Os desafios da Light e a insegurança dos credores: há luz no fim do túnel?

Os desafios da Light e a insegurança dos credores: há luz no fim do túnel?

Os desafios da Light e a insegurança dos credores: há luz no fim do túnel?

Empresa alega dificuldades financeiras causadas pelo cenário caótico do setor no Brasil e pelo que chama de ‘perdas não técnicas’

 

Light
Crédito: Unsplash

Recentemente, foi movida ação judicial pelo Grupo Light – aí inclusa a holding, sociedade de direito privado, controladora das subsidiárias Light SESA, concessionária de serviço público (responsável pela distribuição), Light Energia, sociedade de direito privado (geração e transmissão), e a Lajes Energia, sociedade de direito privado – objetivando a concessão de tutela provisória inibitória que visa suspender a exigibilidade das obrigações financeiras devidas pelo grupo, por prazo determinado, para que a empresa ganhe fôlego e tempo em negociações com os credores mediante instauração de processo autocompositivo mediado.

A Light, uma das maiores do segmento, alega dificuldades financeiras causadas não só pelo cenário caótico experimentado em todo o setor de energia no Brasil, mas também pelo que chama de “perdas não técnicas” – referentes a furtos, ligações clandestinas e problemas relacionados à segurança pública em geral –, bem como pelos descontos obrigatórios decorrentes da Lei 14.385/2022 – que determinou a devolução integral aos consumidores de créditos tributários decorrentes da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins.

Como há aparente interesse da empresa na renovação da concessão, a Light evita qualquer tipo de comunicação ou pretensão que diretamente possa soar como supressão do cumprimento das obrigações para com os credores, calote e afins, alegando pretender, tão somente, a suspensão da exigibilidade das obrigações para fins de sua readequação temporal.

 

Distribuída perante Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro (Capital), a possível discussão acerca da (in)competência do Juízo para processamento e julgamento de ação desta natureza, que poderia se confundir com pedido de recuperação, parece ter sido sepultada – ao menos por ora. Isso porque o Juízo não só recebeu a ação como autorizou, via liminar, a suspensão das cobranças de débitos em face da Light por 30 dias, prorrogáveis por mais um mês. Na sequência, os pedidos de suspensão da liminar feitos por um grupo de gestoras credoras da Light foram denegados por decisão em segunda instância que ressaltou a função social da empresa.

Com efeito, prevaleceu neste momento inicial o entendimento segundo o qual o objeto da ação envolveria instrumentos de dívidas e valores mobiliários, considerando-se o disposto no art. 50, I, da Lei de Organização e Divisões Judiciárias do Estado do Rio de Janeiro (Lei Estadual 6.956/2015):

Art. 50 Compete aos Juízes de Direito em matéria empresarial:
I – processar e julgar: (…)

  1. e) as ações relativas ao direito societário, especialmente:

(…) 4. quando envolvam conflitos entre titulares de valores mobiliários e a sociedade que os emitiu, ou conflitos sobre responsabilidade pessoal de acionista controlador ou dos administradores de sociedade empresarial, ou, ainda, conflitos entre diretores, membros de conselhos ou de órgãos da administração e a sociedade

Uma questão nos chama a atenção neste imbróglio: a Light SESA, concessionária de serviço público, enquanto subsidiária de maior porte junto à holding, e garantidora de grande parte das dívidas da empresa, não poderia se submeter ao procedimento de recuperação por expresso impeditivo legal. Isto é: a Lei 12.767/2012 impede que concessionárias de energia elétrica possam recorrer a tal medida, a não ser que suas concessões sejam extintas. É o que prevê o art. 18 da sobredita norma:

Art. 18. Não se aplicam às concessionárias de serviços públicos de energia elétrica os regimes de recuperação judicial e extrajudicial previstos na Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, salvo posteriormente à extinção da concessão.

