Estatal OU privado, eis a questão

Estatal OU privado, eis a questão

Raul Bergmann

Raul Bergmann

Estatal OU privado, eis a questão

Ação do Estado é o grande indutor do desenvolvimento nos países desenvolvidos

 

Nas últimas décadas, temos sido massacrados com a ideia do “Estado Mínimo”, sem citar sua consequência óbvia - “Privado Máximo”, deixando entender de que é para toda a população, não esclarecendo de que é somente para uma pequena parcela - a Iniciativa Privada. Esse é um conceito que está assolando as economias ocidentais.

Por outro lado, não se fala que já tivemos séculos de “Estado Máximo”, com sua consequência óbvia de “Privado Mínimo”, como as monarquias absolutistas, como França e Rússia, e Ditaduras Totalitárias, como a do fascismo.

Esses processos extremados acabam maximizando os interesses de minorias, minimizando os da maioria da população, acabando em guerras, revoluções ou migrações, como vimos acontecer na história e ocorrendo hoje. Como sabemos, n0 Brasil foi um grande destino dessas migrações externas, bem como internas pelas mesmas razões.

A maioria dos emigrantes acaba se vendo forçada a sair de seus locais de origem, abandonando família e cultura, pelas péssimas condições de vida, normalmente a fome, desigualdade social e falta de perspectivas, em busca de condições de vida melhores, mesmo sem ter o menor preparo.

Essa desqualificação da atuação do Estado está acontecendo muito no mundo ocidental, sem discussão das consequências, como por exemplo, as emigrações, em que só se discute a interferência dos emigrantes na qualidade de vida das pessoas no destino, não se tratando das reais causas do problema, normalmente a maximização de interesses dos extremos, que desconsidera o das populações.

A principal função do Estado, administrado pelo Governo, é promover o bem comum da população, através de políticas soberanas de desenvolvimento sustentado com justiça social. Portanto, o investimento estatal deve ser feito com esta finalidade e as empresas estatais não podem priorizar o lucro, mas sim atender às necessidades básicas da população e o desenvolvimento com segurança, qualidade e aos menores custos, e que acaba sendo a base do sucesso do país e de sua economia. Assim a estatal entra nas áreas de maior risco, grande investimento e longo prazo inclusive para o retorno, sendo, pois, na maior parte dos casos monopolista. No entanto, com esse monopólio uma deficiência de gestão pode prejudicar seu propósito ao desenvolvimento, qualidade de vida da população e competividade do País.

Já a função das empresas privadas, administrada pela iniciativa privada, também tem como finalidade atender demandas da população, mas visando o lucro, que é a remuneração do que ela conseguir do mercado consumidor com sua competitividade e produtividade. Assim a empresa privada entra nas áreas de grandes quantidades e diversidade de produção e clientes, portanto com autocontrole pela concorrência no equilíbrio oferta-demanda, com investimento e financiamento relativamente baixo e resultado mais rápido, podendo alcançar uma elevada participação na economia, na produção de riqueza e desenvolvimento.

Esse lucro é um fator importante, pois atrai os investimentos para produção de riquezas, promove o seu reinvestimento e remunera o investidor. No entanto os casos de grande sucesso na competividade e suporte econômico privado, podem reduzir a concorrência, gerando cartéis e oligopólios, visando maximização do lucro de poucos.

Além disso, a maximização dos lucros implica em redução de custos, como mão de obra, e aumento do preço, reduzindo o consumo num mercado com poder aquisitivo reduzido. Quando essa maximização se torna dogma geral no país, entra-se num ciclo de redução da remuneração do trabalho e ociosidade da produção por falta de consumidor, levando ao subdesenvolvimento, pobreza e até a falência do sistema produtivo. Isso pode ser agravado pelo alto custo em energia e financiamento, que não estão nesse âmbito, mas do Estado.

Consequência interessante desse processo de subdesenvolvimento é que se fala muito na baixa qualidade do ensino no Brasil pela desvalorização dos professores em seus salários e capacitação, e não se discute que uma consequência da desvalorização do trabalho é o baixo nível de aprendizado do jovem, que não vê necessidade nem perspectiva de uso, comprovado pelos altos índices de evasão escolar.

Assim, ambos tipos dessas empresas necessitam do controle do Estado, para garantir que os interesses do País e da Sociedade sejam alcançados, pois o autocontrole do mercado é importante, mas não suficiente.

Complementaridade Público - Privado

No Brasil temos muitos serviços públicos, como nas áreas de educação, saúde, segurança, e empresas totalmente estatais e empresas estatais de economia mista – Estado-Privado responsáveis pelas bases de sustentação do desenvolvimento.

