Três anos sem Marielle
O exemplo de Marielle para construir uma síntese explosiva na busca por uma sociedade emancipada
Três anos sem Marielle
Por RONALDO TADEU DE SOUZA*
O exemplo de Marielle para construir uma síntese explosiva na busca por uma sociedade emancipada
“[regimes] tirânicos: suas razões se explicam pelo aperfeiçoamento do governo (e, com isso, sobre a estabilização de tal governo) [Leo Strauss, Da Tirania]
O filósofo político italiano Norberto Bobbio disse certa vez: “se olhei mais longe foi porque me apoiei sobre os ombros de gigantes”. Ele estava a fala acerca de como conseguiu analisar fatos da vida política, intelectual e cultural de sua sempre efervescente Itália e do mundo no século XX. Que Bobbio não era um homem comprometido com os ideais de esquerda, e por vezes muito pelo contrário como bem demonstrou Perry Anderson em polêmica épica entre os dois, não é nenhuma novidade para aquelas e aqueles que acompanham o debate público, político e acadêmico. Mas sua mensagem deve ecoar com urgência na esquerda brasileira na atualidade e a busca por nossa reconstrução após a “contrarrevolução” e o golpe de 2016 – consolidado pela eleição do grupo bolsonarista no pleito de 2018. Os eventos recentes exigem que nos sustentemos nos ombros de alguns de nossas e nossos gigantes. Jogo político, disputa partidária, judiciário, militares e a universidade de pesquisa. Fatos recentes, não tão recentes, trazem ao proscênio eventos da vida pública nacional que deveriam ser meditados pelas forças políticas, sociais e culturais de esquerda. Na eleição para a “Casa do Povo” conformou-se um amplo bloco de direita para eleger o candidato do grupo de Bolsonaro (com seu projeto de devastação do país); Arthur Lira é um homem do capital agrário. Ocorre que o partido mais “democrata” da nação, o PSDB, convergiu para o requerente do governo. A maioria da bancada do elegante partido apoiou o candidato do planalto. Nas palavras de um dos políticos do partido é que “o governo apresenta, do lado econômico, pautas que se aproximam daquilo que a gente defende […] ainda [que sejam] tímidas”. Estas são observações de Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, que ainda comenta esperar e buscar por ponderação e moderação do governo de Jair Bolsonaro. Sobrepõe-se ou articula-se ao jogo partidário a prisão de Daniel Silveira: deputado da base do grupo bolsonarista. Ele chamou pelo fechamento do Supremo Tribunal Federal incitando o “retorno” do AI-5. Com bravura que lhe é peculiar o tribunal na lavra do destemido Alexandre de Moraes solicitou a prisão do deputado. Com efeito, essa trama farsesca empreendeu-se após a publicação do livro-entrevista organizado por Celso Castro (um dos principais pesquisadores da história militar do Brasil) do CPDOC-FGV, em que o general Eduardo Villas Boas confirma a “exigência” em twitte de 2018 de não se aceitar a impunidade no julgamento do Habeas Corpus de Lula pelo STF. (Neste mesmo 2018 o Exército de Eduardo Villas Boas ocupava o Rio de janeiro, e na mesma quadra histórica Marielle Franco era assassinada por dois ex-policiais militares – milicianos – com quatro tiros na cabeça –; e no mesmo período Daniel Silveira, aquele preso por incitar a “volta” da ditadura militar, quebrava, sorriso ao rosto, com seus joelhos, sempre há joelhos aqui e ali…, uma singela placa em homenagem à vereadora, política e ativista negra. O curioso é que no quarto onde fez o vídeo clamando a volta do AI-5, Silveira, ostenta um quadro com a imagem de caveira cravada com uma faca, símbolo do BOPE no Rio de Janeiro.) Para completar o quadro de nossa farsa violenta, um acionista da Petrobras “evoca” em programa jornalístico televisivo (GloboNews em Pauta) a teoria dos dois demônios demonstrando indignação com o suposto e cínico intervencionismo de governo nos preços dos combustíveis.
Excurso sobre Marielle Franco (Presente!)
