Como a volta de Trump aponta para um mundo mais fechado

Como a volta de Trump aponta para um mundo mais fechado
Expresso

Como a volta de Trump aponta para um mundo mais fechado

Marcelo Montanini

 

Presidente americano reforça promessas isolacionistas e protecionistas. O republicano editou decretos sobre diversos temas, da anistia aos invasores do Capitólio à saída do Acordo de Paris e da OMS

 
 

FOTO: Divulgação/Joint Congressional Committee on Inaugural Ceremonies 20.01.2025Donald Trump faz o juramento de posse na Rotunda do Capitólio

Donald Trump faz o juramento de posse na Rotunda do Capitólio

Donald Trump retornou nesta segunda-feira (20) à Casa Branca. Em seu discurso de posse, o presidente, que já havia governado os EUA de 2017 a 2020, reforçou promessas de campanha. Depois, assinou uma enxurrada de decretos, com medidas drásticas sobre imigração, política energética e uma série de outros temas.

O republicano anunciou o estímulo à produção de petróleo e retirou os EUA do Acordo de Paris. Também tirou a potência da Organização Mundial da Saúde, braço sanitário da ONU. Decretou emergência na fronteira sul. Perdoou mais de 1.500 acusados pela invasão do Capitólio. Pôs fim a políticas de diversidade no âmbito federal. Prometeu impor tarifas sobre produtos de outros países. E, cercado dos CEOs de big techs, disse que o país voltaria a privilegiar a liberdade de expressão.

Medidas representam, simbólica ou concretamente, um recrudescimento de políticas ultraconservadoras e protecionistas, que impactam outros países. Neste texto, o Nexo fala sobre o discurso de posse de Trump e sobre os primeiros decretos.

O discurso de posse

Trump fez um discurso de posse seguindo a mesma linha adotada na corrida eleitoral de 2024, com referências religiosas e slogans de campanha. Iniciou a intervenção afirmando que o declínio americano acabou e que, a partir de agora, começaria a era de ouro dos EUA.

O republicano voltou a criticar a imigração, prometeu usar as Forças Armadas nas fronteiras para acabar com “a invasão” e renovou a promessa de deportação em massa.

“A nossa soberania será recuperada, a nossa segurança será restaurada. A balança da justiça será reequilibrada. A cruel, violenta e injusta instrumentalização do Departamento de Justiça e do nosso governo terminará”, afirmou Trump.

Assine nossa newsletter diária

Gratuita, com os fatos mais importantes do dia para você

Ao lado de CEOs de big techs, o republicano falou que vai “acabar com a censura e restaurar a livre expressão”. O presidente americano defende a desregulamentação das empresas de tecnologia.

Trump voltou a afirmar que vai impor tarifas. “Iniciarei imediatamente a revisão do nosso sistema comercial para proteger os trabalhadores e as famílias americanas. Em vez de tributar os nossos cidadãos para enriquecer outros países, iremos impor tarifas e tributar países estrangeiros para enriquecer os nossos cidadãos”, disse.

O republicano não fez qualquer aceno para países aliados. Porém, afirmou novamente que quer mudar o nome do Golfo do México para Golfo da América e quer retomar o canal do Panamá, que repetiu falsamente que é controlado pela China.

“Não seremos conquistados, intimidados, e não falharemos. Daqui para frente, os EUA serão um país livre, soberano e independente. Nada estará em nosso caminho, pois somos americanos, o futuro é nosso. Nossa era de ouro começa aqui. Obrigado, e que Deus abençoe a América”, disse, no encerramento do discurso.

Promessas e decretos

Donald Trump iniciou o segundo mandato na Casa Branca editando diversos decretos, revertendo políticas do antecessor, Joe Biden, e implementando promessas de campanha.

Políticas anti-imigração

Trump decretou emergência nacional na fronteira americana com o México para lidar com a imigração — o que libera recursos e permite ações mais céleres —, enviou as forças de segurança à fronteira sul e declarou os cartéis de narcotráfico como organizações terroristas. Ele barrou a entrada de imigrantes indocumentados, a expulsão dos que estão no país e a conclusão da construção do muro.

Nos últimos quatro anos, os EUA têm lidado com aumento de imigrantes tentando entrar nos EUA pela fronteira com o México — foram 2,9 milhões de detenções em 2024, segundo o CBP, agência americana de proteção das fronteiras. Joe Biden limitou em junho de 2024 a entrada de imigrantes quando superasse 2.500 entradas por dia. O democrata também tentou aprovar um projeto para aumentar a segurança na fronteira, mas Trump articulou para barrar a aprovação no Congresso.

Trump fez sua campanha baseada numa retórica de desumanização dos imigrantes e prometendo realizar a maior deportação em massa de imigrantes indocumentados da história dos EUA. Há cerca de 11 milhões de estrangeiros sem permissão de residência no país, segundo o American Community Survey, programa de pesquisa demográfica conduzido pelo censo americano. 

Desde a campanha, a retórica do republicano despertou medo de perseguição e deportação entre imigrantes no território americano e alimentou o discurso xenófobo dentro e fora do país. Os decretos consolidam o endurecimento de medidas anti-imigração cada vez mais comum nos EUA e em países da Europa.  

Desmonte ambiental

Trump repetiu o seu primeiro mandato e retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, maior tratado global sobre o clima ao qual os EUA tinham voltado a aderir sob a administração Biden. 

O republicano também decretou emergência energética para flexibilizar restrições e ampliar a produção de petróleo e gás. Além disso, reverteu regulações e subsídios de energia limpa implementados por Biden, como um plano de investimento industrial para subsidiar a descarbonização da economia americana. 

