Como Paulo Guedes ajuda Salles a devastar o Brasil

Tosco e truculento, ministro do Meio Ambiente cumpre o papel de “passar a boiada” sobre os biomas nacionais. Mas ao apostar na reprimarização e sabotar investimentos em Ciência e Tecnologia, Guedes destrói ainda mais

Como Paulo Guedes ajuda Salles a devastar o Brasil

Como Paulo Guedes ajuda Salles a devastar o Brasil

Tosco e truculento, ministro do Meio Ambiente cumpre o papel de “passar a boiada” sobre os biomas nacionais. Mas ao apostar na reprimarização e sabotar investimentos em Ciência e Tecnologia, Guedes destrói ainda mais

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CRISE BRASILEIRA

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Por João P. Romero, no The Intercept Brasil

Enquanto vários países elaboram estratégias de recuperação e crescimento verdes, associando crescimento econômico à redução das emissões de gases de efeito estufa, Bolsonaro decidiu seguir em direção oposta no Brasil.

Embora Ricardo Salles seja visto (corretamente) como o maior responsável pela grave situação ambiental que o Brasil atravessa, tem passado despercebido o fato que a política econômica de Paulo Guedes é amplamente desfavorável ao crescimento verde.

A equipe econômica do governo aposta numa estratégia de crescimento pautada na redução do estado e na produção de produtos primários, nos quais o país é mais produtivo, desprivilegiando políticas que incentivam a inovação e a produção industrial de alta tecnologia. Essa aposta, porém, corre sério risco de não só elevar o impacto ambiental da nossa economia como também de desacelerar nosso crescimento.

A política econômica do governo Bolsonaro vai contra cinco importantes pilares da proposta de crescimento verde. São eles:

  • Indústria high-tech
    A política econômica de Paulo Guedes é inteiramente voltada para o aumento da produção primária, mais poluidora, em detrimento de atividades industriais mais limpas e de alta tecnologia. Para entender o tamanho do impacto ambiental das atividades primárias, basta observar que, em 2018, a produção agropecuária brasileira foi responsável por 70% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil (incluídas as emissões por desmatamento), embora com participação direta no PIB de apenas 5%.
  • Investimentos em P&D
    Inovações tecnológicas são cruciais para reduzir as emissões de gases. Para incentivar inovações verdes, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE ressalta, entre outras medidas, o papel central dos incentivos à pesquisa. No Brasil, contudo, em função da política de contenção de gastos, para 2021, está previsto um corte de 32% nos já reduzidos recursos da área de ciência e tecnologia.
  • Infraestrutura
    O aumento da eficiência do uso de recursos depende em grande medida de investimentos em infraestrutura, voltados para a melhoria do uso e tratamento da água, para mudanças no sistema de transporte e para a geração de energia limpa. Nesse aspecto, destaca-se a aprovação do novo marco do saneamento, que promete elevar os investimentos nessa área. Contudo, os cortes sucessivos de investimentos públicos têm prejudicado a melhoria da infraestrutura brasileira, ameaçando até mesmo a reposição da depreciação. O investimento público federal e das estatais federais, que foi de 2,4% do PIB entre 2009 e 2014, caiu para 1,3% em 2019, e deve continuar caindo em 2020 e 2021.
  • Energias renováveis
    A geração de crescimento verde passa também pela constante melhoria da matriz energética rumo a energias limpas. Mas Petrobras, sob o governo Bolsonaro adotou a estratégia de focar esforços na extração, no pré-sal, reduzindo suas atividades em energias renováveis. Essa opção significa caminhar em direção contrária às estratégias das grandes petrolíferas europeias, como BP (Reino Unido), Total (França) e Equinor (Noruega), que estão investindo pesado em energias renováveis. O Brasil seguiu a linha de focar na exploração de combustíveis fósseis em detrimento de energias limpas e da mitigação da mudança climática.
  • Fiscalização ambiental
    A comunidade internacional tem assistido atônita ao aumento das queimadas na Amazônia e no Pantanal, sem que quase nada seja feito para conter esses crimes ambientais. O governo abriu mão do Fundo Amazônia, que colaborava para manter o combate ao desmatamento e, agora, alega falta de recursos para as atividades de controle. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem sido acusado de atuar para dificultar a fiscalização ambiental e, assim como o presidente, tem sido mais aberto às demandas dos mineradores ilegais – atividade altamente poluidora, diga-se de passagem – do que às de ambientalistas e dos indígenas. A proposta de reforma administrativa de Guedes, se aprovada, deverá dificultar ainda mais a atuação independente dos fiscais do Ibama, uma vez que abrirá espaço para maior interferência política nos serviços públicos.