Essa alternativa de complementaridade em estatais de economia mista é um exemplo de sucesso pelo seu autocontrole, pois atende às necessidades do País, com o Estado, administrado pelo Governo, como acionista majoritário em uma busca de produtividade para garantir remuneração justa ao acionista privado, bem como ao majoritário. Outro exemplo disso foi a criação de empresas estatais para competir no atendimento de mercados em áreas mais cartelizáveis, garantindo qualidade e lucro justo e, inclusive nos casos de grande abrangência nacional com baixa rentabilidade.

Então as duas alternativas público e privado são importantes para o país, daí a necessidade de haver uma COMPLEMENTARIDADE ENTRE PÚBLICO E PRIVADO. Sem investimento público em infraestrutura, como energia, educação, transportes, segurança, telecomunicação, finanças, e outras áreas, a iniciativa privada não disporá de mão-de- obra qualificada e condições básicas para sua produtividade e competividade, desencorajando o investimento privado. Este investimento depende, pois, da capacidade estatal de investir produtivamente e oferecer as condições necessárias. Tais conceitos estão sendo muito distorcidos atualmente, dificultando o entendimento para buscar o melhor para o desenvolvimento do País e sua população.

No Brasil, como em todos os países desenvolvidos e em desenvolvimento, também se faz necessário o investimento em ciência e tecnologia, em que há alto risco, pois nem todos dão certo, e o salto tecnológico se dá em longo prazo.  E isto é feito prioritariamente pelo Estado, e, posteriormente, com uma adequação pela iniciativa privada, os benefícios vão para ela. É o que acaba acontecendo no mundo.

De um modo geral, os países desenvolvidos alcançaram seu nível de desenvolvimento graças a essa complementaridade entre público e privado, apesar de não admitirem publicamente, inclusive divulgando como desnecessário, até decaírem quando a abandonam. Se estamos vendo isso hoje, não é coincidência.

Do sucesso a decadência

Temos muitos exemplos de experiências de sucesso dessa complementaridade, praticada há décadas, em que a parcela de investimento de alto custo, risco e abrangência no território nacional, como nas áreas de energia, transporte, comunicação, educação e saúde da população, desenvolvimento tecnológico, segurança e financiamento público, entre outros, foram realizados pelo Estado, ficando com a iniciativa privada as parcelas de baixo investimento e grande diversidade concorrencial para atender o consumo final.

Isso se tornou a base de sustentação para o desenvolvimento, complementado por uma iniciativa privada produtiva e competitiva, que permitiu ao Brasil, por 50 anos, de 1930 a 80, ser o país de maior desenvolvimento do mundo, mas que hoje está em decadência com a desindustrialização, dificuldade financeira para o investimento e o consumo, formação de cartéis e oligopólios, privatização de monopólios estatais, etc.

Como exemplos para o sucesso desse processo de desenvolvimento podemos citar, a legalização das riquezas do subsolo como propriedade do País; criação de sistemas de relações trabalhistas, saúde e obrigação na educação pública, elevando a qualidade de vida da população, do mercado consumidor e da produção de riquezas; de uma previdência social vitalícia, com consequente geração de poupança interna para investimento rentável; diferenciação entre empresa nacional e empresa estrangeira instalada no Brasil, possibilitando beneficiar o aproveitamento pelo País da riqueza gerada; entre outros. Isso e o financiamento externo a juros baixos, geraram os recursos necessários para conseguir realizar grandes investimentos em empresas, normalmente monopolistas, básicas para o desenvolvimento, que a iniciativa privada nacional e internacional nunca haviam feito nas décadas anteriores.

É o caso, por exemplo, da criação:

- da Usina Siderúrgica Nacional e da Cia. Vale do Rio Doce, no país de maior reserva de minério de ferro do mundo;
- das Hidroelétricas do São Francisco e de Itaipu, entre outras, num país com uma das maiores capacidades hidráulicas do mundo;
- da criação da Petrobrás para produção de combustíveis e exploração de petróleo, como sustentáculo da industrialização do país, que nos trouxe a uma das mais altas reservas de petróleo do mundo, além de um incrível salto tecnológico mundial na área,:
- da criação da Embrapa, que além do aumento de nossa produtividade agrícola, é referência mundial ao transformar regiões desérticas do nordeste brasileiro em áreas agricultáveis;
- das unidades de produção de fertilizantes, como base para produção agrícola num com uma das maiores áreas agricultáveis do mundo;
- da indústria petroquímica, que é a base de produção de utilidades de uso doméstico e pessoais;
- da Embraer, que desenvolveu tecnologicamente um dos melhores aviões do mundo.

