Comissão sugere revogação da ‘PEC da Bengala’ para dar uma bengala a Bolsonaro

Caíram do cavalo aqueles que consideravam que Bolsonaro e sua horda haviam recolhido as armas em nome de uma trégua com o Supremo Tribunal Federal e seus ministros.

Comissão sugere revogação da ‘PEC da Bengala’ para dar uma bengala a Bolsonaro

Comissão sugere revogação da ‘PEC da Bengala’ para dar uma bengala a Bolsonaro

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Bia Kicis (PSL-DF), presidente da CCJ. Foto: Billy Boss - Câmara dos Deputados

Caíram do cavalo aqueles que consideravam que Bolsonaro e sua horda haviam recolhido as armas em nome de uma trégua com o Supremo Tribunal Federal e seus ministros.

Depois que o governo passou a ter um controle, relativo, é verdade, sobre a Câmara dos Deputados e, por cautela, não hostilizar abertamente os senadores, algo muito corriqueiro durante a CPI da Covid, o alvo preferencial, ainda que disfarçado, continuou sendo a suprema Corte do país.

Nesta terça-feira, enquanto o ministro Guedes chamava a atenção da mídia e esbravejava na sala ao lado, tentando explicar o inexplicável – o crescimento a galope de sua fortuna depositada em uma offshore em paraíso fiscal, ameaçada por forte tributação em qualquer país sério -,  a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, após 5 horas de sessão, aprovava a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 159/19, que revoga a ‘PEC da Bengala’ e volta a fixar em 70 anos a idade para a aposentadoria compulsória de servidores públicos.

Um doce para quem descobrir o autor, melhor, a autora da PEC: deputada Bia Kicis (PSL-DF)!, a presidente daquele colegiado, que disputa com Carla Zambelli (PSL-SP) a condição da parlamentar mais bolsonarista do Congresso Nacional.

A matéria foi aprovada por 35 votos contra 24, depois que a oposição tentou postergar a votação e após esgotado o recurso ao pedido de vista.

Voltemos um instante no tempo.

Em 2015, a Emenda Constitucional 88 aumentou de 70 para 75 anos a idade para aposentadoria compulsória dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), dos tribunais superiores e do Tribunal de Contas de União (TCU).

O ex-deputado e ex-presidiário Eduardo Cunha, que presidia a Câmara à época, tinha interesse na matéria, pois, com isso, queria impedir que a então presidente Dilma Rousseff (PT) pudesse indicar novos nomes para a Corte.

No entanto, retirando essa motivação nada republicana, em se tratando de Cunha, a proposta fora defendida, pioneiramente, não exatamente por um advogado ou jurista, mas pelo médico, professor universitário e deputado federal por São Paulo, José Aristodemo Pinotti, já falecido.

Ele argumentava, com razão, que a medida buscava aproveitar servidores, especialmente no magistério e na magistratura, que, aos 70 anos de idade, ainda possuíam vitalidade para se dedicar a duas áreas importantes no tocante à transmissão de conhecimento e experiência.

Seria um desperdício aposentar aos 70 anos, quando o país ampliava sua expectativa de vida, homens e mulheres que ainda poderiam contribuir com as distintas áreas do serviço público.

Foi também sob esta inspiração que a EC 88 foi aprovada, restrita, contudo, ao Judiciário.

Agora, os bolsonaristas querem revogá-la e já deram o primeiro passo nesse sentido.

A deputada Chris Tonietto (PSL-RJ), outra bolsonarista, relatora da PEC na CCJ, disse, canhestramente, que o objetivo da proposta é “garantir oxigenação e rotatividade da carreira jurídica”.

Bia Kicis argumenta que “a parte de baixo da pirâmide da carreira do Judiciário possui dificuldade em ascender” – como se essa diferença de apenas 5 anos fosse capaz de remover esse obstáculo – e afirmou que há compromisso de que, na comissão especial, os ministros do STF que estão no cargo ficariam de fora.

Ora, se há compromisso, qual o motivo de não tê-lo honrado já na comissão que preside? O motivo real, certamente, ocultaram: como excepcionalizar apenas os magistrados da Corte suprema sem incorrer em grave inconstitucionalidade? 

É o velho conto da carochinha, contado em verso e prosa para enganar os incautos.

A meta não é garantir oxigenação coisa nenhuma, muito menos desobstruir os canais de ascensão no Poder Judiciário. Essa gente bolsonarista não está nem um pouco preocupada com isso.

A preocupação é outra: garantir que Bolsonaro indique, pelo menos, mais dois ministros ao STF antes do tão esperado final de seu trágico mandato, além dos dois que já indicou, um deles, André Mendonça, dependendo, ainda, de aprovação pelo Senado Federal.

Sim, pois se a PEC for definitivamente aprovada, ao menos dois ministros – Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, com 73 anos cada – teriam que esvaziar prontamente suas gavetas e deixar o tribunal.

A preocupação, em última instância, é com o próprio futuro de Bolsonaro, que precisa, desesperadamente, alicerçar-se nas instâncias do Judiciário, especialmente no STF, pois não faltarão brasileiros que o levarão às barras dos tribunais para responder pelos inúmeros crimes que vem cometendo contra o Brasil e o povo.

Se a proposta anterior recebeu, carinhosamente, a alcunha de “PEC da Bengala”, essa, recém-aprovada pelos bolsonaristas, fazendo um trocadilho, nada mais é, no momento, que uma bengala para Bolsonaro.

Mas ainda é tempo para frear essa “nova” PEC, que de nova nada tem, pois sua tramitação dependerá de aprovação em comissão especial e, depois, em dois turnos em cada uma das casas legislativas, com quórum qualificado.

Portanto, mãos-à-obra para barrar o mais novo, acintoso e dissimulado casuísmo bolsonarista.