“Não tenho outros compromissos senão com o povo”, disse Jango, em 1953, na posse como ministro do Trabalho

“Meus objetivos são claros e definidos, resumindo-se na conquista de uma ordem social mais justa, sem a mínima quebra das nossas tradições democráticas”, declarava João Goulart após ser nomeado, em 18 de junho de 1953, como ministro dos Negócios do Trabalho, Indústria e Comércio no governo do presidente, Getúlio Vargas. Com apenas 35 anos, o trabalhista mostrou experiência e comprometimento para fazer história na pasta e, assim, impulsionar sua carreira meteórica até a cadeira de presidente do Brasil.

“Não tenho outros compromissos senão com o povo”, disse Jango, em 1953, na posse como ministro do Trabalho
Foto: CPDOC/FGV À frente da pasta por oito meses, Jango, o trabalhista que fortaleceu o diálogo com a base e o caminho para conquistas históricas

Denominado ‘ministro dos trabalhadores’, sua presença representava o espaço para diálogo entre a massa, incluindo os sindicatos, e os empregadores, bem como o caminho para o surgimento de novas conquistas, como o aumento de 100% do salário mínimo, proposto na sua gestão – com oito meses, foi exonerado no dia 22 de fevereiro de 1954 – e anunciado, posteriormente, no dia 1˚ de maio de 1954 pelo presidente.

No pronunciamento, disponibilizado a partir dos acervos do Centro de Memória Trabalhista (CMT) e da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, Jango enaltece a confiança assegurada por Vargas diante do compromisso que transformaria sua vida.

“Ao assumir a gestão da pasta do Trabalho, atendendo ao honroso convite do chefe do governo, quero que minhas primeiras palavras sejam ardente mensagem de confiança e de solidariedade aos trabalhadores de todo o país”, com estas palavras, Jango abriu o seu discurso de posse que marcaria sua ascensão política até a presidência da República, quando empossado no dia 7 de setembro de 1961, após a renúncia do presidente, Jânio Quadros e a mobilização realizada por Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, com a Cadeia da Legalidade, para garantir sua transição de vice para o posto principal.

Goulart fez questão de ratificar, desde a cerimônia realizada no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, então capital da República, seu vínculo popular e compromisso com as premissas do trabalhismo.

“Não tenho outros compromissos senão com o povo, no mais amplo sentido da expressão, e especialmente com o proletariado, em cujo seio tenho orgulho de contar com inúmeras e sinceras amizades”, enalteceu Jango, ao completar: “Pertenço a um partido político (PTB) cujo programa se assenta na defesa dos interesses dos trabalhadores através do sistema de perfeito entendimento com as classes patronais, tendo como finalidade principal o bem-estar de todos e o progresso da Nação. Não poderia, pois, à frente do Ministério do Trabalho, sob pena de trair minha própria formação doutrinária, deixar de seguir as inspirações desse programa e das suas diretrizes fundamentais sem, no entanto, perder de vista enormes responsabilidades das horas difíceis que atravessamos.”

Na valorização da organização dos trabalhadores, o novo ministro vincula os sindicatos, com liberdade e protagonismo, como ferramenta essencial de projeção dos anseios traduzidos pela mão de obra nas bases industrial e rural da época.

“Todos os nossos esforços resultarão inúteis, todavia, se não houver arregimentação imediata do proletariado através das células vivas e palpitantes do seu organismo – que são os sindicatos. Somente eles, com efeito, podem oferecer aos trabalhadores os meios legais efetivos para a defesa dos seus interesses econômicos ou profissionais. Necessário se torna, pois, robustecer as entidades classistas, assegurando-lhes independência e autonomia, de maneira a transformá-las, de fato, num instrumento de expressão da vontade daqueles que constroem, com seu amor, a grandeza nacional”, pontuou, ao criticar os denominados “falsos líderes e aos profissionais do sindicalismo”.

Sobre a ligação entre capital e trabalho, Jango pondera que o mercado ganharia com a integração entre todos os elos envolvidos diante de um sentimento, segundo ele, de “patriotismo e solidariedade”.