Mas, no início da década de 80, o juro da dívida externa teve uma explosão unilateral de mais de 8 vezes, acarretando uma muito grave crise na economia mundial, pela explosão das dívidas externas, e que nos atingiu gravemente, dando início ao nosso processo de decadência e mais alta inflação.

Nossos Governos não retomaram um Projeto de Desenvolvimento do País, para enfrentar isso, como fizeram países como Noruega, China e Coréia do Sul, então mais atrasados que nós, e hoje estão entre os mais desenvolvidos e melhor qualidade de vida da população. Num período de instabilidade política do Estado foram tomadas diversas iniciativas pontuais para nos tirar dessa situação, mas de um modo geral fracassaram. Uma exceção foi o Plano Real, mas que, com o advento do Estado Mínimo, infelizmente seu processo não teve continuidade.

Além disso, instituiu-se no País o consequente Privado Máximo, em que essas bases de nosso desenvolvimento passaram a ser entregues ou ameaçadas de entrega a iniciativa privada, internacional e nacional, que, sem qualquer investimento, somente como uma aplicação financeira, as transformam em fonte de lucro às custas dos brasileiros, a maior parte para remessa ao exterior, sem compromisso com o desenvolvimento nacional que as geraram.

São agravantes para nossa decadência, a importação de bens de consumo em detrimento da produção nacional, que significa de fato exportação do trabalho, em detrimento do trabalhador nacional e consequentemente do mercado consumidor, e de riqueza nacional para compra dos dólares para pagá-la; bem como a exportação de produção nacional em detrimento do mercado brasileiro, gerando uma carência que eleva os preços no País causando inflação e desatendimento de necessidades, competindo no exterior pelo aproveitamento da baixa remuneração e poder aquisitivo da população e outras vantagens estatais públicas, visando o somente o lucro privado.

Assim hoje estamos com os mais baixos crescimentos do PIB, uma desindustrialização que caiu de mais de 30% do PIB para 10%, um dos mais baixos salário mínimos da América, portanto redução da capacidade de consumo, do mercado e da produção, um muito alto endividamento do Estado e da população, portanto sem a poupança interna necessária ao desenvolvimento, e queda na qualidade de vida e emprego, entre outras.

Petrobrás

No Brasil, no processo de desenvolvimento, foram criadas empresas estatais e estatais de economia mista - público e privado, com maioria do Estado, para garantir sua eficácia e eficiência, visando prioritariamente sua função social, mas com geração, num monopólio, de lucro justo. Outras estatais foram criadas para competir em mercados cartelizáveis, visando seu autocontrole, diminuindo a necessidade de interferência do Estado, como no caso da BR-Distribuidora, bancos públicos, etc.

No caso da Petrobrás, uma estatal de economia mista, passou a ser um fundamento do desenvolvimento sustentado, pois energia passou a ser fornecida a um valor que permitisse produtividade e competitividade à indústria nacional, e a qualidade de vida para a população.

Antes da autossuficiência em petróleo, durante 50 anos, ela importou de 40% a 60% do petróleo necessário para o País, garantindo nos combustíveis um dos menores preços do mundo. Isso permitiu uma incidência de impostos, potencializando recursos ao Governo disponíveis para o desenvolvimento e bem-estar social. Ainda assim, a estatal sempre garantiu qualidade e segurança aos seus produtos, e ser permanente destaque no mercado acionário. Sem falar em investimentos de longo prazo, como refinarias, redes de oleodutos, exploração de petróleo, que demoram mais de década para o investimento e seu retorno.

Tanto isso é verdade que, mesmo com o fim do monopólio estatal em 1997, nenhuma multinacional se interessou em investir em refinaria, para competir com a Petrobrás, e na exploração de petróleo, pois só vieram após a descoberta do pré-sal, e, ainda assim, com a tecnologia da Petrobrás.

Além de tudo isso, é preciso considerar o desenvolvimento tecnológico advindo do investimento estatal. A Petrobrás é apenas um dos muitos casos de sucesso, como foi a descoberta do pré-sal, com uma tecnologia inédita, desenvolvida pelos seus técnicos, que nos permite uma produção de petróleo aos preços mais baixos do mundo.

Esse desenvolvimento tecnológico estatal ocorre no mundo inteiro. Um bom exemplo recente não divulgado são as redes de comunicação via internet, desenvolvidas pelo governo estadunidense. Infelizmente, estão entregues a um mercado oligárquico, produzindo lucros bilionários para empresários, cujo poder é perigoso e crescente.

Desestatização e desindustrialização

Hoje, nossos governos estão vendendo patrimônios estatais produtivos, como refinarias, oleodutos, hidroelétricas, jazidas de riquezas, e outros ativos como produção de petroquímicos, fertilizantes, como se fosse investimento, sem qualquer aumento da produção, até com redução. Essa entrega de patrimônio estatal, inclusive incluída como lucro no resultado da Empresa, é uma simples aplicação financeira do comprador, normalmente vindo do exterior, gerando elevação de preços num mercado sem concorrência, em que a maximização do lucro, obtido do consumidor brasileiro, está sendo transferida para um beneficiário privado.

