Lula terá que 'reconstruir' ministério da Ciência e reverter bloqueio de fundo que pode causar 'apagão', avaliam especialistas

Lula terá que 'reconstruir' ministério da Ciência e reverter bloqueio de fundo que pode causar 'apagão', avaliam especialistas

Lula terá que 'reconstruir' ministério da Ciência e reverter bloqueio de fundo que pode causar 'apagão', avaliam especialistas

Para a comunidade científica, novo governo pode dar um respiro para a área, uma das mais atingidas por corte de verbas no governo federal nos últimos anos; expectativa é de que Lula dê atenção para bolsas de pesquisa, que podem completar 10 anos sem reajuste no primeiro ano do seu terceiro mandato.

Por Marina Pagno, g1

 


 Avenida da Ciência MCTI na 74º Edição da SBPC  — Foto: Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI)

Avenida da Ciência MCTI na 74º Edição da SBPC — Foto: Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI)

Tornar a atuação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) efetiva nos próximos quatro anos do novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é um desafio que exigirá recursos, e parte deles estão bloqueados por determinação do atual presidente Jair Bolsonaro (PL).

Para evitar uma espécie de 'apagão' na ciência brasileira nos próximos anos, especialistas ouvidos pelo g1 lembram que é preciso enfrentar um cenário desfavorável, como a proposta de Orçamento para 2023 enviada por Bolsonaro que prevê cerca de R$ 17 bilhões para as áreas - um valor próximo ao que era investido há 15 anos.

Como diagnóstico dos desafios e sugestão de pontos de atenção, especialistas apontam as seguintes prioridades para a próxima gestão:

 

  • desbloqueio de verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT);
  • recomposição do orçamento e da gestão dos órgãos ligados ao MCTI;
  • novas estratégias para o desenvolvimento científico e tecnológico;
  • reajuste de bolsas de pesquisa.

 

 

Otimismo e bloqueio de fundo

 

Cientistas e pesquisadores veem a vitória de Lula com um respiro para a ciência e tecnologia, mas citam que ter dinheiro é fundamental para que os investimentos na área não fiquem estagnados.

 

“As evidências apontam que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve ter um olhar muito aguçado para educação e ciência, porque ele já fez isso”, disse a presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e professora da Unifesp, Helena Nader.

 

O retrospecto de governos anteriores do petista também é lembrado por Renato Janine, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). “O Lula tem ao seu favor o fato de que ele governou muito bem nessa área de ciência, tecnologia e inovação. O que ele vai fazer agora é complicado, porque nós estamos em uma situação econômica desastrosa”, afirma.

Para os especialistas, o ponto de atenção está nos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que sofreram um bloqueio até 2026 por conta de uma Medida Provisória (MP) assinada por Bolsonaro em agosto deste ano.

O FNDCT é principal mecanismo de financiamento da área, usado por universidades e instituições ligadas à ciência, além de empresas do setor privado que investem em inovação.

Neste ano, R$ 3,5 bilhões de um total de R$ 9 bilhões foram contingenciados pelo governo federal. Para 2023, a previsão orçamentária prevê um bloqueio de R$ 4,2 bilhões, o que representa 42% do fundo. Pela MP, o fundo só poderá ser usado em sua totalidade em 2027.

Nesse ritmo, a expectativa é de uma diminuição ainda maior nos investimentos em universidades públicas, responsáveis por mais de 90% da produção científica do Brasil. “Se essa questão não for resolvida, não vai ter ciência”, avalia Nader.

A equipe de transição do governo Lula trabalha para tentar reverter os efeitos da MP e se apoia em uma lei, aprovada pelo Congresso em 2021, que proibiu o contingenciamento do FNDCT.

Há também uma hipótese de que a MP, assinada por Bolsonaro, possa perder a validade (caduque) antes de ser votada por deputados e senadores – o prazo termina no início de fevereiro de 2023, na volta do recesso parlamentar.

“O presidente [Lula] já disse que vai acabar com o contingenciamento do FNDCT. E eu acredito que ele não vai ter grandes dificuldades por conta dessa lei”, disse ao g1 o professor, físico e ex-ministro Sérgio Machado Rezende.

