Desde 1934, só em ditaduras Brasil não teve gasto mínimo com educação

Especialistas e gestores afirmam, no entanto, que o fim do mecanismo acentuaria a redução nos gastos públicos a despeito dos desafios para a garantia desses direitos.

Desde 1934, só em ditaduras Brasil não teve gasto mínimo com educação


Desde 1934, só em ditaduras Brasil não teve gasto mínimo com educação

 

Os ministérios da Educação e da Saúde não responderam questionamento da reportagem sobre a proposta

Prédio do Ministério da Educação

Paulo Saldaña

Vigente desde 1934, o piso mínimo de investimento em educação só foi suprimido em períodos de ditadura: na do Estado Novo, em 1937, e na militar, em 1967.

 


A versão preliminar da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial prevê a extinção dos valores mínimos a serem aplicados em educação e saúde. O texto tem apoio do governo Jair Bolsonaro (sem partido) e está no âmbito da tentativa de viabilizar uma nova rodada do auxílio em

Especialistas e gestores afirmam, no entanto, que o fim do mecanismo acentuaria a redução nos gastos públicos a despeito dos desafios para a garantia desses direitos.

ergencial em meio à pandemia.

O argumento dos defensores é de que a vinculação gera ineficiência e, sem ela, gestores teriam mais autonomia para aplicar os recursos.

 

Na educação, o piso apareceu pela primeira vez em 1934. Foi suprimido na Constituição de 1937, com a ditadura do Estado Novo (1937-1945). Retornou na Carta Magna de 1946 para ser novamente extinto na Lei Maior de 1967, durante a ditadura militar (1964-1985).


Em 1969, foi restabelecida a vinculação para os municípios e, em 1983, estendida novamente a todos os entes federados. A Constituição de 1988 aumentou a exigência para a União de investimento em educação para 18% da receita, mantendo para estados e municípios os percentuais de 25%.


No caso dos serviços de saúde, o piso é de 12% para estados, e 15% para prefeituras.

A procuradora Elida Graziane Pinto considera inconstitucional a retirada dos pisos porque o direito à educação e à saúde são cláusulas pétreas da Constituição.


“Tirar os pisos de saúde e educação é inviabilizar o financiamento dos principais direitos sociais, é a negação da razão de ser do estado”, diz ela, do Ministério Público de Contas junto ao TCE (Tribunal de Contas do Estado) de São Paulo. Segundo Elida, o fato de esses dois direitos sociais terem piso de custeio é uma forma de a Constituição dizer o que é inegociável.


“Podemos aprimorar os gastos com aderência a planejamentos setoriais, mas não extinguir os pisos. É como extinguir o FPM [Fundo de Participação dos Municípios] e FPE [Fundo de Participação dos Estados, que garantem a forma federativa do estado, outra cláusula pétrea], o que é inimaginável”, diz.

“Somente as constituições autoritárias tiraram o piso da educação”, completa. “Será uma terra arrasada entregue para gestores que só querem inaugurar placa, fazer asfalto e, em última instância, fazer o que traz voto em curto prazo.”


Ela ainda ressalta que, mesmo com um enfoque de curto prazo, a PEC Emergencial é ruim para o SUS (Sistema Único de Saúde) e também não garante o custeio de leitos de UTI em meio à pandemia.

Os ministérios da Educação e da Saúde não responderam questionamento da reportagem sobre a proposta. A ideia de um piso unificado para as duas áreas também ressurge, o que é considerado prejudicial sobretudo à educação.


O professor da USP Daniel Cara diz que a PEC faz parte de uma lógica estabelecida com o teto de gastos, estipulado por uma emenda à Constituição de 2106.

“Com a emenda do teto, congela os recursos e, como não consegue congelar despesas de custeio, reduz o investimento”, diz ele, vinculado à Campanha Nacional pelo Direito à Educação.


O jornal Folha de S.Paulo mostrou na última semana que os investimentos do MEC nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro chegaram ao menor volume da década. O dinheiro de custeio também caiu.


“Não tem expansão de escolas, de universidades, constrange a demanda e depois começa a reduzir o custeio, com reforma administrativa que vai desatender a população brasileira”, diz.


“Para o futuro, representa nenhuma expansão e cada vez mais avanço do sistema privado. O resultado é exclusão social e prejuízo à saúde. Ignorância e morte.”


Nota do Movimento Todos Pela Educação alerta que a mudança levará a uma “redução substancial” dos gastos com educação e inviabiliza a implementação do Fundeb. Renovado e ampliado no ano passado, o Fundeb é o principal mecanismo de financiamento da educação básica. Ele responde por 63% dos gastos vinculados à educação.


“Os recursos da educação precisam ser protegidos de pressões de curto prazo e do populismo. Uma demonstração do risco iminente é justamente a execução orçamentária e repasses da União, cada vez menores e inconstantes na atual gestão federal.”


Vitor de Angelo, presidente do Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação), aponta que a medida seria “um completo desastre” para a escola pública. Representaria ainda uma “enorme contradição”, uma vez que o Congresso aprovou o novo Fundeb no fim do ano passado -o novo formato do fundo prevê aumento dos recursos para a área.


“A educação já é subfinanciada na comparação com outros países e, diante desse cenário, em que o esforço esperado é superar isso, aprovar o fim do piso é desordenar completamente as fontes de financiamento”, diz.
Mesmo com o piso constitucional, vários estados, entre eles o de São Paulo, incluem gastos de aposentadorias como se fossem para a educação. O STF (Supremo Tribunal Federal) vetou a prática no ano passado.


O Brasil tem um gasto por aluno que não chega à metade da média dos países ricos. Além de forte desigualdade, manutenção de escolas precárias, jornadas curtas de aulas e resultados deficientes de aprendizado, o país convive com forte exclusão escolar.


São mais de 6 milhões de crianças de até 3 anos fora da creche. Entre jovens de 15 a 17 anos, idade para o ensino médio, a exclusão atinge 676.509 pessoas.


A proporção de adultos com ensino superior no Brasil é uma das piores do mundo, atrás de países como México, Argentina, Colômbia, Chile e Turquia. No Brasil, 14,3% dos adultos entre 55 e 64 anos têm ensino superior, o que chega a 21,3% na faixa etária entre 25 a 34 anos.

No México, por exemplo, a proporção entre os mais velhos é até menor que no Brasil, mas chega a 23,6% na faixa etária de 25 a 34 anos. É de 29,9% na Colômbia, nesse mesmo intervalo de idade, de 33,7% no Chile, 35,3% na Turquia e de 40% na Argentina.


Nos bastidores, a equipe econômica apoia a desvinculação dos pisos sobre saúde e educação. Na avaliação do governo, o Congresso precisa assumir com mais ênfase a condução do Orçamento.


O governo defende a aprovação da PEC com o discurso de que representa o que chama de “protocolo fiscal futuro”, que inclui desindexações e desvinculações obrigatórias do Orçamento e compromissos de responsabilidade fiscal.


Desde 2018, o cálculo do piso para saúde e educação para a União é com base no valor desembolsado em 2017 corrigido pela inflação do período. Para 2021, estima-se R$ 123,8 bilhões para a saúde e R$ 55,6 bilhões para educação.

As informações são da Folhapress