Casos tributários pautados no STF podem custar R$ 8,4 bilhões à União em 2022

Levantamento do JOTA aponta que impacto pode chegar a R$ 46,6 bilhões em cinco anos

Casos tributários pautados no STF podem custar R$ 8,4 bilhões à União em 2022

Casos tributários pautados no STF podem custar R$ 8,4 bilhões à União em 2022

Levantamento do JOTA aponta que impacto pode chegar a R$ 46,6 bilhões em cinco anos

BRASÍLIA

dispensa coletiva Sede do Supremo Tribunal Federal. Crédito: Nelson Jr./SCO/STF

A pauta tributária do Supremo Tribunal Federal (STF) pode causar um rombo bilionário nos cofres da União neste e nos próximos anos. Levantamento do JOTA mostra que, entre os casos pautados no plenário por videoconferência e no plenário virtual da Corte no primeiro semestre, cinco podem representar uma perda de arrecadação para a União de R$ 8,4 bilhões em 2022 e de R$ 46,6 bilhões em cinco anos.

Os processos discutem desde contribuições devidas por agroindústrias e produtores rurais pessoa física, passando pela multa isolada de 50% em caso de compensação não homologada, até a incidência da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre remessas ao exterior.

Uma análise do JOTA mostra ainda que, se todos os casos tributários no STF listados no anexo de riscos fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2022 forem de fato julgados, a perda de arrecadação pode chegar a R$ 56,3 bilhões em um ano e R$ 806,6 bilhões em cinco anos.

 

 

Economistas afirmam que, caso a União seja derrotada nesses processos, o resultado será um déficit ainda maior no resultado primário do governo central, com impacto na ponta sobre a inflação, a atividade econômica, o emprego e a renda dos brasileiros.

Entre os casos tributários pautados para o primeiro semestre no plenário do STF, o de maior risco fiscal é o que discute a contribuição previdenciária devida pelas agroindústrias. Trata-se do RE 611601, Tema 281 da repercussão geral, pautado para a sessão de 5 de maio. A União pode perder R$ 2,7 bilhões em arrecadação em 2022 e R$ 13,8 bilhões em cinco anos caso seja derrotada nesse recurso.

Os tributaristas Marcelo dos Santos Scalambrini e Jimir Doniak Junior, da Advocacia Lunardelli, explicam que o que está em jogo é saber se é constitucional recolher a contribuição previdenciária sobre a receita bruta proveniente da produção das agroindústrias, em vez de calcular essa tributação sobre a folha de salários dessas empresas.

A tributação sobre a receita bruta foi definida pelo artigo 22A da Lei 8.212/91, incluído pela Lei 10.256/01. O problema é que a Constituição só passou a prever a possibilidade de substituir a contribuição sobre a folha por outra, no caso sobre a receita, a partir da Emenda Constitucional 42/03, ou seja, dois anos depois da lei ordinária que alterou essa regra.

“O que vai se debater é se é constitucional essa mudança ter ocorrido em 2001, antes da emenda constitucional. Em tese, uma emenda não torna constitucional uma lei anterior a ela. Seria necessária uma nova lei após essa emenda”, afirma Doniak Junior.

O segundo recurso com maior estimativa de impacto na arrecadação é o RE 816830, com repercussão geral reconhecida no Tema 801, também pautado para 5 de maio. O STF analisará a constitucionalidade da cobrança de 0,2% sobre a receita bruta, também em substituição à tributação sobre a folha de salários, do produtor rural pessoa física a título de contribuição ao Serviço Nacional de Aprendizagem (Senar) rural. Neste caso, a estimativa é de impacto de R$ 0,9 bilhão em um ano e R$ 4,7 bilhões em cinco anos sobre a arrecadação.

Marcelo Scalambrini afirma que o Senar foi criado em decorrência de uma imposição constitucional, constante do artigo 62 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Segundo esse dispositivo, o Senar deveria ser criado nos moldes do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e do Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio (Senac), ambos com tributação sobre a folha, e não sobre a receita bruta.

“A discussão é a mesma: o deslocamento da tributação sobre a folha para a receita bruta. Aqui está em jogo também o princípio da isonomia tributária, uma vez que a regra para o Senai e o Senac é diferente”, diz Scalambrini.

Cide-remessas

O julgamento sobre a constitucionalidade da incidência da Cide sobre remessas ao exterior, por sua vez, pode representar um impacto de R$ 3,8 bilhões aos cofres públicos em 2022 e de R$ 17,9 bilhões em cinco anos. Pautada para 18 de maio, a discussão é objeto do RE 928943 (Tema 914) e é uma das discussões mais aguardadas pelos contribuintes este ano.

A tributarista Maira Cristina Santos Madeira, do escritório Abe Giovanini Advogados, afirma que a Cide-remessas foi instituída pela Lei 10.168/00, posteriormente alterada pela Lei 10.332/01, para incidir apenas sobre remessas ao exterior destinadas ao pagamento de contratos relacionados à transferência de tecnologia, com o objetivo de estimular a inovação e desenvolvimento no mercado nacional. Com o tempo, no entanto, a contribuição passou a incidir sobre quase todos os pagamentos enviados ao exterior.

“A Cide-remessas só poderia incidir sobre operações que representem transferência de tecnologia, mas ela ganhou uma amplitude que a torna inconstitucional”, diz Maira.

IR sobre pensão alimentícia

No plenário virtual, na pauta da semana de 4 a 11 de fevereiro, os ministros vão retomar o julgamento da ADI 5422. A ação discute a constitucionalidade da incidência de Imposto de Renda sobre valores recebidos a título de pensão alimentícia. O julgamento, iniciado em março de 2021, está suspenso desde 1º de outubro por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.

