Alexandre de Moraes vota para descriminalizar porte de maconha para uso pessoal

Alexandre de Moraes vota para descriminalizar porte de maconha para uso pessoal

Alexandre de Moraes vota para descriminalizar porte de maconha para uso pessoal

Três ministros já haviam votado a favor de alguma forma de descriminalização. Julgamento pode ser retomado ainda neste mês

 

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O ministro Alexandre de Moraes vota no julgamento sobre a descriminalização do porte de drogas / Crédito: Carlos Moura/SCO/STF

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou pela descriminalização do porte de maconha para uso pessoal no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 635.659. O ministro indicou a fixação da tese de que seja presumido usuário aquele que guarde, tenha, transporte ou traga consigo até 60 gramas de maconha, ou seis plantas fêmeas.

A presunção, segundo o ministro, seria relativa, cabendo à autoridade policial verificar se há outros critérios caracterizadores de tráfico de entorpecentes. “Como a forma como está acondicionado o entorpecente, a diversidade de entorpecentes com a pessoa e a apreensão de outros instrumentos, como balança, cadernos de anotação, celular”, disse o ministro.

Com isso já são quatro os votos para que haja, em maior ou menor grau, a descriminalização do porte de maconha para consumo próprio. Apenas o relator, ministro Gilmar Mendes, votou para que seja descriminalizado o porte de todo e qualquer tipo de droga.

 

Depois do voto de Moraes, Mendes pediu para que o julgamento fosse adiado para que ele pudesse pensar nas ponderações do colega e trazer um voto mais consensual. Mendes disse que traria o voto já na próxima semana, se possível

Moraes ressalta que esses critérios devem ser levados em conta na audiência de custódia. Caso o usuário esteja com quantidades inferiores ao fixado, a autoridade judicial deverá fundamentar a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva com base em outros critérios que caracterizam tráfico. Na hipótese de prisão em flagrante por quantidades superiores ao presumido como usuário, Moraes estipula que a autoridade judicial deverá permitir que o sujeito comprove que se trata de um usuário e não de um traficante.

Leia a íntegra do voto de Alexandre de Moraes para descriminalizar o porte de drogas.

Efeitos da Lei Antidrogas

O ministro começou o seu voto relembrando que o Brasil deixou de ser somente um corredor de passagem para as drogas produzidas na América Latina em direção à Europa e aos Estados Unidos e hoje é um dos maiores mercados consumidores do mundo. Segundo o ministro, o Brasil é o país que mais consome maconha, em números absolutos, no mundo, e é o segundo maior mercado consumidor de cocaína, atrás somente dos Estados Unidos.

Para ele, essa mudança no cenário foi percebida pelo Congresso Nacional, que aprovou em 2006 a Lei 11.343, a Lei Antidrogas. “O Congresso entendeu por bem despenalizar as condutas de posse para uso pessoal. Retirou qualquer pena de privação de liberdade e estabeleceu para os que fossem presos adquirindo, guardando ou trazendo drogas consigo, para consumo pessoal, sanções não privativas de liberdade”, relembrou Moraes.

O problema, na visão do ministro, se deu na aplicação da lei. Em especial, por conta do artigo 28, que diz: “para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”.

Para Moraes, isso aumentou a discricionariedade tanto da autoridade policial, quanto do ministério público e das autoridades judiciais. “A partir da nova lei, o antes classificado como usuário passou a ser classificado como pequeno traficante, que tem pena maior. Houve um aumento no encarceramento”, disse o ministro.

Moraes trouxe uma análise de dados do departamento penitenciário de 2007 a 2013, logo após a aprovação da lei. Segundo o ministro, em 2007, de todos os presos, 15,5% estavam encarcerados por tráfico de drogas. Em 2013, esse número subiu para 25,5%. Além disso, nesse intervalo de tempo, o número total de presos no Brasil aumentou 80%.