Na contramão do mundo

Estratégias de crescimento verde já vêm sendo adotadas há mais de uma década em diversos países. Alguns exemplos são o plano quinquenal sul-coreano de 2009-2013, o chinês de 2011-2015 e as diretrizes de desenvolvimento verde da Irlanda de 2007-2013. Em particular, destaca-se o programa para crescimento verde da OCDE, iniciado em 2011.

Essas estratégias buscam combinar aumento da produção com redução de emissões de gases por meio de inovações tecnológicas verdes, mudança da estrutura produtiva e da matriz energética e aumento da eficiência no uso de recursos. Essas mudanças levam a ganhos de produtividade, de renda e à geração de empregos de qualidade. A reversão da mudança climática colabora ainda para elevar a produção agropecuária, pois reduz a ocorrência de eventos climáticos que a prejudicam, como enchentes, secas etc.

Diversos estudos têm apontado para a importância de elevar a complexidade da economia, isto é, diversificar a economia e adensar a produção industrial de alta tecnologia como forma de gerar crescimento e ao mesmo tempo mitigar impactos ambientais. Os influentes trabalhos dos professores César Hidalgo, da Universidade de Toulouse, e Ricardo Hausmann, de Harvard, indicam que o aumento da complexidade econômica está ligado ao aumento do crescimento do PIB per capita.

O índice de complexidade econômica capta o conhecimento produtivo presente em cada economia. Nesse sentido, trabalhos recentes têm mostrado que maior diversificação em setores de alta complexidade está também associada a um maior nível de conhecimento relacionado à aplicação de tecnologias mais limpas. Em artigo publicado este ano na revista Research Policy, a pesquisadora Penny Mealy e seu colega Alexander Teytelboym, ambos da Universidade de Oxford, apresentaram evidências que a produção de bens de maior complexidade está associada a mais inovações verdes e a menos impacto ambiental.

Em outra pesquisa semelhante, publicada como texto de discussão do Centro para Economia e Políticas Públicas de Cambridge, eu e Camila Gramkow, pesquisadora da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, a Cepal, apresentamos evidências que o aumento da complexidade econômica conduz à redução da intensidade de emissões de gases de efeito estufa.

Estagnação cinza

A produção industrial de alta tecnologia, as inovações e os investimentos em infraestrutura são cruciais não só para a redução dos impactos ambientais da produção como também para o aumento da competitividade e do crescimento. Ao incentivar a reprimarização predatória e poluidora da economia brasileira, as políticas econômicas do governo Bolsonaro têm prejudicado também nossa produtividade, que apresentou queda de 1% em 2019. Essa queda foi puxada pela redução da produtividade da indústria e dos serviços, enquanto só a agropecuária apresentou ganho.

Somando todos esses fatores às turbulências da política brasileira e do cenário internacional, não surpreende que esteja ocorrendo fuga de capitais do Brasil, e que o investimento externo direto tenha sofrido forte retração em 2020.

Não é possível fomentar inovações verdes, elevar a produção industrial limpa, melhorar a infraestrutura, a matriz energética e a fiscalização ambiental sem políticas ativas do estado. O Green New Deal da União Europeia, por exemplo, irá destinar quase 2 trilhões de euros para fomentar a redução das emissões do bloco.

No Brasil, o estrangulamento dos gastos públicos pelo teto de gastos inviabiliza a adoção de políticas públicas que permitam combinar crescimento acelerado com mitigação da mudança climática. A adoção de uma estratégia de crescimento verde no país passa pela modernização do teto de gastos para permitir algum crescimento real do gasto e para liberar o investimento público.

Na contramão do mundo, o governo Bolsonaro vem mantendo baixos os investimentos públicos, reduziu os recursos para a inovação, relaxou o combate ao desmatamento, incentivou a produção primária e abdicou de elaborar políticas que incentivem produção industrial limpa e de alta tecnologia. Tudo isso colabora, simultaneamente, para a redução do crescimento e para a elevação das emissões de gases de efeito estufa.

Não é exagero afirmar que a política econômica de Paulo Guedes representa hoje a perfeita antítese da proposta de crescimento verde.