Desde 2016 a Petrobrás está sendo gerida como se fosse privada, pois estão buscando maximizar a distribuição de lucro, fornecendo ao mercado combustíveis considerando o preço internacional do petróleo, ou seja, quase 3 vezes seu custo de produção, além de comprometer nosso futuro pela redução de investimento para aumento das reservas de petróleo e capacidade de refino. É um exemplo das consequências da gestão privada de um monopólio, em que no caso da Petrobrás ser privatizada será muito difícil o retorno à sua função de Estado como suporte ao desenvolvimento do País. Isso já está ocorrendo no caso da privatização da refinaria RLAM, na Bahia, com os preços dos combustíveis mais altos para um mercado monopolista, e o lucro obtido pelas próximas décadas do custo de vida dos nordestinos, remetido para o exterior, sem qualquer investimento produtivo e benefício para o País.

Esse descaso de maximização momentânea da geração e distribuição de lucro da Petrobrás, são decorrência óbvia do “estado mínimo”, ou seja, “privado máximo”, desconsiderando o interesse de Estado no desenvolvimento e competividade nacional, do poder aquisitivo e qualidade de vida da população e inflação gerada, para remunerar uma aplicação financeira não produtiva de uma minoria, sendo 40% para o exterior. Além disso, esquecendo que hoje somos autossuficientes em petróleo, e que, as ações da Petrobrás distribuindo um lucro justo e confiável sempre foi destaque no mercado acionário. É um absurdo o que está sendo feito.

Desenvolvimento do Brasil

Com base nestes fatos, fica fácil perceber que a ideia de Estado Mínimo acaba por frustrar as possibilidades de desenvolvimento do Brasil, ao defender que o Estado deve ser meramente administrativo e inerte para o desenvolvimento, minimizando sua obrigação promovedora.

Como pode ser visto, a ação do Estado é o grande indutor do desenvolvimento nos países desenvolvidos, como foi nos EUA na recuperação de sua crise de 1929. A iniciativa privada precisa desses insumos básicos, para sustentar sua produtividade e competividade para o desenvolvimento do país. O próprio sistema financeiro, quando a serviço de um projeto de nação, pode ser uma das principais ferramentas, pois sem recursos financeiros todo planejamento é inútil. Nos países onde está havendo desenvolvimento, o sistema financeiro está orientado pelo Estado para o desenvolvimento, em vez de maximizar um rentismo improdutivo para uma minoria.

A área tecnológica também está aí para isso. Não apenas aperfeiçoar o que já existe, mas pesquisar novas tecnologias. Para tanto, temos pessoas competentes e instituições no Brasil e no exterior capazes de formar pesquisadores de alto nível. No entanto, numa época de grande aceleração no desenvolvimento tecnológico no mundo, estamos nos defasando e sem um projeto de desenvolvimento tecnológico para embasar um progresso nacional.

Para ser autossustentável e socialmente justo o Brasil precisa desenvolver suas potencialidades, e para isso faz-se necessário uma harmonia entre os interesses do Estado e o Privado. Mas como se consegue isso? Creio que através de uma inteligente análise de nossa situação, para um projeto de Estado para o País, em que nas mais diversas áreas como recursos e riquezas naturais, necessidades humanas e materiais nacionais e mundiais, condições tecnológicas, situação climática e ambiental, entre outras, se encontre uma harmonia de interesses, competências e potencialidades para o desenvolvimento.

Em outras palavras, somente o ESTADO pode induzir os investimentos, estatais e privados, para produzir riquezas visando um desenvolvimento com justiça social, gerando lucros, impostos, empregos e competitividade internacional, garantindo uma Soberania Nacional, que possibilite benefícios e qualidade de vida para todos. Para isso precisamos de uma conscientização nacional de que os Governos (Legislativo, Executivo e Judiciário) gestores da atuação do Estado, e nossas demais instituições públicas e privadas estejam, com nacionalismo e competência, realmente comprometidos com esse bem maior do desenvolvimento sustentado com justiça social.

Assim fica evidente que temos que sair da maximização dos extremos, e que o Estado deve ser o principal indutor do desenvolvimento nacional através de uma complementaridade harmônica entre o público e o privado. Ou seja, somente com uma estrutura econômica

Estatal E Privada – eis a solução

 

09/06/25

Eng. Raul T. Bergmann – AEPET – Associação de Engenheiros da Petrobrás/Conselheiro