Antes tarde do que nunca: o debate sobre a mudança do sistema de governo

Tão antigo quanto o próprio Estado brasileiro é o debate quanto ao melhor sistema de governo para o nosso país.

Antes tarde do que nunca: o debate sobre a mudança do sistema de governo

Antes tarde do que nunca: o debate sobre a mudança do sistema de governo

Por Luís Gustavo F. Guimarães

 

 

Tão antigo quanto o próprio Estado brasileiro é o debate quanto ao melhor sistema de governo para o nosso país.

A velha disputa política entre presidencialistas e parlamentaristas permeou absolutamente todas as Assembleias Constituintes de nossa história republicana, e o presidencialismo acabou prevalecendo em todas elas, tendo sido previsto tanto nas Constituições democráticas de 1891, 1934, 1946 e 1988 quanto nas Constituições autoritárias de 1937 e 1967.

Desde a proclamação da República, o Brasil experimentou apenas um curto período de parlamentarismo, entre 1961 e 1963, mas não como tentativa de se aprimorar o nosso sistema de governo, e, sim, para estancar uma gravíssima crise institucional decorrente da renúncia de Jânio Quadros e da posse de João Goulart.

Não é justo, portanto, dizer que o Brasil já vivenciou, de fato, o sistema de governo parlamentarista e que este não teria dado certo no país. A curta experiência do início dos anos 60 serve mais para contextualizar o período turbulento vivido no país, que culminou com o golpe de 1964.

De lá pra cá, o país realizou dois plebiscitos para consultar a população a respeito do sistema de governo. O primeiro, em 1963, patrocinado pelo presidente João Goulart, serviu para interromper a experiência parlamentarista e devolver ao presidente todos os poderes que perdera antes de sua tumultuada posse.

O segundo, em 1993, foi decorrente de uma determinação da Constituição de 1988, e buscava dar ao regime proposto pela Constituinte de 1987-88 o verniz democrático.

Não se questiona aqui a legitimidade do resultado, em que a ampla maioria da população posicionou-se a favor do presidencialismo. O que se busca, entretanto, é reforçar que aquele plebiscito não encerra o necessário debate quanto ao melhor sistema de governo para o país.

Para tanto, basta que se esclareça que as instituições políticas não são estáticas e estão em constante processo de sedimentação. Nesse sentido, cumpre à sociedade brasileira — diretamente e através de seus representantes eleitos — periodicamente revisitar a sua engenharia institucional para, de forma crítica, avaliar a qualidade da nossa democracia e a funcionalidade do nosso sistema político.

33 anos após a redemocratização e quase 30 anos após o plebiscito de 1993, não há qualquer impeditivo jurídico ou político que interdite o necessário debate sobre o melhor sistema de governo para o Brasil.

Outros países com história recente de rupturas democráticas, como Portugal, por exemplo, passaram, anos após suas redemocratizações, por uma série de revisões constitucionais, com o intuito de lapidar os alicerces de suas instituições, e nem por isso foram acusados de casuísmo político.

Quando se olha no retrovisor da história recente do Brasil, verifica-se, sem dúvidas, enormes avanços após a redemocratização, como a realização de eleições livres e democráticas, efetiva alternância de poder, e um sistema de freios e contrapesos constantemente colocado à prova, com conhecidos embates entre os poderes constituídos, todos resolvidos dentro da quadra devidamente estabelecida pela Constituição.

Ao mesmo tempo, constatamos que a relação entre Executivo e Legislativo alternou-se como um pêndulo, nessas décadas, entre períodos de subserviência do Congresso em relação ao governo de plantão, degenerando o presidencialismo de coalizão ao de cooptação, ou períodos de paralisia decisória, decorrentes de crises políticas nessas coalizões, que, levadas ao extremo, fizeram com que que dois dos cinco presidentes eleitos no período após a redemocratização fossem depostos por meio de impeachment — um remédio institucional que não pode ser confundido com o voto de desconfiança de regimes parlamentaristas e nem utilizado casuisticamente para depor presidentes minoritários.

Dado esse diagnóstico do desempenho recente do presidencialismo no Brasil, parece bastante equivocado dizer que tal sistema de governo deu totalmente certo no país e que qualquer discussão a respeito de sua reformulação, ou até mesmo superação, seja casuísmo político.

Retomando por onde começamos, as instituições políticas são baseadas em relações humanas e, como tal, estão em constante processo de sedimentação. Monitorá-las, analisá-las, criticá-las e pensar em formas de repará-las é dever de todos e um mandamento da própria cidadania.

É por isso que é tão simbólico ver ex-presidentes da República, como José Sarney — um dos principais responsáveis pela manutenção do presidencialismo na Constituinte de 1987-88 —, fazendo o mea culpa e reconhecendo a necessidade de substituição do sistema presidencialista no Brasil.

Na mesma linha, o apoio de altas autoridades da República a esse debate sobre o sistema de governo, como o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o decano do Supremo Tribunal Federal e o presidente da Câmara dos Deputados, dá o impulso para que retomemos esse necessário debate adormecido na vida política nacional.

O presidencialismo não é e nunca foi cláusula pétrea nesta Constituição ou nas anteriores, e há, sem dúvida, problemas estruturais em nosso sistema político que precisam ser enfrentados com serenidade e senso de urgência. O nosso sistema de governo, sem dúvida, é um desses.