“Em outras palavras, antes da nova lei, se 100 pessoas estavam presas, 15,5 eram por tráfico. Em 2013, essas 100 pessoas passaram a ser 180. E desses 180, 46 por tráfico. Seis anos após a aplicação da lei, se triplicou o número de presos por tráfico de entorpecentes no Brasil”, disse Moraes. O ministro ainda relacionou esse crescimento do encarceramento com o fortalecimento das facções criminosas e o aumento do número de mulheres presas por tráfico de entorpecentes.

Discriminação: traficante ou usuário?

Moraes também argumenta, com base em um estudo feito pela Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), que a falta de definição de um critério quantitativo para diferenciar usuário de traficante acabou causando uma injustiça entre pessoas que carregavam a mesma quantidade de droga.

O estudo em questão analisou 656.408 ocorrências de flagrantes por tráfico de 2003 a 2017 em São Paulo e 556.613 apreensões como uso – totalizando mais de 1,2 milhão de casos. Foram catalogadas 2.626.802 pessoas envolvidas nesses anos. Do total de ocorrências, 98% foram maconha e cocaína: 53,16% de maconha e 44,5% de cocaína.

Segundo o ministro, a quantidade de drogas é, na maioria das vezes, o único critério para tipificar como usuário ou traficante. E esse número varia bastante. “Na capital de São Paulo, se considera tráfico, em média, o porte de 33g de cocaína, 17g de crack e 51g de maconha. No interior do estado, 20g de cocaína, 9g de crack e 32g de maconha. Não é possível que haja tanta variação dentro do mesmo estado”, disse Moraes.

O estudo também mostra que critérios como grau de instrução, idade e cor da pele das pessoas que estão portando as drogas influenciam na sua caracterização como usuário ou traficante. “A quantidade, eu insisto, que precisa ser o critério, porque o que nós verificamos é uma injustiça muito grande”, afirmou o ministro.

O ministro Gilmar Mendes prometeu liberar o complemento de seu voto já nas próximas semanas.

Relembre os outros votos no julgamento da descriminalização do porte de drogas no STF

O Supremo começou a julgar a questão em 2015, mas o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Teori Zavascki em setembro daquele ano. Zavascki morreu em janeiro de 2017 e foi substituído na Corte por Moraes, que devolveu a vista em novembro de 2018. Até então, haviam votado os ministros Luís Roberto BarrosoEdson Fachin e Gilmar Mendes, que votaram a favor de alguma forma de descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal.

Gilmar Mendes, o relator, votou pela inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, descriminalizando o porte de todas as drogas para uso pessoal. O ministro propõe que as sanções previstas no dispositivo legal sejam mantidas como sanções administrativas, deixando de lado os efeitos penais.

O ministro Fachin votou também pela inconstitucionalidade do artigo 28, mas restringiu seu voto à maconha, que foi a droga apreendida com o autor do recurso. Ele argumentou que atuar fora dos limites do caso poderia levar a intervenções judiciais desproporcionais. Para o ministro, é atribuição legislativa estabelecer quantidades mínimas que sirvam de parâmetro para diferenciar usuário e traficante.

Terceiro a votar, o ministro Barroso acompanhou o voto de Fachin pela descriminalização do porte apenas da droga maconha, mas propôs que o porte até 25 gramas de maconha ou a plantação de até seis plantas fêmeas sejam utilizados como parâmetros para diferenciar quem é usuário de quem é traficante até que o Congresso decida sobre o tema.

Entenda o caso

A Defensoria Pública de São Paulo entrou com o RE 635.659 questionando uma decisão do Colégio Recursal do Juizado Especial Cível de Diadema, em São Paulo, que manteve a condenação de um homem à pena de dois meses de prestação de serviços comunitários pelo crime de porte de drogas para consumo pessoal.

A Defensoria argumenta que o ato não afronta a saúde pública, só a saúde pessoal do usuário, quando muito. No recurso, ela questiona também a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas nº 11.343/2006, que classifica como crime o porte de entorpecentes para consumo próprio. O principal argumento é que o dispositivo contraria o princípio da intimidade e da vida privada, uma vez que a ação não implicaria em danos a bens jurídicos alheios.

No caso concreto, Moraes dá provimento ao recurso extraordinário para excluir a incidência do tipo penal da conduta do recorrente e determina, assim como o relator, a sua absolvição.