Entenda o esquema que deixou 10 mil crianças indígenas sem remédios
Desassistidas, crianças indígenas Yanomamis chegaram a expelir vermes pela boca, após esquema desviar remédios em contrato de R$ 3 milhões
Entenda o esquema que deixou 10 mil crianças indígenas sem remédios
Desassistidas, crianças indígenas Yanomamis chegaram a expelir vermes pela boca, após esquema desviar remédios em contrato de R$ 3 milhões
Reprodução/MPF
Em sua página no Facebook, o empresário bolsonarista Roger Henrique Pimentel publica ininterruptamente uma série de posts moralistas, expondo políticos que “roubam milhões” e denunciando aqueles que tiram dinheiro “de quem está morrendo nos hospitais”. Recheadas de informações falsas e distorcidas, as publicações parecem não dar trégua à corrupção: anseiam por um país livre de “bandidos”, nem que seja por intervenção das Forças Armadas.
O mesmo Roger Henrique Pimentel foi alvo na última quarta-feira (30/11) de operação da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF) contra esquema de desvios de medicamentos destinados a indígenas Yanomamis, no âmbito de um contrato de R$ 3,483 milhões com o governo federal.
Por conta do esquema, mais de 10,1 mil crianças indígenas Yanomamis ficaram sem remédios contra verminoses e malária. A situação resultou em uma epidemia de infecções, manifestações de forma graves de doenças e menores expelindo vermes pela boca. O desabastecimento fez com que um dos hospitais próximos à região recebesse cerca de 300 meninos e meninas da etnia, em menos de 15 meses, com destrunição e malária. As imagens são assustadoras.
Esquema ocorreu no âmbito de contrato de R$ 3 milhões com o governo federalReprodução/ MPF
O esquema identificado resultou no desabastecimento generalizado de medicamentos essenciais nas unidades de saúde da Terra Indígena YanomamiReprodução/ MPF
Mais de 10 mil crianças indígenas ficaram desassistidas por conta de esquema de corrupçãoReprodução/ MPF
Relatos indicam que crianças expeliram vermes pela boca
Esquema ocorreu no âmbito de contrato de R$ 3 milhões com o governo federalReprodução/
A associação criminosa investigada pela operação da PF, batizada de Yoasi, é formada por empresários e servidores do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (Dsei-Y). A ação cumpriu 10 mandados de busca e apreensão em Roraima.
Pimentel é sócio-administrador da Balme Empreendimentos, antiga Quantum Empreendimentos em Saúde. Criada em 2016, a companhia já recebeu R$ 3,492 milhões do governo federal, segundo dados do Portal da Transparência. A empresa tem quatro contratos com o Dsei-Y, entre 2020 e 2022.
Um desses contratos, firmado em setembro do ano passado, resultou na operação policial. O MPF aponta fraude em licitação, corrupção passiva e ativa, admissão de vantagem ilegal, inserção de dados falsos em sistema informático e associação criminosa. Em síntese, a empresa de Pimentel ofereceu preços inexequíveis para ganhar a licitação e, em seguida, pagou propina a funcionários públicos para atestarem falsamente a entrega dos medicamentos.
“A empresa contratada para fornecer o vermífugo albendazol entregou o fármaco em quantitativo bastante inferior ao que constava em nota fiscal”, detalhou o MPF, em recomendação enviada ao Ministério da Saúde para intervir no Dsei-Y.
O contrato previa o fornecimento de 60 mil frascos de 10ml de albendazol e de 80 mil comprimidos do remédio, usado do tratamento de parasitas e vermes, mas boa parte não foi entregue. Ao contrário, a Balme destinou apenas uma “parcela ínfima” do combinado. Acredita-se que a mesma prática ocorreu com outros dos 95 medicamentos licitados, como aciclovir, ácido fólico, ácido valpróico, amoxicilina, cefalexina, cetoconazol, clorexidina digluconato e lidocaína.
Desvid-19
Não é a primeira vez, contudo, que Pimentel se envolve com maracutaia. Em outubro de 2020 o empresário foi alvo de uma outra operação da PF, a Desvid-19. A ação tinha o objetivo de desarticular esquema suspeito de desviar até R$ 20 milhões do dinheiro da Saúde destinado à Covid-19 em Roraima.
Na ocasião, a Controladoria-Geral da União (CGU) identificou diversos indícios da prática de sobrepreço e superfaturamento nas contratações, realizadas pela Secretaria Estadual de Saúde de Roraima (Sesau), para aquisição, dentre outros itens, de equipamentos de EPI e testes rápidos para detecção do novo coronavírus. A Balme Empreendimentos, que na época chamava Quantum Empreendimentos em Saúde, teria sido favorecida em licitação fraudulenta.
Os investigadores chegaram a apontar uma ligação entre Pimentel e o senador Chico Rodrigues (União-RR), então vice-líder do governo no Senado – que escondeu R$ 33 mil na cueca com a chegada de policiais federais em sua casa. O parlamentar foi identificado como o líder do esquema que desviava recursos da pandemia da Covid-19. “Foi possível concluir pela existência de uma relação hierárquica, estando o senador Chico Rodrigues no topo, Jean Frank como intermediário, e Roger Pimentel, sócio da empresa Quantum, como o braço operacional”, detalhou relatório da Polícia Federal.
Jean Frank Padilha Lobato é ex-deputado estadual de Roraima e, segundo a PF, o verdadeiro dono da Quantum Empreendimentos e o “operador” de Chico Rodrigues. Em dois anos, ambos trocaram mais de 3,5 mil mensagens no WhatsApp. Nos diálogos, Jean Frank chega a chamar o senador de “chefe”.
Para atestar que o ex-deputado seria o verdadeiro proprietário da Quantum, a PF apreendeu documento que evidencia que, no momento da divisão dos lucros da empresa, Jean Frank recebe 2/3 do lucro, Roger Pimentel recebe 1/3, e Vladimir Pinheiro Alves Neto, ex-sócio, é relacionado como uma “despesa”, de valor ínfimo. Insatisfeito por nunca ter sido ouvido, hoje Vladimir tem um processo no Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR) para se retirar da sociedade.
O Metrópoles apurou também que Jean Frank, quando deputado na Assembleia Legislativa de Roraima (ALRR), tinha Pimentel como um de seus assessores.
O empresário demonstra ter forte influência na política do estado. Tanto sua ex-esposa, que hoje tem ações na Justiça contra o empresário sobre o pagamento de pensão e medidas protetivas, quanto a atual dele, tiveram cargos na Assembleia Legislativa de Roraima. Já a cunhada dele foi assessora do senador Chico Rodrigues.
Outro lado
À reportagem do Metrópoles Jean Frank confessou que Pimentel foi seu amigo, “mas não é mais” – apesar de ambos ainda interarigem no Facebook. Disse também que não tem nada a ver com a Balme Empreendimentos e que, “graças a Deus”, não tem envolvimento nenhum com o esquema investigado na operação que desviou medicamentos de crianças indígenas Yanomamis. “Já tive relação com o senador Chico Rodrigues. Eu apoiei ele, como devo apoiar ele na próxima”, afirmou, ao limitar a relação entre os dois apenas em pleitos eleitorais.
A assessoria do senador Chico Rodrigues afirmou que o parlamentar nunca esteve em reunião com Pimentel, mas não se manifestou em relação a Jean Frank. Procurado por telefone e por mensagens de aplicativo, o empresário bolsonarista não se respondeu nem retornou os contatos da reportagem. O espaço segue aberto.