A aprovação do décimo terceiro: para os empresários, seria o fim do mundo

A aprovação do décimo terceiro: para os empresários, seria o fim do mundo
Reivindicação surgida no seio das metalúrgicas de São Paulo, a ideia de uma gratificação de Natal tem origens ainda nos agitados anos 1920, década da criação da Lei Celerada, quando o presidente Washington Luís chamou a questão social de “caso de Polícia”. A proposta sempre esteve presente nas reivindicações sindicais, naquele momento de fechamento de balanço das empresas, quando muitas delas anunciavam lucros expressivos e os operários recebiam uma garrafa de sidra de lembrança, junto com um cartão corporativo desejando uma boa festa com a família. A fábrica Pirelli, em 1943, foi uma das primeiras a conceder o abono, o que gerou um rastro de manifestações e greves de diversas outras fábricas exigindo a extensão do benefício para todos.
Aos poucos, a pressão da classe trabalhadora foi sensibilizando os parlamentares. Nos anos 50, duas propostas foram apresentadas ao Congresso, mas não prosperaram. A sociedade civil, particularmente os trabalhadores urbanos, pressionavam, exigindo uma maior participação nos resultados das empresas, em meio ao acirramento ideológico mundial em torno da Guerra Fria, o que assustava as elites, a classe média e os militares. O espectro do comunismo atravessava a reivindicação por melhores salários e muitos viam nessas mobilizações a sombra do perigo de uma República Sindicalista, seja lá o que tal ameaça significasse no imaginário conservador brasileiro.
Em 1959, o deputado Aarão Steinbruch, do PTB do Rio de Janeiro, apresentou a proposta que garantia a todo empregado o direito a uma gratificação de fim de ano equivalente a 1/12 avos do salário de dezembro para cada mês trabalhado. Depois de debates sem fim, em meio a greves persistentes de diversas categorias trabalhistas exigindo a votação da medida, particularmente a greve de dezembro de 1961, liderada pelo sindicato dos metalúrgicos e trabalhadores das empresas têxteis de São Paulo, e a greve geral de julho de 1962, duas semanas depois de o Brasil se sagrar bicampeão mundial de futebol no Chile, o projeto seria aprovado e sancionado pelo presidente João Goulart, em 13 de julho.

A imprensa e os parlamentares conservadores afirmaram que a aprovação do abono de Natal agravaria a crise econômica com efeitos na inflação, que ultrapassava os 50% ao ano, prejudicando os próprios trabalhadores. O senador Novaes Filho, do Partido Libertador de Pernambuco afirmou: “Já nos encontramos num ambiente de indisfarçável perigo para a própria ordem pública.” Aloysio Carvalho, do Partido Libertador da Bahia leu na tribuna um telegrama enviado pela associação comercial de seu estado, que pedia um “meticuloso e profundo exame do projeto, cuja aprovação importará no agravamento da crise financeira nacional, estimulando o surto inflacionário e consequente majoração do custo de vida”. Definitivo em sua mensagem apocalíptica foi o senador Men de Sá, do PL do Rio Grande do Sul :“a ordem constitucional e as instituições não resistirão, a economia nacional entrará em colapso e o país, em convulsões sociais. O Brasil ameaça explodir!”.
A imprensa não foi menos catastrofista. o jornal O Globo, no dia 26 de abril de 1962 estampou na sua manchete: “Considerado desastroso para o País um 13º mês de salário”. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a FIESP, também publicou nos jornais sua posição, afirmando que a aprovação da lei serviria para “alimentar com um excelente combustível a fogueira da inflação, que, pouco a pouco devora o país.”
A gratificação de Natal, fruto da luta da classe operária e da sensibilidade de alguns políticos, hoje figura na Constituição Federal, como um direito de todos os trabalhadores. A despeito da resistência dos empresários e dos reacionários que associavam, maliciosamente, a luta por uma vida digna a ideologias autoritárias, como se o desejo de viver melhor fosse necessariamente algo subversivo e danoso para a sociedade em geral. Pelo contrário, como sabemos, foram justamente as classes conservadoras as responsáveis por implementar no país um regime autoritário que durou 21 anos. O presidente João Goulart foi derrubado em 1964 e o deputado Aarão Steinbruch cassado pelo Ato Institucional 5. Mas suas iniciativas e suas ações mantêm-se de pé. Até hoje.
Sobre o/a autor/a