Intelectual orgânica; pesquisadora acadêmica; política de esquerda; negra; mulher; lésbica; mãe. Marielle Franco era tudo isso. Resultado contraditório, dialético, imanente e até impensável em uma sociedade como a brasileira. Marielle tornar-se-ia vereadora pelo PSOL-PCB em 2016 alcançando os inesperados 46.502 votos. Seria, fatal e inexoravelmente, uma das grandes personalidades e figuras da esquerda socialista brasileira e do movimento feminista negro radical. Atuante nas comunidades favelizadas do Rio de Janeiro, presente junto às famílias de vítimas da violência policial (o bloco civil-militar-empresarial que continuou a guerra na moldura da constituição de 1988), impulsionadora da causa de mulheres negras periféricas e a ativa política na câmara de vereadores fluminense ecoando Luiz Mahin, Dandara, Tereza de Benguela e Aqualtune – e, por que não, Rosa Luxemburgo e Alexandra Kollontai. Escritora dos de baixo Marielle interpretou sua sociedade, dando continuidade à nossa tradição de formação crítica nas ciências sociais. Sua compreensão sobre o sentido das UPP’s, em pesquisa de mestrado realizado na Universidade Federal Fluminense (UPP-A Redução da Favela a Três Letras: uma Análise da Política de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, 2014) – Marielle foi aluna de ciências sociais na PUC-RJ –, desvela o que é nossa sociedade escravagista (Florestan Fernandes) no cotidiano da cidade. Escrita a partir do melhor da teoria social crítica contemporânea (Ellen Meikisins Wood, David Harvey, Loïs Wacquant), do nosso pensamento nacional (Octavio Ianni, Jacob Gorender, Wanderley Guilherme dos Santos), de pesquisadores de referência na área de desigualdade e políticas públicas (Marta Arretche) e de especialistas nos estudos sobre criminalidade, policiamento de favelas e milícias (Ignácio Cano) – Marielle mobiliza documentos “oficiais” do governo para interpretar a ocupação policial-militar de territórios em que na esmagadora maioria é habitado pela população negra. Nos seus termos instalou-se com as UPP’s um forte e violento “Estado penal, com o objetivo de conter os insatisfeitos ou ‘excluídos’ do processo, formados por uma quantidade significativa de pobres [de pele preta] cada vez mais colocados nos guetos das cidades” (p. 15). Marielle chamava a atenção para algo decisivo no âmbito de nossa história política e social de repressão e exploração dos subalternos; é que as UPP’s forram antecedidas para sua implantação de duas “intervenções” (na Maré) estatal-militar (p. 16): a primeira pelas polícias locais em “30 de março de 2014”, e cumprindo provavelmente o calendário, a segunda se deu em “05 de abril de 2014 pelas Forças Armadas, fazendo valer o decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO)” (Ibidem). O temor preventivo, a mentalidade contrarrevolucionária e a noção de guerra ao inimigo interno de (pela preta) é que tornam figuras e personagens como Marielle Franco inaceitáveis para nossa elite da classe burguesa, nossos conservadores e liberais e nossas instâncias de poder concentrados (judiciário, legislativo, executivo e militar). Há 1000 dias a vereadora negra era exterminada com 4 tiros na cabeça – por dois membros das forças estatais-policiais. São sim, pertencentes ao Estado os milicianos Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, de acordo com o pesquisador e professor José Cláudio da UFRRJ que estuda as milícias enquanto fenômeno social e político brasileiro por mais de 20 anos. Os que executaram cruelmente Marielle Franco são o resultado dos esquadrões da morte criados nos anos 1960 na ditadura militar: e com o aval dessa. Assim como as milícias hoje, herdeira eficiente e aprimorada, os esquadrões da morte eram formados por polícias militares, civis e bombeiros. Não poupemos as palavras; a execução sumária de Marielle foi perpetrada, “portanto”, por agentes (ou ex-agentes, tanto faz parafraseando Paulo Arantes) da polícia militar constituídos pela ditadura de 1964 enquanto força auxiliar – “uma força repressiva e ostensiva”. (Eles tramaram a morte de Marielle Franco por três meses. Acompanhando com regularidade sua vida diária, rotina, locais que frequentava e pessoas com quem falava; Ronnie Lessa foi sistematicamente a casas de internet para planejar a morte da vereadora negra e no dia do assassinato ele e Élcio Queiroz fizeram campana, como gangsteres do Estado que são, na Rua dos Inválidos onde Marielle se encontrava discutindo com suas irmãs de luta, combate e resistência na Casa das Pretas – há método no caos.)
