Especialistas divergem sobre eficácia de governo ir ao STF contra derrubada do IOF pelo Congresso

Especialistas divergem sobre eficácia de governo ir ao STF contra derrubada do IOF pelo Congresso
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A eficácia da estratégia em avaliação no governo Lula (PT) de recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal) para manter o aumento das alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), que foi derrubado pelo Congresso nesta quarta-feira (25), causa divergência entre especialistas.
Uma ala do governo Lula alega que a Constituição e a legislação autorizam o Executivo a definir as alíquotas do IOF "tendo em vista os objetivos das políticas monetária e fiscal" e que, portanto, o Congresso não poderia aprovar um projeto de decreto legislativo para revogar essa decisão.
"Não há qualquer base jurídica para o PDL [projeto de decreto legislativo]", escreveu no X a ministra Gleisi Hoffmann, da SRI (Secretaria de Relações Institucionais).
O ministro Fernando Haddad (Fazenda) afirmou em entrevista à Folha que, se houver uma manifestação da PGFN [Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional] ou da AGU [Advocacia-Geral da União] dizendo que o decreto legislativo é inconstitucional, ele opinará pela defesa da Constituição. Ou seja, judicializar o tema.
Na sexta (27), a AGU informou ter iniciado, a pedido do presidente, uma avaliação técnica sobre as medidas jurídicas a serem adotadas para preservar a vigência do decreto do IOF. O PSOL se antecipou ao governo e já acionou o STF contra a decisão do Congresso.
Nenhum dos 12 projetos de decretos legislativos aprovados e promulgados pelo Congresso desde a Constituição de 1988 foi contestado no STF. Há precedentes, no entanto, de projetos desse tipo aprovados por assembleias legislativas nos estados e julgados inconstitucionais pelo Supremo.
Em 2020, por exemplo, o STF declarou inconstitucional, por unanimidade, um decreto legislativo que suspendia um decreto do ex-governador do Distrito Federal Rodrigo Rollemberg (PSB) para regulamentar lei distrital que estabeleceu sanções administrativas pela prática de condutas homofóbicas.
Na avaliação do Supremo, o Legislativo não pode revogar um ato do Executivo se este não extrapolar suas prerrogativas. "A análise dos dispositivos do decreto distrital conduz a que em nenhum deles o governador do Distrito Federal exorbitou de seu poder regulamentar", afirmou a relatora, ministra Cármen Lúcia.
O que gera divergências, no caso do IOF, é se o governo extrapolou ou não as suas prerrogativas ao elevar o imposto para ajudar a fechar as contas neste ano e em 2026, evitando um bloqueio maior de despesas.
Enquanto parte dos juristas e o Executivo defendem que o presidente Lula tem o poder de regular as alíquotas do IOF dentro do teto imposto pela lei, outra parte argumenta que o imposto não poderia ser usado para arrecadar.
"Essa prerrogativa [do presidente] tem uma razão de ser muito evidente: o IOF é um tributo extrafiscal ou regulatório, que serve como instrumento de regulação de determinados mercados, tendo sempre em vista os objetivos traçados pela política monetária e cambial", afirma o advogado Luiz Bichara, especialista em direito tributário.
No aumento do IOF, no entanto, "ficou escancarado" que a mudança na alíquota visou aumentar a arrecadação tributária para cobrir a frustração de receitas que estavam previstas no Orçamento, diz Bichara. "O uso do IOF como instrumento exclusivamente arrecadatório representa abuso da prerrogativa que a Constituição conferiu ao Executivo", afirma.
Essa é também a avaliação de Vanessa Canado, coordenadora do núcleo de tributação do Insper. "Por que esses tributos fogem às regras de proteção constitucional? Porque são chamados extrafiscais, ou seja, têm como pressuposto o caráter regulatório. Se não for assim fica fácil simplesmente aumentar tributos sem o aval da sociedade -princípio da legalidade-- e sem previsibilidade", afirma.
Já o advogado Eduardo Natal diz que o Legislativo invade as atribuições do Executivo ao aprovar a suspensão das alíquotas por meio de um projeto de decreto legislativo e que cabe uma ação ao Supremo para questionar essa votação. "O Congresso não pode fazer a revogação, não é competência dele", diz.
Segundo Natal, está entre as competências da União regular o IOF e outros impostos extrafiscais por decreto. "O Executivo não depende de nenhum outro Poder para fazer isso", comenta.
Um advogado que atua para clientes contrários ao decreto e, por isso, prefere ficar no anonimato, concorda que o Executivo está em suas prerrogativas ao estabelecer as alíquotas do imposto e acredita em grandes chances de vitória no Judiciário. Para o Congresso ser mais efetivo, afirma, o melhor caminho seria aprovar um projeto de lei para modificar a atual legislação.
A lei 8.894 de 1994, que regulamenta o IOF, foi utilizada pelo líder do PT na Câmara, deputado Lindbergh Farias (RJ), no plenário para defender que a ação do Legislativo é inconstitucional. Essa lei diz que o governo poderá "alterar as alíquotas tendo em vista os objetivos das políticas monetária e fiscal". "Eu quero saber onde esse decreto do IOF exorbita as prerrogativas do Executivo", questionou.
Ao anunciar o aumento do imposto, o Ministério da Fazenda sustentou que a medida estava em discussão há meses no governo para "corrigir distorções" e "promover justiça fiscal". "Esse é um ajuste que já temos considerado há muito tempo", disse o secretário-executivo da pasta, Dario Durigan.
O governo aumentou o IOF de operações no mesmo dia em que anunciou bloqueio de recursos na avaliação bimestral das receitas e despesas. Com a alta do imposto, Lula congelou um volume menor de gastos, de R$ 31,3 bilhões, para cumprir o arcabouço fiscal e a meta de resultado primário de 2025.
O IOF renderia R$ 20,5 bilhões em 2025 e R$ 40,1 bilhões em 2026. Mas recuou na tributação sobre investimentos de fundos nacionais no exterior e depois editou um novo decreto recalibrando as alíquotas do IOF. Com isso, a nova arrecadação estimada era de R$ 12 bilhões.
A iniciativa de recorrer ao STF para derrubar uma decisão do Congresso, pode estremecer ainda mais a relação do governo com os congressistas --e, por isso, não chegou a ocorrer nas outras ocasiões em que o Executivo teve portarias e decretos revogados.
O mais comum, nesses casos, é que o governo consiga barrar a iniciativa da oposição, com apoio dos parlamentares da sua base aliada, ou ceda e modifique ele próprio a norma infralegal para evitar o desgaste de ser derrotado no plenário da Câmara dos Deputados e do Senado.