Há 55 anos, guerrilheiros capturavam embaixador americano e colocavam ditadura militar de joelhos

Há 55 anos, guerrilheiros capturavam embaixador americano e colocavam ditadura militar de joelhos

HISTÓRIA DA RESISTÊNCIA

Há 55 anos, guerrilheiros capturavam embaixador americano e colocavam ditadura militar de joelhos

O embaixador Charles Burke Elbrick chega em sua residência de taxi, após ser libertado pelos revolucionários

 

Por Manoel Cyrillo de Oliveira Netto

Há exatos 55 anos, durante a ditadura de 1964, o nosso Brasil estava sendo governado por uma Junta Militar.  Isso mesmo, no melhor estilo de republiqueta latinoamericana, o Brasil era governado por 3 (três !!!) milicos, o general Lira Tavares, o almirante Rademaker e o brigadeiro Márcio Melo – três consagrados estadistas que substituíram o general Costa e Silva, o ditador de plantão.

Aqui devemos abrir um rápido parêntesis, para levantar uma interrogação: com o impedimento do general Costa e Silva, por que será que o seu “vice”, um certo Sr. Pedro Aleixo, não assumiu a “Presidência da República”?

Parêntesis fechado, a gloriosa Junta Militar seguia no seu desgoverno, preparando e organizando o 7 de Setembro, não o do Bolsonaro, mas a festa nacional!

Foi quando aconteceu algo absolutamente imprevisto: dois grupos guerrilheiros (a ALN – Ação Libertadora Nacional e o MR-8 – Movimento Revolucionário 8 de Outubro), em ação conjunta, capturaram o embaixador norte-americano, o Sr. Charles Burke Elbrick. E, para a libertação do embaixador, faziam duas exigências: a soltura de 15 presos políticos detidos pela ditadura e a publicação ou leitura (em todos os jornais, TVs e rádios do país) do manifesto assinado por aqueles grupos que executavam a ação.

Vexame total! Até aquela data, a ditadura insistia em dizer que não havia presos políticos no Brasil e, de repente,  foi forçada a libertar 15 deles… Mas, pior, teria que romper com a sua própria censura e dar voz -em alto e bom som- à guerrilha.

E a ditadura se curvou totalmente. O manifesto foi lido, na íntegra, nas TVs e rádios do país e impresso em todos os jornais.

Somente quando todo o país (com a alma lavada e em clima de festa) e todo o restante do mundo, acompanharam pela TV o desembarque na Cidade do México dos 15 ex-presos políticos brasileiros, em total e absoluta liberdade, o Sr. Charles Burke Elbrick foi libertado. Com isso, a troca de prisioneiros também se efetivara.

Vitória da Resistência!

Para este artigo, resta uma questão semântica: afinal, o ocorrido naqueles idos de 1969 foi um rapto ou um sequestro ou uma captura?

O próprio manifesto da ação, assinado pela ALN e pelo MR-8, falava em “rapto”; alguns órgãos de imprensa também chegaram a noticiar “o rapto do embaixador norte-americano”, porém o filólogo Antônio Houaiss rapidamente esclareceu a questão, dizendo que rapto sempre tem o cunho libidinoso… e citou como exemplo o lendário Rapto das Sabinas.

Já a ditadura, claro, disse que a ação foi um sequestro. Por que ela usou essa palavra? Porque sequestro é crime, ora!

Porém, naquele ato de resistência política, nenhum crime foi cometido, tanto a guerrilha, como os guerrilheiros não cometeram crime algum.

Assim, prevalece o termo captura (e isso não só por uma questão semântica mas, também, política!).

Hoje, 4 de setembro de 2024, comemoramos os 55 anos da Captura do Embaixador dos Estados Unidos, nação que, em 1964,  mandou a sua IV Frota para dar suporte e respaldo militar aos seus golpistas brasileiros.

Manoel Cyrillo de Oliveira Netto é publicitário, resistiu à ditadura militar, foi guerrilheiro urbano da ALN (Ação Libertadora Nacional), participou de várias ações armadas, entre elas a da captura do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick. Preso político, permaneceu encarcerado por 10 anos. Fora da prisão, ganhou a medalha de ouro com a peça publicitária Çuikiri no 37th New York Festivals Advertising Awards, o Festival Internacional de Propaganda de Nova York, e foi recebê-la nos Estados Unidos em 1992.

 

Confira a seguir o manifesto da ação lido, como exigência da ALN e do MR-8, em todas as TVs e rádios e publicado nos jornais. O texto foi redigido pelos jornalistas Franklin Martins e Joaquim Câmara Ferreira, o Toledo, comissário político da operação, que aliás completaria 111 anos neste 5 de setembro.