Até agora, o placar está a dois a zero para dar provimento à ação do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam) e, com isso, declarar a inconstitucionalidade da incidência do IR sobre pensão alimentícia. Caso seja derrotada nesse processo, a União estima perda de arrecadação de R$ 1,05 bilhão em um ano e R$ 6,5 bilhões em cinco anos.

Multa isolada

O quinto caso pautado no STF com projeção de perda para a União discute a constitucionalidade da aplicação da multa isolada de 50% sobre o valor de crédito tributário objeto de compensação não homologada pela Receita Federal. O risco é de impacto de R$ 3,7 bilhões em cinco anos.

Pelas regras atuais, se o fisco negar o pedido de compensação tributária – isto é, de utilização de um crédito junto à fazenda pública para a quitação de um débito – por entender que o contribuinte não tem direito a esse crédito, a Receita aplica multa de 50% sobre o valor do débito declarado e não compensado. Além dessa multa, incide uma outra, de mora, de 20%, sobre os mesmos valores.

“Os contribuintes alegam em sua defesa que a multa isolada é inconstitucional por eles já terem sido penalizados com a multa de mora. A multa isolada somente deveria ser aplicada quando houvesse a utilização de fraude nessa operação.”, afirma Rejiane Prado, advogada especialista em direito tributário e empresarial do escritório Barbosa Prado Advogados.

O tema será apreciado em julgamento conjunto do RE 796939 (Tema 736) e da ADI 4905, pautados para 1º de junho.

Impacto em cinco anos

Cruzamento de dados realizado pelo JOTA mostra ainda que a União pode perder em arrecadação até R$ 56,3 bilhões em um ano e R$ 806,6 bilhões em cinco anos caso todos os casos tributários no STF listados no anexo de riscos fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2022 sejam de fato pautados.

O recurso com maior risco de repercussão financeira é o que discute o conceito de insumo para fins de creditamento de PIS e Cofins. Trata-se do RE 841979, com projeção de impacto de R$ 472,7 bilhões sobre os cofres da União em cinco anos (veja tabela com todos os casos abaixo).

Caos tributário afeta inflação

Especialista em contas públicas e economista-chefe da RPS Capital, Gabriel Leal de Barros afirma que, embora os valores dos cinco casos já pautados – R$ 8,4 bilhões em um ano e R$ 46,6 bilhões em cinco anos – possam não parecer tão elevados à primeira vista, eles se tornam relevantes quando somados a uma série de outras medidas já anunciadas e de riscos fiscais para a União.

Entre esses riscos estão a prorrogação da desoneração da folha de pagamento de 17 setores, já sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, e a criação de um fundo para compensar grandes variações nos preços dos combustíveis. Este último está em discussão no Congresso Nacional.

Hoje, a meta do governo central já é de um déficit primário de R$ 170,5 bilhões no fechamento de 2022. O resultado primário reflete a diferença entre receitas e despesas do governo, já descontados os valores para pagamento de juros da dívida pública. Assim, se há déficit, isso significa que o endividamento do país cresce, uma vez que sequer os juros foram pagos completamente. O Tesouro projeta que a dívida bruta chegue a 80,1% do PIB em 2022.

De acordo com Barros, uma perda de arrecadação da ordem de R$ 8,4 bilhões em função de processos judiciais pode representar um aprofundamento no déficit primário praticamente desse mesmo valor, uma vez que esse risco não está incluído no cálculo da meta de resultado primário.

“A piora das contas públicas, com o aumento da dívida, é um gatilho que aumenta a percepção de risco sobre o país. Isso afeta o câmbio, a inflação, o poder de compra das famílias, a atividade econômica, o emprego e a renda dos brasileiros”, afirma Barros.

O economista do Itaú Pedro Schneider, especializado em política fiscal, diz que os riscos projetados se somam a perdas de arrecadação que se acumularam ao longo dos anos, como a decorrente da decisão que excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins.

“O sistema tributário brasileiro é tão complexo que gera uma série de esqueletos, com inúmeros processos na Justiça e um estoque de contencioso tributário que tira a produtividade da economia. A saída é ter uma regra clara que sinalize se o governo vai cortar gasto ou aumentar imposto”, afirma Schneider.

Para a tributarista Ana Carolina Monguilod, sócia do i2a Advogados, o caos tributário brasileiro é um jogo de “perde-perde” para todas as partes: contribuinte, fisco e poder público. Da mesma forma que os contribuintes precisam ter segurança jurídica para se planejar, diz, o estado também precisa de previsões realistas de receita e despesa para se organizar.

“O caos tributário e a insegurança jurídica também surpreendem o poder público, que tem perdas inesperadas. E não tem segredo: isso acaba voltando para o contribuinte. O fisco tem ficado cada vez mais agressivo e realizado novas tentativas de tributar e arrecadar”, afirma Ana, que é diretora ABDF (braço da International Fiscal Association no Brasil).

 

Riscos fiscais da pauta tributária no STF em 2022

CRISTIANE BONFANTI – Repórter do JOTA em Brasília. Cobre a área de tributos. Passou pelas redações do Correio Braziliense, O Globo e Valor Econômico. Possui graduação em jornalismo pelo UniCeub, especialização em Ciência Política pela UnB e MBA em Planejamento, Orçamento e Gestão Pública pela FGV. Cursa Direito no UniCeub.