conseguiram fugir se refugiaram no Danc. O prédio marrom também serviu como gráfica – de lá saíram os primeiros panfletos da campanha pelas eleições diretas na década de 1980. Em 1984, o prefeito Maurício Fruet inaugurou um monumento na Praça Osório, feito pelo artista plástico Basso, em homenagem à campanha Diretas Já, que começou oficialmente com um comício na Boca Maldita.

Monumento na Praça Osório. Foto: Matheus Freitas

Na região ainda havia sindicatos no Edifício Asa, na Praça Zacarias e na Rua XV Novembro. Um dos prédios mais vigiados era o Edifício Santos Andrade, na praça de mesmo nome, onde funcionavam vários sindicatos de trabalhadores da área artística. 

Outros espaços de resistência no Centro foram a Biblioteca Pública e a Igreja de Nossa Senhora de Guadalupe, onde eram feitas reuniões, além dos prédios que pertenciam à UFPR – a Reitoria, o edifício histórico da Praça Santos Andrade e a antiga sede do curso de engenharia (que ficava na Rua XV, na esquina oposta ao prédio da Santos Andrade). A Rua XV se firmou como principal palco de manifestações a partir de 1972, com a construção do calçadão.

Apesar da origem do CCC na cidade, Stella Castanharo diz que grande parte dos alunos da Católica eram contrários à ditadura. “Não era como em São Paulo, que tinha os estudantes da USP versus os da Mackenzie, que eram favoráveis. No episódio da Chácara do Alemão, muitos dos envolvidos eram da Católica”. Na UFPR, uma das políticas do reitor Flávio Suplicy de Lacerda foi descentralizar os cursos. “Foi uma política da ditadura. A maior parte dos prédios foi construída durante a reitoria do Suplicy de Lacerda”.

O prédio do Danc e Stella Castanharo na frente do Edifício Santos Andrade. Fotos: Matheus Freitas

Crimes sem castigo

Stella Castanharo entrou no doutorado em 2021. Ela analisou o relatório estadual da Comissão da Verdade, documentos da Dops e 158 entrevistas, além de colher os relatos de ex-militantes. “A ideia é pensar esses lugares e essas transformações, entender essa Curitiba que tinha entre 300 mil e 400 mil habitantes”.

Para a historiadora, atualmente as ações de reparação dependem mais da Justiça do que do campo político. “A gente depende muito das leis. Essa coisa de não dar a espaços públicos o nome de pessoas da ditadura, por exemplo, foi a partir de uma determinação judicial. As Comissões da Verdade do governo Dilma foram entendidas como revanche. O filme ‘Ainda estou aqui’ traz isso à tona, qual crime é prescritível ou não, desaparecimento de corpos é? Toda vez que se tenta fazer algo nesse sentido vem uma ameaça das Forças Armadas”.

“A grande questão do Brasil é a Lei da Anistia. Os militantes cumpriram as penas, mesmo que não estivessem inseridos na lógica jurídica, porque respondiam a processos militares e não eram militares, mas ainda assim eles cumpriram. Quem não cumpriu as penas foram os militares”.

Stella Castanharo, historiadora e doutoranda

Ela conta que pessoas já interromperam o trajeto guiado para defender a ditadura. “Disseram que eu estava mentido, que o Brasil era melhor. São muitos elementos, o primeiro é um saudosismo com o passado, algo que entra no campo psicológico. Temos que publicar pesquisas sérias, trazer isso para o cotidiano. Não é colocar um ponto final e a partir de agora é outra vida. Tem que ser muito devagar, porque as pessoas estão movidas pelo ódio. Desafetos também movem”. 

“Às vezes eu me sento para conversar com o meu pai, que serviu durante a ditadura, e falo sobre tudo isso. Ele diz que não sabia de nada. Sim, a ditadura não ia falar sobre isso”.

Stella Castanharo, historiadora e doutoranda

 

 

 

 

 

 

Sobre o/a autor/a

José Marcos Lopes

Jornalista formado pela UFPR.