 

Problemas de gestão

 

Rezende, que foi ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações de 2005 a 2010 nas duas primeiras gestões de Lula, vem colaborando para o novo governo com a elaboração de um diagnóstico, apontando as prioridades na área para o novo governo. Ele fez esse mesmo trabalho em 2002, quando Lula foi eleito pela primeira vez.

“A ciência implica não é só em financiar pesquisa, mas fazer com que as instituições do Ministério da Ciência e Tecnologia trabalhem como já trabalharam no passado”, afirmou.

No diagnóstico, foram apontados problemas de funcionamento, gestão e mudanças nas estruturas de órgãos de ciência e tecnologia ligados ao governo federal, além da necessidade de recompor o orçamento do MCTI, alvo de desfinanciamento há pelo menos 7 anos, segundo estudo do Observatório do Conhecimento.

"Em várias entidades ligadas ao MCTI, houve mudança na estrutura e nós vemos que a mudança não foi boa. Vamos ter propostas de reestruturação administrativa e de gestão já nos primeiros dias de governo”, projetou Rezende.

Exemplos de corte de verbas não faltam: em 2021, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) teve o menor orçamento dos últimos 10 anos, o que deixou por um fio os monitoramentos de biomas, como Cerrado e Amazônia, e da previsão do tempo e o clima, para fornecer dados ao governo sobre estiagem em momentos de escassez hídrica.

“Falava-se até que não se pagaria a conta de luz do Inpe”, relembrou Renato Janine, da SBPC.

Renato Janine Ribeiro na sessão Solene de Abertura da 74ª Reunião Anual da SBPC — Foto: Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI)/Divulgação

Renato Janine Ribeiro na sessão Solene de Abertura da 74ª Reunião Anual da SBPC — Foto: Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI)/Divulgação

Outro órgão ligado ao MCTI que sofreu com falta de dinheiro na gestão Bolsonaro foi o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) que chegou a interromper a produção de radiofármacos, usados para diagnóstico de câncer no Brasil.

Para Sérgio Rezende, o avanço da ciência e tecnologia também passa pela escolha dos nomes que vão comandar esses e outros órgãos que estão no guarda-chuva do ministério da Ciência e Tecnologia.

“O desafio é ter recursos para esses institutos e ter eles funcionando dentro da normalidade. Ou seja, eles terem dirigentes escolhidos pela comunidade com a participação do governo”, disse o ex-ministro, que citou ainda a necessidade de elaborar um plano de ação com metas para a ciência para os próximos anos.

"No passado, os recursos, ao invés de serem usados de maneira aleatória, foram usados dentro de uma estratégia. É preciso voltar a ter isso. Nós já não temos um plano há pelo menos 7 anos. Não só os recursos foram diminuindo, mas deixou de ter estratégia. Essa é uma área para o futuro, ela tem que ter um plano".

 

Reajuste de bolsas

 

Dentro da comunidade acadêmica, a expectativa é de que o novo governo dê uma atenção maior para a Capes e o CNPq, as duas agências federais de fomento à pesquisa ligadas aos ministérios da Educação e ao da Ciência e Tecnologia.

A partir delas, estudantes podem conseguir bolsas para se dedicar exclusivamente à pesquisa dentro das universidades nos estudos no mestrado e no doutorado, por exemplo.

Desde 2013, as bolsas de pesquisa não são reajustadas e já perderam quase dois terços do poder de compra, de acordo com a Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG).

O ponto é considerado crucial entre especialistas para incentivar os estudantes a se dedicar exclusivamente a projetos de pesquisa e, assim, incentivar o desenvolvimento da ciência dentro das universidades.

“Ciência necessita de recursos humanos. Não adianta você só ter investimento na ciência se você não tiver isso acoplado com a formação de recursos humanos”, afirmou a presidente da ABC, Helena Nader.

Durante os dois primeiros mandatos de Lula, as bolsas de pesquisa receberam três reajustes. Em 2003, quando o petista entrou na Presidência, a bolsa de mestrado era de R$ 724 e de doutorado, R$ 1.073. Em 2010, no último ano do governo, os valores saltaram para R$ 1,2 mil e R$ 1,8 mil, respectivamente.

O último reajuste aconteceu durante o governo de Dilma Rousseff, quando as bolsas de mestrado passaram para R$ 1,5 mil e de doutorado, R$ 2,2 mil, valores que permanecem até hoje.