Talvez nenhum intelectual da esquerda brasileira tenha entendido os sentidos da política no país no fim do século XX (e início do XXI) que o ensaísta e filósofo Paulo Arantes. É com espírito de emergência, palavra que compõe seu vocabulário crítico recente, que nos é sugestivo voltar ao seu texto de 2008: 1964, O Ano que Não Terminou (Boitempo). Não é uma resposta padrão ou mesmo um artigo nos moldes da pesquisa acadêmica, como indica Paulo no rodapé o texto emerge a partir de outros textos. E mais: inserido no volume organizado por Edson Teles e Vladimir Safatle que tem como titulo-pergunta O Que Resta da Ditadura?, o argumento de Paulo é histórico-epocal. Não é à ditadura que devemos questionar acerca da permanência e vestígios, mas o significado mesmo de 1964. Na sequência gloso esta intervenção de Paulo Arantes à luz dos eventos recente (sem trazê-los à feitura composicional do texto). Antes, uma brevíssima história intelectual.
Formado na passagem da segunda para a terceira geração do departamento de filosofia da USP, Paulo Arantes escreveu um dos principais trabalhos sobre Hegel em nossas universidades. A tese defendida na França nos anos 1970 era uma das pioneiras nos estudos sobre o filósofo alemão. Paulo se juntava ao teólogo Henrique Lima Vaz de Minas Gerais. Mas Paulo diferente de boa parte de seus pares departamentais não é um filósofo profissional (historiador e comentador da filosofia como dizem alguns especialistas) ou mesmo um acadêmico profissional de qualquer tipo[1]. Daí ele ser livre das restrições e limites da universidade – a definição coerente neste aspecto e por justeza é que ele é um intelectual público no sentido dado por Jean-Paul Sartre. (Ele se assemelha a seu símile anglo-saxônico: o historiador Perry Anderson.) Se nos anos 1990 se consolida o perfil de homem público das letas de quando se aposenta da carreira de professor do departamento de filosofia da USP, já no período anterior Paulo Arantes explicitava qual seria seu estilo de atividade. Assim, caso queiramos compreender essa circunstância peculiar de sua trajetória é preciso voltar nossas atenções para a obra Ressentimento da Dialética. Todo o entendimento existencial de Paulo está contido neste longo e denso ensaio sobre vida intelectual pública, dialética como expressão da crítica negativa e história das ideias (nacionais). Com uma prosa erudita orientada pelo melhor da tradição marxista, o que vemos nessa obra maior (a principal e mais importante, talvez de Paulo Arantes) é o comprometimento radical do “homem de lettres, o écrivain” com as causas dos de baixo. A “loguacidade digressiva” do revolucionário, articulada à “dialética negativa” enquanto atividade crítica fez de Paulo Arantes personagem presente nos principais debates da esquerda. Mas, ao mesmo tempo seu radicalismo incontido e real rende a ele a alcunha de pessimista – algo que o incomoda sobremaneira. É que a utopia, “o ceticismo organizado”, que dá forma às linhas ensaísticas do Ressentimento da Dialética jamais encontrou espaço prático-político para a expressividade transformadora e insurrecional que acalenta. Ora, é como se mesmo “não sendo” um bolchevique, a Paulo faltassem os “bolcheviques”. Ainda assim, ele não se renderia nos anos recentes à afasia e/ou dissolução da linguagem. Numa palavra: dialética foi (e é) sua modalidade de ação política.