“Todos nós temos responsabilidades na preservação e no aperfeiçoamento do sistema que rege as boas relações entre capital e trabalho – único caminho que conduz ao clima de paz e de concórdia sem o qual jamais chegaremos àquela sociedade sem ódios ou injustiças que o povo brasileiro almeja. Tenho absoluta certeza, porém, de que as forças da produção, cujo patriotismo tão bem conhecemos, não me faltarão com o melhor de sua solidariedade e de seu efetivo apoio”, afirmou.

No encerramento, fez questão de também citar a necessária parceria com os demais elos do Executivo, bem como com os parlamentares, na busca do progresso e da “unidade nacional”.

“É um conforto e um estímulo saber que não estamos sós – ministro, patrões e empregados – na elevada missão de trabalhar por um Brasil mais forte e mais feliz. Ao nosso lado, na mesma trincheira, está também o Congresso Nacional, cujos membros tantas e tantas demonstrações vêm dando de coragem e de civismo; estão as gloriosas forças armadas, vigilantes na nobre missão de garantir a perenidade das instituições e a unidade nacional; está o povo em geral; está a valorosa equipe de funcionários do Ministério; estão, enfim, todos os homens de boa vontade que realmente desejam a paz social e o engrandecimento da Nação”, concluiu.

Confira o discurso, na íntegra:

“Ao assumir a gestão da pasta do Trabalho, atendendo ao honroso convite do chefe do governo, quero que minhas primeiras palavras sejam ardente mensagem de confiança e de solidariedade aos trabalhadores de todo o país. Homem simples que sou, pouco afeito às injunções protocolares, eu talvez fuja à praxe que rege solenidades como esta, ao proclamar que ascendo ao posto inteiramente à vontade. Isto porque, não tenho outros compromissos senão com o povo, no mais amplo sentido da expressão, e especialmente com o proletariado, em cujo seio tenho orgulho de contar com inúmeras e sinceras amizades.

Embora fosse meu desejo, reconheço que seria exaustivo, nesta oportunidade, dizer detalhadamente dos propósitos que me animam no cumprimento da investidura com que fui distinguido pelo eminente presidente Getúlio Vargas. Limito-me a ressaltar que pertenço a um partido político cujo programa se assenta na defesa dos interesses dos trabalhadores através do sistema de perfeito entendimento com as classes patronais, tendo como finalidade principal o bem-estar de todos e o progresso da Nação. Não poderia, pois, à frente do Ministério do Trabalho, sob pena de trair minha própria formação doutrinária, deixar de seguir as inspirações desse programa e das suas diretrizes fundamentais sem, no entanto, perder de vista enormes responsabilidades das horas difíceis que atravessamos.

Meus senhores, despido de cargo ou da ambição do poder, meus objetivos são claros e definidos, resumindo-se na conquista de uma ordem social mais justa, sem a mínima quebra das nossas tradições democráticas. Não trago para o Ministério um programa de inquietações – como pretendem alguns setores políticos – e nem prometo solucionar milagrosamente os inúmeros problemas dos trabalhadores. Todos sabem, de resto, que esses problemas são consequência da realidade econômica que, no Brasil de hoje, se apresenta particularmente difícil às classes proletárias. Daí porque uma das minhas principais preocupações será fazer com que este Ministério, na ação conjunta com os demais órgãos da administração pública, empenhe todos os seus recursos técnicos e humanos, no esforço comum de superar as causas desse desajustamento – que pode ser apontado como fonte de profundos desequilíbrios, notadamente nos orçamentos domésticos dos trabalhadores.

O sistema de governo vigente no país, consubstanciado na Constituição da República, assegura a todos, sem qualquer distinção, o direito a uma vida decente, confortável, que não deve, não pode ser privilégio de alguns. Não necessitam os trabalhadores, portanto, na luta pela vitória de suas legítimas reivindicações, de recorrer a meios ilícitos ou a soluções extremas preconizadas por doutrinas exóticas. E nessa conquista ordeira do lugar a que realmente têm direito na sociedade, os trabalhadores poderão contar, sempre, com o seu Ministério, pois tudo farei para que não fiquem relegados à triste condição de simples emblema demagógico e nem de conteúdo reacionário.