Como o próprio ordenamento jurídico veda a recuperação judicial e extrajudicial de concessionárias de energia elétrica enquanto perdurar o contrato de concessão, e como a Light demonstra interesse em renovar a concessão para além de 2026, é possível concluir que a empresa (ao menos a concessionária) não pretende, ao menos neste momento inicial, recorrer ao instituto da Lei 11.101/2005 – e nem poderia fazê-lo.

Entretanto, há neste caso uma aparente contradição. Explicamos.

Em princípio, tem-se que o polo ativo da ação não engloba apenas a concessionária (Light SESA) – que é detentora da imunidade consolidada no sobredito art. 18 da Lei 12.767/2012 –, mas também as outras subsidiárias cuja natureza jurídica não impede a instauração de procedimento de recuperação judicial ou extrajudicial. Isso poderia configurar, nas palavras das gestoras que requereram a suspensão da liminar, um “cheque em branco” para a distribuidora.

Nesse sentido, não haveria garantia legal de que a holding e todas as subsidiárias poderiam evitar a recuperação, porquanto a hermenêutica do art. 18 deve ser feita de maneira restritiva ao que prevê: a inaplicabilidade do regime da Lei de Falências e Recuperação exclusivamente às concessionárias de serviços públicos de energia elétrica. E esse fato tem tirado o sono dos credores da empresa e do setor em geral.

Em síntese: a concessionária (Light SESA) não pode submeter-se ao processo de recuperação judicial, por força do art. 18 da Lei 12.767/2012, mas a mesma regra não se aplica à holding e demais subsidiárias, que estão sujeitas à incidência dos regimes previstos na Lei 11.101/2005. Esse entendimento, frise-se, foi ratificado pelo Desembargador José Carlos Paes, da 12ª Câmara de Direito Privado do TJRJ, na mesma decisão que negou os pedidos de suspensão da liminar em favor da Light.

De toda maneira, ainda que a concessionária não possa entrar com pedido de recuperação, é ela que garante grande parte das relações negociais da devedora; assim, caso o pleito de autocomposição seja malsucedido, uma alternativa que provavelmente será buscada pelo Grupo Light será acionar o pedido de recuperação em prol das demais subsidiárias, com extensão à distribuidora. Caso esse seja o caminho adotado, não será fácil nem simples a argumentação jurídica a ser desenvolvida para convencimento do julgador, e a empresa necessitará mais do que nunca do apoio técnico-jurídico de especialistas na matéria.

Em relação ao pleito de autocomposição mediada, com a concessão da liminar em favor do Grupo Light, a janela de autocomposição jaz aberta. Nesse ínterim, a dilação de prazo concedido à Light, por meio do acolhimento do pedido de tutela e instauração de procedimento de autocomposição entre as partes, constitui medida que, embora suscetível ao insucesso, pode ser tentada e incentivada à luz do sistema brasileiro de justiça multiportas (art. 3º do CPC).

Inclusive, uma informação interessante é que, em eventual pleito de recuperação judicial, as modificações feitas pela Lei 14.112/2020 junto à Lei de Falências e Recuperação (Seção II-A) permitem a autocomposição:

Art. 20-A. A conciliação e a mediação deverão ser incentivadas em qualquer grau de jurisdição, inclusive no âmbito de recursos em segundo grau de jurisdição e nos Tribunais Superiores, e não implicarão a suspensão dos prazos previstos nesta Lei, salvo se houver consenso entre as partes em sentido contrário ou determinação judicial.

E, salvo melhor juízo, poderia ser igualmente interessante, se não neste momento mas em outro mais apropriado, a condução do próprio poder público à mesa de negociação no que diz respeito à renovação e readequação do contrato de concessão; isso porque grande parte dos prejuízos sofridos pela Light decorre dos problemas sistêmicos de segurança pública no estado do Rio de Janeiro, a exemplo das perdas não técnicas originadas por furtos de luz, ligações clandestinas e ação orquestrada de organizações criminosas.

Por ora, players do setor e especialistas no tema permanecem atentos ao desenrolar dessa história – que ainda está distante de um desfecho.