Atenção, eleitor: ACM Neto se declarar pardo é oportunismo afroconveniente

Não deu nem tempo de comemorar os dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que mostravam um crescimento das candidaturas de negros para as eleições deste ano.

Atenção, eleitor: ACM Neto se declarar pardo é oportunismo afroconveniente

André Santana

ANDRÉ SANTANA

OPINIÃO

Atenção, eleitor: ACM Neto se declarar pardo é oportunismo afroconveniente

ACM Neto, candidato ao governo da Bahia  - UOL

ACM Neto, candidato ao governo da BahiaImagem: UOL

 

Não deu nem tempo de comemorar os dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que mostravam um crescimento das candidaturas de negros para as eleições deste ano.

Logo foi surgindo a triste notícia da existência dos "afroconvenientes", políticos que se declaram pretos ou pardos por puro oportunismo eleitoral. Em vez de representar um aumento na representatividade e diversidade entre os que ocupam cargos políticos, há a manutenção de grupos de poder.

 

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De olho no fundo eleitoral ou em busca de algum tipo de identificação com o eleitorado, privilegiados representantes das elites brasileiras se declararam negros no registro das candidaturas no TSE.

É o caso da dupla que disputa o cargo de governador e vice-governadora da Bahia, ACM Neto (União Brasil) e Ana Coelho (Republicanos). Ambos se autodeclararam pardos ao TSE.

O ex-prefeito de Salvador é neto e herdeiro político de Antônio Carlos Magalhães, figura de destaque na política nacional por décadas. A família de ACM Neto também herdou a Rede Bahia, maior grupo de comunicação do estado, que reúne jornal impresso, emissoras de rádio e a TV Bahia, afiliada da Rede Globo.

Já Ana Coelho é sobrinha de Nilo Coelho, que governou a Bahia entre 1989 e 1991, além de exercer mandatos como deputado e prefeito da cidade de Guanambi. Estreando na política, Ana Coelho é empresária e está à frente da TV Aratu, afiliada do SBT na Bahia.

O curioso é que a indicação de Ana Coelho é atribuída ao deputado federal Márcio Marinho (Republicanos), bispo da Universal —igreja que controla a Rede Record e, na Bahia, a TV Itapoan e a Rádio Sociedade.

Ou seja, a chapa dos herdeiros ACM Neto e Ana Coelho representa o poder econômico e midiático da Bahia. A dupla declarou ao TSE pouco mais de R$ 68 milhões em bens (R$ 41,7 milhões de Neto e R$ 26,5 milhões de Ana Coelho).

Uma realidade financeira bem distante dos pardos brasileiros —maioria entre os pobres e miseráveis do país— que são sub-representados na política.

Mesmo com tantos recursos próprios, a campanha da dupla pode se beneficiar da cota racial do fundo eleitoral.

Vale lembrar que ACM Neto foi presidente do Democratas e um dos líderes da fusão do partido com o PSL (pelo qual Bolsonaro foi eleito em 2018), gerando o União Brasil. Em 2009, o DEM ajuizou uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) contra cotas raciais para ingresso no ensino superior. A ação gerou um debate nacional e resultou na aprovação pelo STF, por unanimidade, da constitucionalidade das ações afirmativas.

Número de candidatos negros é superior ao de brancos

As eleições deste ano terão um número superior de candidatos negros (autodeclarados pretos e pardos) em relação aos postulantes brancos.

Essa é a primeira vez, desde que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) passou a incluir dados relativos à raça no registro das candidaturas, que o número de negros é maior que o de brancos no pleito eleitoral.

A soma daqueles que se autodeclararam pretos e pardos chegou a 49,49% dos candidatos.

Aumentou também o número de pretos na disputa: serão ao todo 3.919 candidatos que se consideram pretos entre os mais de 28 mil brasileiros que se registraram para a disputa dos cargos de presidente, governador, senador e deputados federal, estadual e distrital.

À primeira vista, esses números parecem atender de uma só vez a duas lutas históricas dos movimentos negros.

Por um lado, a autoafirmação racial e a consciência de pertencimento das pessoas pretas e pardas ao grupo historicamente discriminado pela sociedade e apartado dos direitos. Além disso, um maior número de representantes desta comunidade na disputa por espaços de poder e decisões que podem reverter essa situação de desigualdades raciais por meio da aprovação de políticas públicas antirracistas.

Assumir-se como negro, afirmando sua identidade racial e seu pertencimento a esse grupo socialmente discriminado sempre, foi um dos objetivos de campanhas de conscientização racial promovidas por entidades negras, utilizando narrativas positivas sobre a história dos africanos e seus descendentes no Brasil e em países da diáspora, para gerar motivos de identificação e de orgulho entre pretos e pardos.

Essas ações conseguiram contrariar a representação negativa encontrada nos meios de comunicação, na literatura e nos livros didáticos, que afastavam os negros do interesse pela sua própria história.

O resultado é que a autodeclaração dos negros é cada vez maior nas pesquisas, como atesta o IBGE. De acordo com o último levantamento do órgão divulgado em julho, em dez anos, aumentou 32% o número de brasileiros que se declaram pretos e quase 11% os que se declaram pardos. Com isso, os negros já somam 56,1% da população do país.

Mas não é bem assim que a democracia brasileira caminha quando a questão é combater o racismo e gerar oportunidades para as pessoas negras.

Oportunistas de olho no fundo eleitoral

Entre os declarados pretos ou pardos, estão figuras que passam longe das dificuldades impostas pela estrutura racial brasileira. Ao contrário disso, alguns buscam se beneficiar, já que, nos últimos anos, foram criadas leis para incentivar a candidaturas de pessoas negras.

Em 2020, o STF determinou que os partidos devem distribuir os recursos do fundo partidário e o tempo na propaganda eleitoral gratuita de forma proporcional à quantidade de candidatos negros e brancos.

Já o Congresso aprovou em 2021 uma medida para aumentar a quantidade de verba para partidos com candidatos negros que obtenham mais votos na disputa para uma vaga de deputado. Os votos em candidaturas negras passam a contar em dobro na distribuição do Fundo Partidário e do fundo eleitoral.

Daí o inesperado interesse de muitos políticos e partidos por esses "afroconvenientes", como denominou o candidato ao governo da Bahia, Kleber Rosa (PSOL), referindo-se à chapa dos herdeiros ACM Neto e Ana Coelho.

Ao eleitor, cabe atenção. Não basta os candidatos se afirmarem negros. É preciso conhecer a história deles antes de decidir entre manter estruturas de poder (sejam políticas, econômicas, midiáticas) ou dar o voto no sentido de ampliar a diversidade e a representatividade na política, algo fundamental para o fortalecimento da democracia.

Iniciativas como o Quilombo no Parlamento, promovida pela Coalizão Negra por Direitos, têm o objetivo fortalecer as candidaturas de pessoas negras nas eleições.

Ao todo foram apresentadas mais de cem candidaturas de pessoas ligadas ao movimento negro que concorrerão a vagas no Congresso Nacional e nas assembleias legislativas.

Para quem tem interesse em um voto antirracista e de mandatos que possam alterar a realidade de racismo e desigualdades estruturais no Brasil, vale muito a pena conhecer essas candidaturas