“A democracia não é importante para a classe média conservadora"

Autor de livro sobre o tema pondera que O Presidente Bolsonaro perdeu apoio nesse setor e é sustentado agora por classes populares

“A democracia não é importante para a classe média conservadora
Campanha “Diretas Já” marcaram luta popular pelo fim da Ditadura, em meados da década de 1980 Foto: Mana Coelho

archa da Família com Deus pela Liberdade. Passeata dos Cem Mil. Diretas Já. Os caras-pintadas. Junho de 2013. Manifestações pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Em todos esses momentos importantes da história brasileira, as classes médias foram às ruas para pressionar por mudanças significativas na ordem política do país.

“As classes médias estiveram em todas as conjunturas decisivas do século XX e também do século XXI”, afirma o professor e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da UERJ, Adalberto Cardoso.

Autor do livro recém-lançado “Classes médias e política no Brasil: 1922 a 2016”, Cardoso utiliza o plural para diferenciar as diferentes classes médias: as mais conservadoras, progressistas, intelectuais, ligada aos militares, entre outras.

Apesar de identificar a influência destas classes em momentos decisivos da história do Brasil desde 1922, o pesquisador aponta que, a partir de 1964, houve uma nova forma de atuação: a ida para as ruas. Na ocasião, a faísca que iniciou o processo foi o risco percebido pela classe média da instauração de um regime comunista no país durante o governo de João Goulart. A reação foi a Marcha da Família com Deus pela Liberdade.

“Ali inauguraram uma forma de atuação que passou a concorrer com a participação política- eleitoral e passou a ser a principal forma de atuação política das classes médias à medida que as eleições passaram a ser de fato competitivas, ou pelo menos um pouco mais competitivas, a partir de 1945”, explica Cardoso.

A ida às ruas variou de objetivo e orientação política ao longo do tempo. A Marcha da Família precedeu o golpe civil-militar de 31 de março. Quatro anos depois, a Passeata dos Cem Mil tentava evitar um endurecimento do regime militar. Em 1984, o movimento das Diretas Já reivindicava que o povo escolhesse o presidente pelo voto. Apesar de ter surgido do sindicalismo e do movimento estudantil, foi apropriado em seguida pela classe média, explica o professor.

Para Adalberto Cardoso, em momentos de grande crise política e econômica, há um movimento em direção às ruas quando as classes médias avaliam a situação como insustentável. Na democracia, isto significa contestar as regras do jogo democrático sempre que os interesses, posições e privilégios de parcelas das classes médias estão em risco.

“O fato de ir às ruas e como elas vão significa em parte que a democracia institucional, para parcelas conservadoras da classe média, não é importante. Todos nós ouvimos em relação ao Bolsonaro: a gente põe ele lá, se ficar ruim a gente tira. Como se essa coisa de ir para a rua e derrubar um presidente fora das regras institucionais da democracia fosse vista como legítima e corriqueira em qualquer lugar do planeta. São parcelas conservadoras e antidemocráticas, sob esse ponto de vista”, afirma.

Questionado sobre a posição das classes médias em relação ao governo do presidente Jair Bolsonaro, Adalberto Cardoso avalia que há uma crescente contestação ao presidente. Segundo o pesquisador, 60% das classes médias votaram no presidente nas eleições em 2018. Mas o cenário mudou:

“A minha percepção é que hoje você tem muito menos classes médias com o Bolsonaro do que contra ele. Hoje, a presença nas bases bolsonaristas deve estar em torno de 20% das classes médias. Ele perdeu bastante penetração ali. O que quer dizer que, hoje, o apoio dele é, sobretudo, nas classes populares”, analisa.

Para o professor, há paralelos entre o realinhamento da base de apoio de Bolsonaro e o realinhamento da base que elegeu o ex-presidente Lula (PT). Em 2002, o petista foi eleito com apoio expressivo da classe média.

No entanto, após o escândalo do mensalão em 2005 e o aprofundamento de políticas de transferência de renda, Lula perdeu apoio na camada média da população e foi reeleito em 2006, em grande parte, devido ao apoio recém-conquistado nas camadas populares.

De acordo com o professor Adalberto Cardoso, Bolsonaro mantém 30% de apoio da população, mas há um movimento parecido com o que aconteceu com Lula: as classes médias saíram em peso e há um deslocamento onde quem o sustenta são as pessoas que estão recebendo o auxílio emergencial.

“Só que esse apoio tem data: o (ministro da Economia) Paulo Guedes já disse que o auxílio não será renovado e essas pessoas vão pressionar, como já estão, para abrir a economia. Com isso, o que teremos é uma mortandade sem precedentes e uma incerteza muito grande, tanto política como social”, avalia.

Por PEDRO AUGUSTO FIGUEIREDO