“Censura, não!”: mostra do Divulgação marca os 60 anos do golpe de 64

“Censura, não!”: mostra do Divulgação marca os 60 anos do golpe de 64

“Censura, não!”: mostra do Divulgação marca os 60 anos do golpe de 64

CULTURA E ARTE

 

Registro da montagem de ‘Diário de um Louco” (1969): lenço branco na boca marcava trechos censurados da peça (Foto: Divulgação)

 

Uma reflexão sobre a censura imposta pela Ditadura Militar (1964-1985), e um lembrete de que o cerceamento de ideias segue presente na sociedade brasileira. É o que o visitante poderá conferir na exposição “Censura, não!”, que o Grupo Divulgação apresenta na Galeria de Arte do Forum da Cultura da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). A abertura da mostra acontece nesta terça-feira, 19, às 18h30. As visitas poderão ser feitas até o dia 5 de abril, com entrada gratuita. 

A exposição conta com fotografias e maquetes de espetáculos encenados pelo Grupo Divulgação em pleno período ditatorial e que sofreram algum tipo de censura. Outra peça retratada é “O Santo Inquérito”, de Dias Gomes, que sequer chegou a ser encenada pela companhia. “Nós ficamos esperando, encaminhamos a documentação que devia ser enviada para autorizar a montagem e nunca nos deram resposta se poderíamos fazer a peça ou não”, relembra o coordenador do Grupo Divulgação, José Luiz Ribeiro. 

Fundado em 1966, já em pleno regime ditatorial, o grupo sofreu diversos efeitos da repressão: a censura e o pânico se instalavam de variadas formas, como ameaças à integridade física dos atores e cortes sumários em textos. 

 Mecanismos da repressão 

Texto de “Diário de um Louco” com as marcações dos censores está presente na mostra (Foto: Divulgação)

José Luiz Ribeiro relembra histórias reais do período. Em uma apresentação de “A Morta” (de Oswald de Andrade), havia a presença de um agente infiltrado que tentava registrar o espetáculo com um gravador de som. Foi essa montagem de “A Morta” que inaugurou o Teatro do Forum da Cultura, em 1972. 

“Uma das atrizes ‘pulou em cima’ do gravador do rapaz, pegou o aparelho e ele passou por todos os lados. Acabou na cabine de iluminação. Lá, nós desgravamos a fita. Terminado o espetáculo, ele chega com um policial, afirmando que foi assaltado lá dentro. Nós devolvemos e explicamos que não era permitido gravar. No dia seguinte, esse rapaz estava com um estandarte da Tradição, Família e Propriedade (TFP – sociedade anticomunista ativa no período) perto do Cine-Theatro Central”, conta. 

Outro mecanismo de censura era o sufocamento financeiro. Espetáculos previamente aprovados eram proibidos nas proximidades da estreia, quando os artistas já haviam feito investimentos nas montagens e aguardavam o retorno da bilheteria. Foi o que aconteceu quando o Divulgação montou “Diário de um Louco” (de Nikolai Gogol), no Teatro da Casa d’Itália, em 1969. 

Foto da montagem de “Pedreira das Almas” (1977): grupo recebeu ameaças por telefone por conta da peça (Foto: Divulgação)

“É a forma policialesca da censura. O espetáculo foi proibido na hora da estreia. Chegou um policial federal com a ordem. Entramos com vários intercursos e acabamos conseguindo fazer com que a peça fosse liberada com cortes”, conta o coordenador do grupo. A opção encontrada pela direção do espetáculo (assinada por Malu Ribeiro) foi pontuar os cortes no texto com momentos em que o personagem único, vivido por José Luiz Ribeiro, colocava um pano branco sobre a boca. 

A ameaça à integridade física do elenco e do público foi outra face da repressão encarada pelo Divulgação. Em 1977, com a representação de “Pedreira das Almas” (de Jorge Andrade), o grupo passou a receber telefonemas anônimos. “Era uma censura velada, com ameaças de incendiar o nosso cenário – todo feito em jornal”, conta José Luiz Ribeiro. 

Censura no presente

O cerceamento às ideias está demonstrado em instalação da mostra (Foto: Divulgação)

Com olhar sobre a atualidade, a mostra também aponta que o ímpeto censurador segue presente. Uma instalação e recortes de jornal promovem essa reflexão. Entre os casos demonstrados, está o do livro “O Avesso da Pele”, de Jeferson Tenório, que teve recolhimento decretado em colégios públicos de Goiás, Mato Grosso do Sul e Paraná. 

“A censura existe hoje. Nós também vimos o livro da Conceição Evaristo que foi censurado. Agora estamos vendo o Estado retirando livros das bibliotecas. É hora de refletir”, finaliza José Luiz Ribeiro. 

Na avaliação da atriz do Grupo Divulgação e professora do Departamento de Teorias, Fundamentos e Contextos da Faculdade de Comunicação (Facom) da UFJF, Márcia Falabella, a mostra deve ser vista pelas novas gerações – que não vivenciaram a Ditadura Militar. “Uma exposição necessária. Traz os relatos de um tempo. A memória recontando vestígios de um passado que não está tão adormecido como gostaríamos, um tema fundamental para estudantes do Ensino Médio. Muitas informações para uma boa redação”, destaca. 

Espetáculo também marca 60 anos do golpe

Arte: Márcia Falabella

Além da exposição, o Grupo Divulgação prepara o espetáculo “Censura, não!”, que faz um retrospecto sobre a repressão ao pensamento desde a colonização portuguesa no Brasil, até a atualidade. A peça, escrita e dirigida por José Luiz Ribeiro, será apresentada como conclusão do curso de Mergulho Teatral, de introdução ao teatro. Será uma apresentação única, no dia 5 de abril, às 20h, no Teatro do Forum da Cultura. O centro cultural fica localizado na Rua Santo Antônio, 1.112, no Centro

Serviço

Exposição: “Censura, não!”

Local: Galeria de Arte do Forum da Cultura

Endereço: Rua Santo Antônio, 1.112, Centro 

Visitação: até 5 de abril. De segunda a sexta, das 10h às 19h. 

Entrada gratuita

Outras informações: (32) 2102-6306 – Forum da Cultura da UFJF