O ministro da Justiça chileno, Jaime Gajardo, disse na quinta-feira que, embora as circunstâncias exatas de sua morte "ainda não possam ser esclarecidas", existe a possibilidade de que o Prêmio Nobel de Literatura, Pablo Neruda, tenha sido envenenado. Isso foi indicado depois que os resultados de uma nova autópsia foram conhecidos como parte da investigação de sua morte, que revelou "uma concentração incomum de agentes tóxicos" no corpo do poeta.

"Isso poderia apoiar a hipótese de que ele não morreu de causas naturais", disse Gajardo durante uma coletiva de imprensa após seu encontro com os parentes de Neruda. A investigação judicial busca esclarecer as circunstâncias de sua morte, ocorrida em 23 de setembro de 1973, dias após o golpe de Estado liderado por Augusto Pinochet que derrubou o presidente Salvador Allende. Além de poeta, Neruda foi um proeminente militante do Partido Comunista Chileno. "É essencial que realmente saibamos o que aconteceu", insistiu o ministro.

A justiça chilena reabriu a investigação em fevereiro do ano passado para determinar se o escritor morreu do câncer de próstata avançado de que sofria ou se foi assassinado pela ditadura. A Primeira Câmara do Tribunal de Apelações de Santiago, composta pelos juízes Maritza Villadangos, Elsa Barrientos e Jorge Gómez, ordenou a reabertura do caso e a realização de sete processos que "poderiam contribuir para o esclarecimento dos fatos", segundo a decisão.

Entre eles, um relatório pericial de caligrafia sobre a certidão de óbito, a revisão das conclusões do painel internacional de especialistas das universidades de McMaster e Copenhague e o interrogatório do médico e ex-oficial do Exército, Eduardo Arriagada Rehren, condenado em 2021 pelo assassinato do radialista e militante comunista Archivaldo Morales.

Remova a lápide

A juíza Paola Plaza encerrou o caso em setembro de 2023 e rejeitou sua reabertura em dezembro do mesmo ano. No entanto, tanto a família do poeta quanto o Partido Comunista apelaram da decisão, fazendo com que o caso fosse reaberto. "A unanimidade da decisão é um endosso do nosso recurso. Conseguimos remover a lápide que eles queriam colocar nesta investigação. Estamos lutando há 14 anos para esclarecer a morte de Neruda", disse a advogada da família, Elizabeth Flores.

"A verdade leva tempo, mas chega. Este é um grande passo na justiça que há anos exigimos para o meu tio Pablo", disse um dos sobrinhos do poeta, Rodolfo Reyes. Por sua vez, a sobrinha-neta do poeta, Paola Reyes Salas, comemorou o avanço judicial, ressaltando que o processo está agora "em uma posição muito diferente para esclarecer a verdade sobre as circunstâncias de sua morte", após anos de trabalho. "Este partido pode afirmar que foi um assassinato", disse ele.

A teoria do envenenamento foi promovida pela primeira vez por Manuel Araya, motorista e secretário pessoal de Neruda, que morreu em junho de 2023 e foi uma das últimas pessoas a vê-lo vivo. Seu testemunho foi fundamental para a denúncia apresentada pelo Partido Comunista em 2011, com o apoio da família.

Quase 15 anos depois, a causa contou com a intervenção de três painéis internacionais de especialistas, e deu uma guinada em 2017, quando o segundo grupo de especialistas descartou o câncer como causa de morte e encontrou em um dos molares do poeta a bactéria Clostridium botulinum, causadora do botulismo, uma infecção grave que afeta o sistema nervoso e pode causar a morte.

Em 2023, um terceiro painel — formado por cientistas das universidades de McMaster (Canadá) e Copenhague (Dinamarca) — concluiu que essa bactéria estava presente no corpo de Neruda no momento de sua morte. Especificamente, eles detectaram na polpa de um molar a cepa ALASKA E43 de Clostridium botulinum, identificada como a causa de sua morte. Para a família, esta é uma prova irrefutável de que ele foi envenenado na clínica.

"Pinochet foi o responsável"

Neruda, autor de "Vinte poemas de amor e uma canção desesperada" e uma figura importante na diplomacia chilena, morreu um dia antes de partir para o exílio no México, na Clínica Santa María, em Santiago. De acordo com a certidão de óbito, datada de 24 de setembro de 1973, ele morreu de câncer de próstata metastático. No entanto, o documento foi assinado pelo médico Roberto Vargas Salazar, que não estava presente na clínica no momento da morte ou nas horas seguintes.

Exames laboratoriais revelaram que o poeta sofria de uma infecção urinária grave, aparentemente mal tratada, mas que não justificaria uma morte tão súbita. Além disso, Neruda não foi internado em terapia intensiva e recebeu apenas medicamentos administrados por sua esposa. "O responsável pela morte de Neruda foi Pinochet", disse Rodolfo Reyes ao Página/12, antes de acrescentar que "eles o mataram porque ele era uma ameaça ao regime".

Reyes também questionou a validade da certidão de óbito. "É falso e fraudulento, assinado por três pessoas diferentes. Um suposto Dr. Price apareceu na Clínica Santa María, que não existe, não tem ficha médica e ninguém o conhecia lá. Com todas essas evidências, e agora as evidências científicas, não tenho dúvidas de que houve intervenção de terceiros", concluiu o sobrinho do poeta.