A saída do acordo e a revogação de parte da política climática de Biden enfraquecem ainda mais as políticas ambientais e de transição energética e os acordos internacionais. “Isso pode causar uma reação em cadeia, levando outros países a sair do Acordo de Paris, o que enfraqueceria o esforço multilateral”, disse ao site G1 Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima.

Golpe no multilateralismo

Trump também retirou os Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde. Segundo o presidente, um negacionista da pandemia, a agência ligada à ONU lidou mal com a covid. E exige “pagamentos injustamente onerosos do país” em comparação a contribuições de outros países.

Com isso, ele concretizou ameaças que fazia desde a sua primeira administração, quando acusava a agência da ONU de beneficiar excessivamente a China. Os EUA contribuem com cerca de 20% do orçamento da organização, e estipularam um prazo de 12 meses para concretizar sua saída em definitivo dela.

A medida é um gesto importante contra o que trumpistas chamam de “globalismo”. O presidente é um crítico de estruturas de governança global que, ao seu entender, enfraquecem a soberania dos Estados Unidos.

Aumento do protecionismo

Trump também instruiu as agências federais a estudar as políticas comerciais e avaliar as relações comerciais dos EUA com a China e os vizinhos continentais da América. Não houve, por enquanto, o anúncio de novas tarifas.

Durante a campanha, Trump defendeu a aplicação de tarifa de 20% sobre todas as importações para os EUA e 60% sobre os produtos chineses como forma de proteger os empregos dos americanos e a indústria local.

Após eleito, o republicano anunciou tarifas de 10% sobre os produtos chineses por causa da produção dos precursores do fentanil, opióide que tem causado mortes por overdose nos EUA. O país asiático é o maior produtor desses produtos químicos. Também sobretaxou em 25% os produtos exportados do México e do Canadá por causa da entrada de imigrantes e drogas pelas fronteiras dos países para os EUA.

Os EUA e a China vivem disputas geopolíticas. Durante o primeiro mandato, o republicano impôs tarifas aos produtos chineses. Biden manteve a postura e aumentou tarifas para semicondutores, carros elétricos, produtos de aço e alumínio e painéis solares. Pequim tem se preparado para o recrudescimento das relações comerciais com os americanos.

Apesar do discurso de livre comércio, os EUA têm adotado práticas protecionistas em maior ou menor grau ao longo da sua história. A retórica de Trump, porém, quebra esse padrão ao defender abertamente a intenção sobretaxar produtos de outros países para fortalecer a indústria local. Esse movimento de proteção da indústria local em detrimento do comércio internacional tem ganhado força em diversos países.

Perdão aos trumpistas

O presidente americano concedeu perdão presidencial a quase todos os trumpistas que participaram da invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021 para impedir a certificação da vitória eleitoral de Biden. O evento deixou cinco mortos.

Ao longo dos últimos anos, o Departamento de Justiça americano acusou criminalmente cerca de 1.600 pessoas envolvidas no atentado à democracia americano por crimes de agressão, conspiração sediciosa e destruição de propriedade do governo, entre outros. Entre os anistiados por Trump, estão líderes de milícias como o Proud Boys e Oath Keepers, classificados como terroristas pela administração Biden.

A medida de Trump minimiza o peso de atos antidemocráticos e fortalece o discurso extremista. O Brasil vive uma versão da invasão do Capitólio: o 8 de janeiro de 2023, quando bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília. Políticos aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro articulam uma anistia aos envolvidos.

Desinformação liberada

Trump assinou decreto para colocar fim à censura governamental, dando maior liberdade de expressão para as redes sociais.

No primeiro mandato, Trump era crítico às big techs, às quais acusava de ser alinhadas às ideias progressistas e usarem seu domínio para reprimir visões conservadoras. O governo Biden investigou diversas gigantes da tecnologia e estimulou o Congresso a regulá-las, sem sucesso.

Os CEOs dessas empresas acabaram se alinhando a Trump na reta final da corrida eleitoral. A exceção foi Elon Musk, CEO do X, da Tesla e da SpaceX, que apoio e financiou a campanha do republicano. Ele se diz um militante antiwoke — “woke” é um termo para se referir a setores do campo progressista. Ao comprar o Twitter (que depois se tornou X), Musk acabou com a moderação de conteúdo e removeu selos de verificação, favorecendo os discursos de ódio e desinformação.

Mark Zuckerberg, CEO da Meta, anunciou uma mudança considerável na política de moderação de conteúdo das redes sociais da empresa, com um vídeo usando o argumento alinhado a Trump de defesa da liberdade de expressão. Ele afirmou também que vai trabalhar com o Trump “para resistir a governos ao redor do mundo que estão perseguindo empresas americanas e pressionando por mais censura”.

O Tiktok, de propriedade da chinesa ByteDance, saiu do ar no domingo (19), quando expirou o prazo para encontrar um comprador nos EUA, e retornou horas depois. Trump suspendeu a lei por 90 dias para que a rede social tenha mais tempo para vender ao menos 50% da sua operação para um americano.

Fim da diversidade

O presidente americano editou um decreto proclamando que o governo federal dos EUA reconhecerá apenas dois gêneros, masculino e feminino. Ele também revogou os programas de diversidade, equidade e inclusão estabelecidos pelo governo Biden.

Dessa forma, o governo deixará de repassar recursos para qualquer programas de inclusão de pessoas de gênero, raça e orientações sexuais sub-representada na sociedade, programas de segurança e de capacitação da população LGBTI+ e de procedimento de transição de gênero.

Nos últimos meses, empresas como a Walmart, Ford, John Deere, Meta, Microsoft, Amazon e Harley-Davidson já abandonaram parte de suas políticas de diversidade e inclusão.