“Grupos revolucionários detiveram hoje o Sr. Charles Burke Elbrick, embaixador dos Estados Unidos, levando-o para algum lugar do país, onde o mantêm preso. Este ato não é um episódio isolado. Ele se soma aos inúmeros atos revolucionários já levados a cabo: assaltos a bancos, nos quais se arrecadam fundos para a revolução, tomando de volta o que os banqueiros tomam do povo e de seus empregados; ocupação de quartéis e delegacias, onde se conseguem armas e munições para a luta pela derrubada da ditadura; invasões de presídios, quando se libertam revolucionários, para devolvê-los à luta do povo; explosões de prédios que simbolizam a opressão; e o justiçamento de carrascos e torturadores.

Na verdade, o rapto do embaixador é apenas mais um ato da guerra revolucionária, que avança a cada dia e que ainda este ano iniciará sua etapa de guerrilha rural.

Com o rapto do embaixador, queremos mostrar que é possível vencer a ditadura e a exploração, se nos armarmos e nos organizarmos. Apareceremos onde o inimigo menos nos espera e desapareceremos em seguida, desgastando a ditadura, levando o terror e o medo para os exploradores, a esperança e a certeza de vitória para o meio dos explorados.

O sr. Burke Elbrick representa em nosso país os interesses do imperialismo, que, aliado aos grandes patrões, aos grandes fazendeiros e aos grandes banqueiros nacionais, mantêm o regime de opressão e exploração.

Os interesses desses consórcios, de se enriquecerem cada vez mais, criaram e mantêm o arrocho salarial, a estrutura agrária injusta e a repressão institucionalizada. Portanto, o rapto do embaixador é uma advertência clara de que o povo brasileiro não lhes dará descanso e a todo momento fará desabar sobre eles o peso de sua luta. Saibam todos que esta é uma luta sem tréguas, uma luta longa e dura, que não termina com a troca de um ou outro general no poder, mas que só acaba com o fim do regime dos grandes exploradores e com a constituição de um governo que liberte os trabalhadores de todo o país da situação em que se encontram.

Estamos na Semana da Independência. O povo e a ditadura comemoram de maneiras diferentes. A ditadura promove festas, paradas e desfiles, solta fogos de artifício e prega cartazes. Com isso ela não quer comemorar coisa nenhuma; quer jogar areia nos olhos dos explorados, instalando uma falsa alegria com o objetivo de esconder a vida de miséria, exploração e repressão que vivemos. Pode-se tapar o sol com a peneira? Pode-se esconder do povo a sua miséria, quando ele a sente na carne?

Na Semana da Independência, há duas comemorações: a da elite e a do povo, a dos que promovem paradas e a dos que raptam o embaixador, símbolo da exploração.

A vida e a morte do sr. Embaixador estão nas mãos da ditadura. Se ela atender a duas exigências, o sr. Elbrick será libertado. Caso contrário, seremos obrigados a cumprir a justiça revolucionária. Nossas duas exigências são:

a) A libertação de 15 prisioneiros políticos. São 15 revolucionários entre milhares que sofrem torturas nas prisões-quartéis de todo o país, que são espancados, seviciados, e que amargam as humilhações impostas pelos militares. Não estamos exigindo o impossível. Não estamos exigindo a restituição da vida de inúmeros combatentes assassinados nas prisões. Esses não serão libertados, é lógico. Serão vingados, um dia. Exigimos apenas a libertação desses 15 homens, líderes da luta contra a ditadura. Cada um deles vale cem embaixadores, do ponto de vista do povo. Mas um embaixador dos Estados Unidos também vale muito, do ponto de vista da ditadura e da exploração.

b) A publicação e leitura desta mensagem, na íntegra, nos principais jornais, rádios e televisões de todo o país.

Os 15 prisioneiros políticos devem ser conduzidos em avião especial até um país determinado – Argélia, Chile ou México -, onde lhes seja concedido asilo político. Contra eles não devem ser tentadas quaisquer represálias, sob pena de retaliação.

A ditadura tem 48 horas para responder publicamente se aceita ou rejeita nossa proposta. Se a resposta for positiva, divulgaremos a lista dos 15 líderes revolucionários e esperaremos 24 horas por seu transporte para um país seguro. Se a resposta for negativa, ou se não houver resposta nesse prazo, o sr. Burke Elbrick será justiçado. Os 15 companheiros devem ser libertados, estejam ou não condenados: esta é uma “situação excepcional”. Nas “situações excepcionais”, os juristas da ditadura sempre arranjam uma fórmula para resolver as coisas, como se viu recentemente, na subida da Junta Militar.
As conversações só serão iniciadas a partir de declarações públicas e oficiais da ditadura de que atenderá às exigências. O método será sempre público por parte das autoridades e sempre imprevisto por nossa parte. Queremos lembrar que os prazos são improrrogáveis e que não vacilaremos em cumprir nossas promessas.

Finalmente, queremos advertir aqueles que torturam, espancam e matam nossos companheiros: não vamos aceitar a continuação dessa prática odiosa. Estamos dando o último aviso. Quem prosseguir torturando, espancando e matando ponha as barbas de molho. Agora é olho por olho, dente por dente.

Ação Libertadora Nacional (ALN)
Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8).”