Maria Thereza Goulart, a primeira-dama mais jovem e bonita do Brasil

Até hoje considerada a primeira-dama mais bonita, Maria Thereza Goulart é personagem central do livro Uma Mulher vestida de silêncio, escrito pelo jornalista e produtor de televisão Wagner William.

Maria Thereza Goulart, a primeira-dama mais jovem e bonita do Brasil

Maria Thereza Goulart, a primeira-dama mais jovem e bonita do Brasil

Por Paulo Alonso.

Redação

 

Uma mulher vestida de silêncio (foto capa do livro)

Presença marcante e decisiva nos bastidores da vida de Jango

 

Até hoje considerada a primeira-dama mais bonita, Maria Thereza Goulart é personagem central do livro Uma Mulher vestida de silêncio, escrito pelo jornalista e produtor de televisão Wagner William. Com 643 páginas, a obra é um importante registro histórico do país, apresentando a vida dessa mulher encantadora e guerreira que, ao lado do marido, o presidente João Goulart, viveu de perto o poder, a perseguição, passou por um brutal golpe militar, foi exilada com dois filhos pequenos, amou seu marido, que morreu no exílio, aos 57 anos, saboreou momentos de grande fausto, períodos amargos e de profunda solidão.

O livro, dividido em 25 capítulos mostra, em uma bela narrativa do autor, como Maria Thereza se tornou presença marcante e decisiva nos bastidores da vida de Jango, em um dos momentos mais turbulentos da vida política brasileira.

Ao emergir como a primeira-dama mais jovem do país, com apenas 25 anos, e, imediatamente comparada a Jackie Kennedy como símbolos de elegância, charme e beleza, passou a ser vista como um exemplo de mulher no papel de esposa e mãe dedicada, o que gerou empatia na imprensa e logo conquistou as mídias sociais. Maria Thereza tornou-se a segunda-dama do Brasil com apenas 19 anos, com a posse de Jango, em 1956, como vice de JK e, posteriormente, de Jânio Quadros. Enquanto seu marido era vice-presidente, vivia tranquilamente com os filhos longe dos holofotes.

O livro reúne um portfólio de fotos, várias das quais exibindo Maria Thereza nas capas das revistas Manchete, O Cruzeiro, Fatos & Fotos e até mesmo em periódicos internacionais, como Paris Match e Stern. A revista Time chegou a classificar Maria Thereza como uma das nove Reigning Beauties (Belezas Reinantes), ao lado da ex-primeira-dama dos Estados Unidos Jacqueline Kennedy, da princesa Grace Kelly, de Mônaco, e da imperatriz Farah Diba, do Irã.

Foi apontada pela revista People como uma das dez primeiras-damas mais belas de todo o mundo. Em recepções oficiais, foi galanteada por chefes de estado, como pelo então presidente da Iugoslávia, Josip Broz, o Tito (1892–1980), quando em visita ao Brasil, e pelo Príncipe Philipe, marido da Rainha Elizabeth II.

A biografia dessa personagem forte e ao mesmo tempo frágil, alvo de enorme interesse e admiração, inveja, competição e preconceitos, também conta, segundo Jacob Pinheiro Goldberg, que assina a contracapa do livro, “a história de um dos mais importantes momentos da multifacetada vida política e social do Brasil”.

Depois que Jango foi deposto, a família se exilou no Uruguai e, posteriormente, na Argentina, onde João Goulart faleceu, em 1976. Em 25 de março de 2014, o Instituto Presidente João Goulart publicou um artigo de Maria Thereza relacionado aos 50 anos do golpe e lembrado no livro: “É muito difícil ter as respostas certas para essa pergunta. Até hoje, 50 anos depois, eu me questiono para conseguir entender o porquê daqueles momentos tão assustadores que de repente mudaram o rumo de nossas vidas, de nossa pátria e de nosso povo. As mudanças foram infinitas. Perdi pessoas que eu amava sem poder dizer adeus. Perdi amigos, perdi meu lar e perdi minha pátria. Fiquei sem meus sonhos vivendo uma realidade de incertezas e desafetos. Tive medo, sim, e pensei que aqueles momentos eram de uma perseguição coletiva que acabaria envolvendo nosso futuro.”

Durante a presidência do marido, sua imagem foi vinculada ao papel relegado às primeiras-damas de então: esposa, mãe e dona de casa. No entanto, o episódio do comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964, duas semanas antes de o golpe de Estado eclodir e que seria o estopim para a articulação do golpe militar, exibiu uma Maria Thereza altiva. Sua participação foi também marcante para ela, que, corajosa, insistiu para subir ao palanque e acompanhar o marido, diante de 200 mil pessoas, desafiando o tradicionalismo da época.

Esse ato foi pensado por Jango para tentar pressionar o Congresso Nacional a aprovar várias reformas, como a agrária e a eleitoral. Em entrevista, a ex-primeira-dama disse que teve “muito medo porque estava uma pressão muito grande, ele não estava bem de saúde. Também havia boato de que haveria um atentado”. Naquele dia, Jango encerrou o seu discurso dizendo: “Não apenas pela reforma agrária, mas pela reforma tributária, pela reforma eleitoral ampla, pelo voto do analfabeto, pela elegibilidade de todos os brasileiros, pela pureza da vida democrática, pela emancipação, pela justiça social e pelo progresso do Brasil.”

