“Miliciano não pode ter lugar no Estado de Direito e muito menos na polícia”, afirma Fachin

O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou na quarta-feira (15), em sessão presencial, o julgamento sobre a letalidade das operações policiais no Rio de Janeiro.

“Miliciano não pode ter lugar no Estado de Direito e muito menos na polícia”, afirma Fachin

“Miliciano não pode ter lugar no Estado de Direito e muito menos na polícia”, afirma Fachin

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Ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF). Fellipe Sampaio - SCO - STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou na quarta-feira (15), em sessão presencial, o julgamento sobre a letalidade das operações policiais no Rio de Janeiro.

Até o momento, apenas os ministros Edson Fachin, relator do processo, e Alexandre de Moraes leram seus votos. Porém, em razão da falta de espaço na pauta até o início do recesso Judiciário, a partir da semana que vem, a conclusão do julgamento vai ficar para 2022.

Ao fazer a complementação do voto que já havia sido dado no plenário virtual, Fachin fez duras críticas aos abusos policiais.

“Quem faz operação autonomizada não é policial, é miliciano. E miliciano não pode ter lugar no Estado de Direito e muito menos na polícia”, afirmou o ministro.

Ele criticou a política de segurança do Rio de Janeiro e defendeu que o uso da força letal deve ser o último recurso da polícia. Edson Fachin também apontou que a decisão da Corte segundo a qual as operações em favelas do Estado poderiam ocorrer durante a pandemia apenas em casos excepcionais vem sendo descumprida.

“A crise da segurança pública, sobretudo no Estado do Rio de Janeiro, é um verdadeiro estado de coisas inconstitucional. Nada evidencia mais esse estado de coisas do que as recentes notícias de ações policiais que descumprem a determinação do Plenário do Supremo Tribunal Federal no sentido de que apenas em casos excepcionais as operações poderiam ser realizadas”, disse.

A decisão liminar de Fachin restringindo a realização das operações policiais foi tomada em junho do ano passado e posteriormente referendada pelo plenário.

O ministro ressaltou que a excepcionalidade não é uma invencionice ou capricho do STF, mas exigência da obrigação do Estado de proteger a vida.

 

“No Estado de Direito democrático não pode existir operação de vingança, quem as promove e quem delas participa viola não apenas a ordem deste tribunal, mas comete também abuso de autoridade. No Estado de Direito democrático não pode existir execução extrajudicial, nem resistência seguida de morte, quem as promove e quem delas participa abusa da autoridade e ataca frontalmente o Estado. No Estado de Direito democrático não pode existir tortura. No Estado de Direito democrático não existem mortes com merecimento. O Estado jamais pode tirar a vida de alguém apenas porque tem maus antecedentes. No Estado de Direito não se pode tolerar a impunidade dos agentes que, tendo autoridade pública, dela abusam para praticar crimes”, defendeu.

Fachin sugere a criação de um observatório no próprio STF para monitorar as reiteradas operações com mortes e relatos de abusos policiais. Também defendeu a necessidade de investigar operações mal executadas.

Em novembro, oito pessoas foram encontradas mortas em um mangue no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo (RJ), após uma operação realizada pelo Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar do Rio. No mês de maio, a Polícia Civil protagonizou uma das maiores chacinas da história do país na favela do Jacarezinho, na capital fluminense. Ao todo, 27 pessoas foram assassinadas por agentes civis, sendo a maior parte deles investigados pela Justiça e sem informações periciais claras que indiquem confronto em algumas cenas de crime.

“Operação não justificada ou mal planejada e o uso desproporcional da força violam as normas de conduta policial. Se, em razão disso, pessoas vierem a ser atingidas, é necessário investigar a responsabilidade do agente do Estado”, observou.

Em seu voto, Fachin propõe priorizar a instalação de GPS e câmeras nas viaturas e fardas de policiais que realizam operações em favelas e comunidades pobres. Também votou para que os arquivos digitais das gravações sejam enviados ao Ministério Público e à Defensoria Pública do Rio de Janeiro.

A letalidade das operações policiais no Rio vem sendo analisada pelo STF desde maio do ano passado, a partir de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental proposta pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), conhecida como “ADPF das Favelas”.

Na ação, o partido pede a intervenção do Supremo para obrigar o governo fluminense a implementar medidas voltadas à redução da violência policial no Estado. Foi no âmbito desta ADPF que os ministros determinaram a suspensão das operações em favelas durante a pandemia, salvo em situações excepcionais.

O ministro Alexandre de Moraes colocou em dúvida a capacidade do tribunal de fiscalizar o cumprimento da decisão. “Não discordo de nenhuma das premissas lançadas, mas tenho dúvidas em relação a várias das medidas adotadas, se serão realmente eficazes e, mais ainda, se é possível o Supremo Tribunal Federal fiscalizar essas medidas”, avaliou.