Foi isto que o permitiu em 2008 escrever o ensaio 1964, o Ano que Não Terminou. O que Paulo diz ali e que nos é sugestivo estarmos atentos em nossa atual conjuntura nacional? Ao estar livre dos compromissos e obrigações da profissão acadêmica, Paulo não reverenciava as constrições e os hábitos do campo com seus arranjos de consenso acerca da literatura, o padrão linguístico de abordagem e as imposições no estilo da escrita. Assim, ele pode dizer com afirmação desafiadora que “o corte de 1964 mudaria de vez a lógica da exceção” (p. 207) e mais à frente continua, “à luz dos seus próprios critérios civilizacionais, um padrão evolutivo foi irrecuperavelmente quebrado pelas elites condominiadas [neste anos]” (p. 208). É com se há 58 anos fosse tomada uma decisão sobre as únicas condições de existência possíveis numa sociedade em que fatalmente formar-se-iam figuras como Marielle. Na trilha de Norbert Elias, “reverte-se” (Ibidem) para Paulo o andamento histórico – de fato o golpe era “um verdadeiro processo descivilizador” (Ibidem). Entretanto, há dialética ai. Ocorreu que na descivilização estruturou-se o cenário político da “normalidade de hoje” (p. 2010). Pois, o que dizer da conveniência da Missão do Haiti, das táticas de ocupação territorial da UPP’s, da militarização violenta da segurança pública, do sistema de policiamento privado instaurado Brasil afora, da intervenção de 2018 n Rio de Janeiro e da eleição do projeto-grupo bolsonarista no mesmo ano. Paulo alertava no seu ensaio: “o mundo começou a cair no Brasil em 1964 e continuou ‘caindo para sempre’, salvo para quem se iludiu enquanto despencava” (Ibidem) e ainda despenca com a ilusão de nossas ciências sociais e governos pós-1984 que entoa a política pública como salvação nacional.
Ora não se trata de um argumento simples que está a mimetizar (um decalque ingênuo) a realidade social brasileira e os interesses políticos decantados; o que está em jogo na leitura de Paulo Arantes é como a esquerda compreendeu a “cultura” política difundida em torno ao “efeito do pânico preventivo disparado pela […] [teoria-interpretação] dos dois demônios” (p. 210). (Para quem assistiu à entrevista do conselheiro da Petrobras Marcelo Mesquita na GloboNews em Pauta – 22/02/2021 – e entendeu a weltanschauung ali presente perceberá o que 1964, O Ano Que Não Terminou quer transmitir.) Claro que há sempre a preferência por aquele demônio ao qual por baixo de seu fantasioso cinismo e diatribe está (e esconde-se) o Katechon. No Brasil há iniquidades, os anticristos (pretos e pardos) – que podem formar consciência. Por isso Paulo dirá: “a guerra acabou, a guerra não acabou: tanto faz […]” (p. 211). Mas isto significa, por outro lado que as advertências foram dadas desde o 31 de março de 1964. A sobrevivência da ordem democrática, mesmo aquela que extermina adversários políticos como o foi a caso de Marielle Franco que excursionamos acima está condicionada fundamentalmente pelas “demonstrações inequívocas de convicções moderadas” (Ibidem) por aquelas e aqueles que fizeram parte do lado derrotado na guerra. Com efeito; a partir de 1964 o Brasil, pode-se dizer, foi refundado. E nada revela mais esta condição de nossa história que a leitura que é feita da Constituição de 1988. Trata-se aqui, nos termos do ensaísta da USP, de denunciar com a crítica radical e intransigente as proposições bem pensantes (as tolices de grande parte da esquerda conformista como afirma Perry Anderson) que estão sempre a dizer sobre as necessidades de guardarmos as conquistas e feitos da Carta Cidadã (quem não o faria por aqui?) – e não fazer isto sinaliza aprendizado frágil com a democracia. Pois, aquela havia sido uma negociação consensuada, madura, de uma sociedade reconciliada, de um país que havia aprendido a importância dos direitos, de uma esquerda renovada, responsável: e poderíamos escrever um glossário…