Na madrugada de 2 de abril de 1964, o golpe militar já se consumara, e Jango partira para o Rio Grande do Sul. Com os filhos pequenos, Maria Thereza deixaria a Granja do Torto de madrugada, com uma pequena valise. Abandonou todos os pertences pessoais, inclusive joias, que seriam saqueados até por aqueles que se diziam amigos e por outros oportunistas de plantão. Partia para o exílio no Uruguai, com escala na Fazenda Rancho Grande, em São Borja.

A vida da mais célebre primeira-dama do Brasil, com relatos inéditos de acontecimentos da vida íntima dos Goulart que se misturam à vida política do país, pode ser percebida e compreendida em Uma mulher vestida de silêncio, que revela a trajetória extraordinária de Maria Thereza, filha de imigrantes italianos, nascida em São Borja, uma cidade fronteiriça do Rio Grande do Sul, e que acaba se casando com Jango, amigo dos seus pais e 18 anos mais velho que ela.

Foram 12 anos de pesquisas, em arquivos desclassificados no Uruguai e Brasil, diversos documentos, dentre eles o diário de Maria Thereza, que se somaram a mais de 100 entrevistas feitas pelo autor. A obra não só reconstitui o contexto histórico e cultural da mulher dos anos 1950 e 60, como, sobretudo, recupera a trajetória dessa filha de pais fazendeiros dos pampas gaúchos, nascida em 23 de agosto de 1936.

Na sua condição de primeira-dama, optou pela então nascente alta-costura brasileira, tornando-se cliente do estilista Dener Pamplona, que acabou por ser responsável pelo guarda-roupas de Maria Thereza, incluindo recepções, casamentos, funerais e solenidades oficiais, ditando moda no país e tornando-se um ícone da moda brasileira no início dos anos 60.

Glamorosa, atraiu o interesse dos jornais e o imaginário dos brasileiros que se inspiravam nas suas mais belas peças de roupas. Ela atraía a alta sociedade paulista e brasiliense para eventos de caráter beneficente, tornando suas atitudes de aderir à moda brasileira – em vez de escolher roupas de grife estrangeira – um impulso não só à alta-costura, como à economia.

Jango e Maria Thereza se preparavam para migrar para a Europa, abandonando 12 anos de exílio entre Uruguai e a Argentina, numa América do Sul tomada por ditaduras violentas, cujas lideranças democráticas estavam ameaçadas pela Operação Condor, quando Jango morreu. Dois dias antes, Jango havia vendido gado num leilão em Arbolito, no Uruguai, e recolhido US$ 280 mil, com os quais planejava reiniciar a vida em Paris, ao lado da esposa.

Os dois filhos, João Vicente e Denize, ameaçados de sequestro por grupos paramilitares que atuavam no Cone Sul extorquindo empresários, já estavam em Londres. A maleta com o dinheiro do gado viria a ser roubada em meio ao tumulto que se seguiu à sua morte.

De forma romântica, Wagner William conta que Maria Thereza realizou seu baile de debutante, e Jango estava entre os convidados. Conforme ela afirma, não se apaixonou por seu futuro marido à “primeira vista”, pois não imaginava que “pudesse namorar uma pessoa de sua projeção”.

Maria Thereza era uma adolescente criada na fazenda quando, em 11 de dezembro de 1950, recebeu a missão de entregar um envelope a Jango. No livro, ela conta que comentou com as amigas que o achou “simpático, sorridente e bonito”. Em seu diário guardou para si a impressão de ter visto também um menino mimado. Somente quando Maria Thereza terminou seus estudos foi que realmente ela iniciou seu relacionamento afetivo com Jango, então ministro do Trabalho de Getúlio Vargas.

Maria Thereza sempre foi uma mulher discreta, mas decidida. Dirigia muito bem e sabia atirar. Ela também ocupou a presidência da Legião Brasileira de Assistência, mas deixou o cargo por não querer ser apenas um “ornamento”.

Longe das câmeras, havia uma mulher zelosa com a família e pés no chão – ao contrário do Jango, nunca contou com o retorno ao Brasil. Viveu momentos felizes e amargos no exílio. Foi presa algumas vezes, e em uma dessas ocasiões foi obrigada a tirar a roupa. O jornalista revela poemas escritos por Maria Thereza, reveladores de seu estado de espírito: “Ando buscando el amigo/ Porque estoy sola/ Y tengo ganas de llorar.”

Uma mulher vestida de silêncio é uma obra espetacular e que, com preciosidade, narra a vida e a trajetória de uma mulher absolutamente incrível e corajosa, uma esposa atenta e companheira, uma mãe dedicada e amorosa de João Vicente e de Denize, e exemplo de generosidade e de amor ao Brasil e à Pátria.

 

Paulo Alonso, jornalista, é reitor da Universidade Santa Úrsula.