A direita cresce e aparece na Espanha, examina Marcelo Tognozzi
Protestos anti-esquerda ganham força. PP se mantém no governo há 20 anos Europa indica estar em transformação. Pandemia modifica cenário eleitoral
A direita cresce e aparece na Espanha, examina Marcelo Tognozzi
Protestos anti-esquerda ganham força
PP se mantém no governo há 20 anos
Europa indica estar em transformação
Pandemia modifica cenário eleitoral
Na Espanha, em 2019 e também no ano passado, o Partido Popular (PP) liderou protestos contra o governo socialista de Pedro Sanchez nas ruas de Salamanca, bairro sofisticado que está para a cidade de Madri assim como os jardins para São Paulo. Na Calle Serrano, versão espanhola da Oscar Freire, teve gente batendo panela e protestando contra o governo nas imediações da Praça Colón. A poucos quarteirões dali, na subida da Calle Genova, fica a sede do PP, partido de centro-direita apeado do poder em 2018, depois de o ex-primeiro-ministro Mariano Rajoy ser mandado de volta para a Galícia por uma moção de censura proposta pelo deputado Pedro Sanchez, então líder do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE).
A imprensa e boa parte dos madrilenhos acreditava que os protestos estimulados pelo PP e apoiado por Vox, partido de extrema direita, era um esperneio da classe média alta insatisfeita com a forma como os socialistas administravam a pandemia, forçando o isolamento social e decretando lockdown. A presidente da Comunidade de Madrid, jovem política de 42 anos, enfrentou o primeiro-ministro Pedro Sanchez e seu grupo. Ela passou mais de 1 ano sob bombardeio cerrado da esquerda representada pelos partidos Mais Madri, Podemos e o próprio PSOE. Acusaram Isabel de ser homicida e a processaram por isso. A acusaram de usar dinheiro público para pagar um apart-hotel de luxo e que se envolveu com a doação de um apartamento de uma empresa pública para sua família.
Isabel era o diabo vestido de mulher na visão dos socialistas. Ela enfrentou tudo e todos, não se cansou de repetir que o primeiro-ministro Pedro Sanchez e a esquerda queriam vencer as eleições disseminando o medo e a insegurança, argumentando ser esta uma política que acabaria com os empregos, decretaria a falência de boa parte dos setores do comércio, serviços e provocaria um colapso do setor de bares e restaurantes numa cidade onde praticamente 100% das pessoas comem na rua. É cultural. Raramente os espanhóis cozinham em casa. Muita gente começou a passar fome, tanto nos bairros centrais de Madri, entre eles Salamanca, como em outros menos conhecidos dos turistas como Chamberí, Vallecas, Ciudad Lineal, Mirasierra ou Hortaleza.
Até o fim do século passado, a Espanha era um dos países mais pobres da Europa. O país cresceu e enriqueceu. E agora os espanhóis se viram diante da dura realidade de voltar a ser pobres. É muito difícil aceitar a pobreza depois que se escapou dela, isso cala fundo. E o mesmo acontece com os brasileiros que chegaram às classes B e C e agora estão dando marcha à ré.
Em 4 de maio de 2021, quando houve a apuração da eleição, o mapa eleitoral da região de Madri foi ficando cada vez mais azul, cor do PP, até ter praticamente 100% do território tomado, com algumas manchinhas vermelhas representando nichos onde o PSOE saiu vitorioso. Há mais de 20 anos o PP está no governo e pelo visto não sairá tão cedo. Até em regiões onde os socialistas sempre reinaram absolutos, desta vez a direita venceu. Vallecas, mais ao sul, famosa pela resistência à ditadura franquista (1939-1975) e depois base da esquerda na redemocratização, caiu nos braços de Isabel Ayuso.
Existem muitas lições na eleição de Madri, a 2ª grande derrota do grupo de Pedro Sanchez em 2 anos –primeiro caiu a Andaluzia, em 2018. Mas a principal dessas lições veio da simplicidade da cozinheira Ana Martinez numa conversa com a repórter Ana del Barrio, do jornal El Mundo. Enquanto descascava batatas, resumiu: “Graças a Ayuso nós que temos família pudemos comer”. Seu restaurante faturava € 1.200 (equivalente a R$ 7.641) por fim de semana e agora não passa dos € 200 (algo como R$ 1.274). Juan José, que passeava com seu cachorro, emendou: “Este é um bairro operário e as pessoas querem trabalhar”. Nas eleições de 2019, o PP conseguiu minguados 11% em Vallecas. Nessas de 4 de maio, foram 27%, mais que o dobro, enquanto o PSOE levou 23% dos votos.
O líder do Podemos Pablo Iglesias, que comanda um partido barulhento de extrema esquerda, até abril era um dos vice-presidentes do governo espanhol. Chegou lá depois que o PSOE foi obrigado a se unir a ele para garantir a formação do governo. Agora, desmancha como um picolé num dia de verão. A esquerda com seu excesso de impostos e de tutela estatal sobre os cidadãos, passando por cima dos costumes e forçando a mão para transformar a sociedade, não conseguiu sobreviver na capital dos espanhóis.
A direita puro-sangue representada pelo Vox cresceu, passou o Podemos em votos e formará o governo junto com o PP, assim como na Andaluzia. Nas eleições de fevereiro passado na Catalunha, região tradicionalmente de esquerda e com arroubos independentistas, o Vox conseguiu a proeza de fazer 11 cadeiras do parlamento e passou a ser a 4ª força política liderada pelo deputado negro Inácio Garriga.
Há uma clara transformação em curso na Europa. A direita tem voltado a mostrar força eleitoral e gradativamente vem ganhando posições. Quem diria que os protestos da classe média alta de Salamanca iriam acabar tendo coisas em comum com os operários de Vallecas, que protestaram em silêncio dizendo não? A direita tem mostrado criatividade para se reinventar e há agora uma enorme curiosidade sobre como se sairá nas eleições da França no ano que vem. Os franceses vivem o mesmo desalento dos espanhóis, porque o governo Macron tem enfrentado a pandemia com improviso e ineficiência. Cedo ou tarde pagará o preço. Seja no Champs Elysées dos ricos de Paris ou entre os pobres de Seine-Saint-Denis, onde, em 2020, explodiram as revoltas contra o confinamento.