Indisciplina no Exército e divisionismo na oposição -Cristovam Buarque

Não punição de Eduardo Pazuello pode levar à transformação das Forças Armadas em bandos, milícias.

Indisciplina no Exército e divisionismo na oposição -Cristovam Buarque

Indisciplina no Exército e divisionismo na oposição -Cristovam Buarque

Não punição de Eduardo Pazuello pode levar à transformação das Forças Armadas em bandos, milícias.

Ricardo Noblat

 

Policiais militares revistam manifestantes na entrada da Esplanada dos Ministérios durante protesto com o governo bolsonaroArthur Menescal/Especial Metrópoles

O comandante do Exército não é “caxias” no sentido técnico do jargão militar: porque é tolerante com a indisciplina. Também não é “caxias” no sentido do amor à farda, ao saber as consequências possíveis de sua tolerância com a indisciplina. Todo precedente de indisciplina tolerada gera outras indisciplinas. Outros soldados irão a manifestações políticas em apoio a amigos ou partidos. Se não for um general com aval do presidente, ele provavelmente será punido e estará criado um clima ainda mais propício à indisciplina, porque uma regra com dois pesos e duas medidas gera anarquia. Nas palavras do ex-Ministro da Defesa Raul Jungmann: “um exército sem disciplina não é tropa, é bando”.

 

O gesto do comandante pode levar à transformação das Forças Armadas em bandos, milícias. Agora foi com o propósito de apoiar o presidente em um ato político, depois poderá ser por qualquer partido. A disputa entrará nos quartéis. Durante os meses em que estive no serviço militar, ouvia os oficiais dizerem que a disciplina era como um cristal que depois de quebrado não se recupera, será necessário buscar outro. Em Março de 1964, ouvi a justificação para o golpe, porque o presidente João Goulart estava levando sargentos ao palanque. Eles lembravam que os bolchevistas tomaram o poder na Russia usando a indisciplina dos soldados desertores fugindo da guerra perdida contra a Alemanha.

O gesto “não caxias”, mesmo que tenha sido outra a intenção do comandante do Exército, pode estar levando o atual Presidente da República a quebrar a disciplina para poder ter o que ele chama de “meu exército”, “minhas polícias”,preparando para o terceiro turno das eleições de 2022 ou preparando um turno zero antes do próximo ano. A tropa do Brasil se transformando em bando ou milícia a serviço do presidente, seus familiares, sua turma.

Cabe perguntar como os governadores vão manter a disciplina em polícias partidarizadas que atiram em manifestantes, como em Recife, ou prendem estudante com faixa, como em Goiânia?” Fui governador nos anos seguintes à euforia democratizante. Vi partidos e deputados querendo quebrar a disciplina da Polícia Militar do DF. Não foi fácil manter a disciplina, mas foi possível graças a alguns comandantes “caxias”, e a firmeza do governo.

A porta agora foi aberta por um gesto “não caxias” do comandante do Exército a serviço de um presidente que fala no “meu exército” e “minha polícia”. Cabe peguntar quem vai barrar o golpe em marcha por um presidente que nunca escondeu sua simpatia por ditadura, por tortura e assassinato de líderes políticos dos quais diverge?

 

Mais preocupante é que as forças políticas civis democráticas, em vez de despertarem para os riscos, se dividem. Acusam ao comandante por não ser “caxias”, mas de um lado o PT e Lula não aceitam apoiar outros, e os outros não aceitam Lula nem o PT. Nem apresentam um nome alternativo. Ficam divididos. Em momentos graves na história de um povo, indisciplina entre os militares e divisão entre os civis democratas leva sempre a ditaduras. A divergência é uma qualidade em momentos normais da história, em momentos de ameaça ao futuro do País, civis divididos é tão grave quanto militares não “caxias”.

Esta é uma hora em que os comandantes militares deveriam zelar pela disciplina e os civis pela unidade.