“QUEM AÍ GOSTA DA JOVEM PAN?”
questões do extremismo
“QUEM AÍ GOSTA DA JOVEM PAN?”
Os bastidores e dados que mostram como a emissora paulistana se tornou o braço auxiliar do bolsonarismo na defesa do golpe
Uma reportagem de Ana Clara Costa publicada na edição de agosto da piauí revela os bastidores da radicalização política ocorrida na Jovem Pan e como se deu a decisão da emissora de apoiar deliberadamente qualquer narrativa defendida pelo governo de Jair Bolsonaro, inclusive a desconfiança sobre a urna eletrônica. A tentativa de descredibilizar instituições que se contrapõem ao ímpeto golpista de Bolsonaro, como o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), também entrou na ordem do dia da programação da rádio. Os interesses da Jovem Pan, conforme mostra a reportagem, passam ao largo do ofício do jornalismo, concentrando-se apenas na busca pela audiência da extrema direita para faturar com anúncios no YouTube.
- A reportagem revela uma análise de dados inédita feita pela consultoria Novelo Data sobre a radicalização do discurso no Pingos nos Is, o programa de maior audiência da Jovem Pan. O relatório aponta a saída do ex-juiz Sergio Moro do governo como ponto fulcral da adesão da emissora ao bolsonarismo, ao perceber que sua audiência seguia apoiando cegamente o presidente, apesar das acusações de seu ex-ministro. O episódio marcou também o início da radicalização dos comentários contra o STF e, mais tarde, contra o TSE.
- O levantamento também traça comparativos entre o destaque dado pela programação a temas favoráveis e desfavoráveis a Bolsonaro. O termo “rachadinha”, por exemplo, só foi proferido 144 vezes desde 2018. Orçamento secreto, quarenta vezes. Já STF teve 5 mil menções apenas nos últimos dois anos. Faz parte da estratégia do programa centrar a artilharia em adversários de Bolsonaro sempre que um escândalo se abate sobre o governo. Quando o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro foi preso, os termos que dominavam os comentários eram Lula, STF e Bolsonaro. As menções a Ribeiro eram minoritárias.
- A piauí apurou como o próprio dono da emissora, Tutinha Carvalho, também se “bolsonarizou” no decorrer do período, revelando sua preferência sem qualquer pretensão de imparcialidade. Em suas redes sociais, um mês antes da eleição de 2018, escreveu: “Dica de investimento: compre dólar agora por 4,20 e vote em [João] Amoedo. Quando Haddad for eleito, venda por 9,48”, sugerindo, a um só tempo, que apenas Bolsonaro poderia derrotar o PT e que, em caso de vitória petista, o dólar dispararia. Um dia depois do primeiro turno, Tutinha fez um apelo a seus amigos do Facebook para que votassem em Bolsonaro, ao compartilhar uma postagem de autoria desconhecida sobre o PT. “É Bolsonaro ou ditadura petista”, escreveu, antes de explicar que um golpe comunista estava em curso – e tudo estava muito bem detalhado no site do partido. O texto citava páginas de um suposto programa de governo petista em que se falava em “estatizar a Rede Globo”, “anular as sentenças do mensalão”, “cassar o mandato de Jair Bolsonaro”, “dar o calote na dívida externa” e transformar o Brasil em “fiador” dos “países comunistas da América Latina”. Em 30 de outubro, com a eleição decidida, Tutinha inventou que o cantor Caetano Veloso prometera deixar o país em caso de vitória de Bolsonaro, e escreveu: “Já vai tarde.” Hoje, passados três anos e meio de governo, continua na mesma toada.
- A radicalização, contudo, tem sido um empecilho para que a Jovem Pan, ao se tornar um canal de tevê paga, conquiste anunciantes. Embora o governo tenha aumentado o volume de anúncios na emissora, o setor privado não acompanha o mesmo movimento. A generosidade do governo Bolsonaro não se reproduz no mercado privado. Segundo um levantamento obtido pela piauí, que inclui órgãos públicos mas também empresas privadas, em maio a GloboNews teve 96 anunciantes, com 3 584 inserções publicitárias ao longo da programação. A CNN Brasil aparece em segundo lugar, com 43 anunciantes e 1 962 inserções. A Jovem Pan, embora tenha ultrapassado a audiência da CNN, só figura em terceiro lugar com apenas 25 anunciantes e 1 119 inserções. Boa parte das empresas que aparecem na tela da Jovem Pan é pouco conhecida – como a Homeopatia Waldemiro Pereira – ou abertamente ligada ao bolsonarismo, como a rede de restaurantes Coco Bambu e a Gocil, grupo de um ex-policial militar que reúne empresas do agronegócio à segurança.