Ao ser designado para as funções que ora assumo, sabia tratar-se de um posto de sacrifício. Mas devo dizer que não me atemoriza a onda de explorações que minha investidura vem despertando em determinados círculos políticos, aos quais responderei muito mais com atos do que com palavras. Meus propósitos, quer políticos ou administrativos, jamais se afastarão dos sagrados princípios da fidelidade às leis, aos postulados democráticos que sempre nortearam a minha vida pública. Todos os nossos esforços resultarão inúteis, todavia, se não houver arregimentação imediata do proletariado através das células vivas e palpitantes do seu organismo – que são os sindicatos. Somente eles, com efeito, podem oferecer aos trabalhadores os meios legais efetivos para a defesa dos seus interesses econômicos ou profissionais. Necessário se torna, pois, robustecer as entidades classistas, assegurando-lhes independência e autonomia, de maneira a transformá-las, de fato, num instrumento de expressão da vontade daqueles que constroem, com seu amor, a grandeza nacional.

A propósito quero declarar – e o faço alto e bom som – que as portas do Ministério do Trabalho serão fechadas a falsos líderes e aos profissionais do sindicalismo, permanecendo abertas, de par em par, no entanto, a todos aqueles que representam os interesses legítimos, sejam eles empregados ou patrões. É meu desejo, ainda, dispensar atenção especial à aplicação dos dinheiros dos trabalhadores. As parcelas que eles pagam, com os proventos de sua labuta diária, só poderão ser investidas em empreendimentos que, efetivamente, venham ao encontro dos interesses das classes, criando-lhes melhores condições de vida, conforme determinam as leis. E nesse particular, peço a cooperação direta dos sindicatos, pois não permitirei – custe o que custar – que um centavo sequer das contribuições que representam o sacrifício dos trabalhadores seja desviado para outros fins que não em seu próprio benefício. Reputo ainda, imprescindível, essa cooperação na parte referente à fiscalização das leis que regulamentam os direitos e os deveres do proletariado em geral.

Meus senhores, eu não cometeria a leviandade de supor desde já assegurado o êxito do programa que pretendo realizar no Ministério do Trabalho sob inspiração das diretrizes que desde 1930 vem norteando a ação do preclaro presidente Getúlio Vargas. O desempenho de minha missão dependerá menos dos meus esforços do que do apoio que receber não somente dos trabalhadores, mas, também, das classes patronais. Todos nós temos responsabilidades na preservação e no aperfeiçoamento do sistema que rege as boas relações entre capital e trabalho – único caminho que conduz ao clima de paz e de concórdia sem o qual jamais chegaremos àquela sociedade sem ódios ou injustiças que o povo brasileiro almeja. Tenho absoluta certeza, porém, de que as forças da produção, cujo patriotismo tão bem conhecemos, não me faltarão com o melhor de sua solidariedade e de seu efetivo apoio. Dessa maneira, com a colaboração e a boa vontade de todos, não pouparei esforços para corresponder, no Ministério, à confiança do governo e às esperanças dos trabalhadores.

É um conforto e um estímulo saber que não estamos sós – ministro, patrões e empregados – na elevada missão de trabalhar por um Brasil mais forte e mais feliz. Ao nosso lado, na mesma trincheira, está também o Congresso Nacional, cujos membros tantas e tantas demonstrações vêm dando de coragem e de civismo; estão as gloriosas forças armadas, vigilantes na nobre missão de garantir a perenidade das instituições e a unidade nacional; está o povo em geral; está a valorosa equipe de funcionários do Ministério; estão, enfim, todos os homens de boa vontade que realmente desejam a paz social e o engrandecimento da Nação. E é justamente por isso, pela certeza de que conto com o apoio das correntes mais vivas na representação da nacionalidade, que assumo com orgulho e tranquilidade de consciência a investidura que me foi conferida pelo digno chefe da Nação.

Senhor Segadas Viana, ao receber de suas mãos e o cargo de Ministro dos Negócios do Trabalho, Indústria e Comércio, quero dizer, antes de mais nada, que sou testemunha de quanto o valoroso correligionário vem batalhando pela causa do bem-estar social do país. Na direção do Ministério foi, de fato, inestimável a ação desenvolvida pelo amigo, com a colaboração que considero imprescindível de todos os servidores aqui lotados, sem qualquer distinção hierárquica. Tornou-se o digno companheiro, desse modo, credor do respeito de todos, pois soube, mais uma vez, reafirmar seu extremado amor à causa pública e ao Brasil.”

Por Bruno Ribeiro/FLB-AP