Não há espaço para retrocessos na Lei das Estatais
Não há espaço para retrocessos na Lei das Estatais
Resta ao Senado barrar perniciosas modificações aprovadas na Câmara
Aprovado na Câmara dos Deputados, não há um único acerto ou mérito no PL 2896/2022, que altera os artigos 17 e 93 da Lei das Estatais (Lei 13.303/2016) e 8º-A da Lei das Agências Reguladoras (Lei 9.986). Ao contrário, representa um grande retrocesso de algo conquistado por nossa sociedade e que havia colocado o Brasil entre os países com grande maturidade de governança corporativa em suas empresas estatais (municipais, estaduais e federais).
Para relembrarmos, o projeto prevê duas mudanças na Lei das Estatais: reduzir de 36 meses para 30 dias a quarentena de pessoas indicadas à presidência ou à direção de empresas estatais que tenham ocupado estrutura decisória de partido ou participado de campanhas eleitorais; aumentar limite de despesas com publicidade dessas empresas, além de mudar limites de gastos em ano eleitoral de 0,5% para até 2% da receita bruta operacional anual.
Em números, essas alterações — um sonho antigo de uma grande parte dos parlamentares – possibilita a ocupação por políticos de mais 500 cargos em diretorias e conselhos de administrações de empresas públicas e a injeção de R$ 20 bilhões em verbas publicitárias (tomando por base o faturamento de 2021 dessas companhias, de R$ 998,8 bilhões).
As cifras são exorbitantes, mas o que preocupa é a possibilidade da indicação de centenas de políticos para atuarem em seus quadros sem a necessidade de comprovação de qualquer tipo de qualificação técnica, comprometendo a gestão da administração pública.
E isso, importante ter em mente, se aplica não apenas às joias da coroa – as grandes estatais – mas também a empresas públicas menores, que passam ao largo do radar da opinião pública, de acionistas, investidores e órgãos reguladores de mercado, pelo tamanho ou por não serem de capital aberto.
Enfim, é um grande retrocesso na governança corporativa das estatais, coroada, justamente, com a aprovação em 2016 da lei sobre o tema, que protegeu essas empresas do uso político, da corrupção e da ineficiência de gestão. Nefasto tripé que assola os interesses públicos nacionais.
Sem essa proteção, as estatais ficam passíveis de se tornarem cabide de emprego para suprir demandas meramente político-partidárias, comprometendo a qualidade dos serviços prestados ao contribuinte, os interesses e cofres públicos e o ambiente de negócios. No fim e ao cabo, perde a população, perde o país. Essa, meus caros, é a conjunção de dois fatos que corroem a reputação da gestão nacional: risco Brasil e insegurança jurídica.
Esse sentimento ganha ainda mais força quando pensamos na maneira pela qual as alterações das leis foram propostas, quase que “na calada da noite”, sem discussão prévia com a sociedade.
Por isso, é preciso manter em mente a ideia básica e republicana de que as empresas estatais pertencem ao Estado, ao povo, e não ao governo da ocasião.
Um país que pleiteia seu ingresso na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) não pode se dar ao luxo de adotar uma legislação contrária aos padrões de governança adotados pela entidade sobre a independência das estatais em relação à classe política. A organização já reconheceu, publicamente, os avanços trazidos pela Lei das Estatais, embora tenha recomendado ao Brasil ir além, aprimorando as questões de governança envolvendo os comitês dos conselhos de administração e fiscal.
Estávamos no caminho, mas ainda havia muito a percorrer. Agora, voltamos mais de cem casas.
A situação fica ainda revoltante quando lembramos que esse retrocesso extrapola as fronteiras brasileiras, pois logo após sua aprovação na Câmara, a Moody’s, uma das principais agências de classificação de riscos do mudo, divulgou nota afirmando que o PL, entre outras, era negativo para os bancos públicos porque “pode elevar os riscos de governança dessas instituições uma vez que a intervenção política pode impactar suas estratégias de negócios e geração de resultados”.
Dessa forma, resta ao Senado barrar essas perniciosas modificações, jogando luz à importância do aprimoramento de leis capazes de elevar a governança das estatais a níveis internacionais, garantindo mais segurança jurídica ao ambiente de negócios brasileiro, o que, por consequência, pode gerar mais emprego, renda e desenvolvimento econômico para o país.
A governança corporativa não pode ficar à mercê do jogo político.