Entretanto, Paulo Arantes talvez escreva sempre na esperança que os mais jovens o leiam – na intenção destes e dos racionalmente sem memória ele propõe uma brevíssima crônica ao qual encontramos a narrativa histórico-política dizer que “o bloco civil-militar operante desde 1964 arrematou o conjunto da obra inaugurando a Nova República com o golpe de veludo, afastando Ulysses Guimarães [bem entendidas as coisas: Ulysses Guimarães!] da linha sucessória de Tancredo, o qual, por sua vez, havia negociado com os militares sua homologação pelo Colégio Eleitoral, de resto, legitimado pela dramaturgia cívica da Campanha das Diretas” (p. 212). Com feito, o que permanece da ditadura então, após “a inovadora Constituição dita cidadã de 1988?” (Ibidem). A resposta é fatal – dialeticamente tudo e nada restam. Tudo – permanecem as forças armadas, a polícia militar e a segurança pública; e a farsa violenta de nossos dias fez agregar as milícias estatais e privadas. Nada – desapareceu o impulso radical, rebelde, profano e revolucionário do horizonte da esquerda. Paulo arremata: “simples assim”. Militarizou-se a segurança pública; medidas provisórias se tornaram técnica de governo; a violência coercitiva é desvelada como garantia do pacto da transição. Ocorre que há no Brasil a pulsação negra, nosso sempre presente momento Marielle, o tumulto diário das classes perigosas. (Sempre se temeu uma Secessão – não há 13% aqui como lembrou Bernardo Carvalho, recentemente – e uma haitização – com estratégias e táticas pós-1917.) Nosso tempo social diz Paulo Arantes, seguindo a trilha deixada por Florestan Fernandes, é o do “paradigma da contrarrevolução preventiva” (p. 218). Assim, mesmo após 1988 o “bloco civil[-empresarial-financeiro-]militar” entendeu desde há muito que sua sobrevivência – seu modo de vida obsceno, seu estilo esnobista, seus lucros “inimagináveis”, sua política realista de faroeste – dependia de transformar a guerra social em normalidade. Esta é a sertralina de aço, acompanhada pela luva de ferro (Conceição Evaristo) para a “ansiedade das camadas proprietárias” (p. 216) no Brasil. Deste modo, a “selvageria da contra-insurgência” (p. 232) contra o inimigo interno (de pele preta) terá aspecto peculiar no continuísmo cotidiano. Formou-se na sociedade de classes brasileira um Estado bifronte: resultado, bem articulado, de 1964®1988/1988®1964: há uma administração estatal para os integrados de sempre (elite burguesa, sem esquecermos do setor dominado e ingênuo da dos dominantes diria Bourdieu, as classes médias) e uma administração estatal para a ralé; um estado organizado no dia-a-dia com vistas a conter o impulso insurrecional dos subalternos e subalternas, e é preciso insistir – de pele preta. Ora, um Estado de exceção, de sítio, autocrático-burguês, necropolítico (todos perenes) e tutti quanti… é necessário entre nós por aqui. O autor de O Novo Tempo do Mundo termina dizendo que os “sinais alarmantes de convulsão [redentora são sempre] possíveis” – e por isso a temporalidade do golpe contínua a rondar com olhos de esguelha (Machado de Assis) e circuito fechado (Florestan Fernandes). O aviso nos foi dado novamente em 14 de março de 2018. Paulo ainda vive e esta prestes a completar 80 anos e acaba de lançar Formação e Desconstrução: uma visita ao Museu da Ideologia Francesa (Ed. 34), livro que muito provavelmente será debatido nos meios intelectuais e políticos; Marielle Franco há três anos foi exterminada por milicianos estatais, mas seu espírito ainda vive com a mesma altives radical, denodo insubmisso e impulso transformador de quando estava entre nós – com a utopia dos campos livres que hão de florescer. Bem entendidas as coisas: é sobre os ombros de ambos que devemos olhar e construir uma síntese explosiva na busca por uma sociedade emancipada.
*Ronaldo Tadeu de Souza é pesquisador de Pós-Doutorado no Departamento de Ciência Política da USP.