A China é maior, aceite isso

A China é maior, aceite isso

A China é maior, aceite isso

A China não é a União Soviética: já é a maior economia do mundo e tem relações com muito mais países. A "nova Guerra Fria" não será como a anterior. Por Dean Baker | 

 

CEPR – Tradução de Pedro Marin para a Revista Opera

Por

 Pedro Marin
(Foto: USDA / Lance Cheung)

Já é um padrão que políticos, repórteres e colunistas se refiram aos Estados Unidos como a maior economia do mundo, e à China como a segunda maior. Suponho que essa afirmação seja boa para o ego dessas pessoas, mas ela não é verdadeira. Quando medida pela paridade de poder de compra, a economia chinesa passou a dos EUA em 2014, e hoje é cerca de 25% maior do que ela [1]. O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê que a economia da China será cerca de 40% maior até 2028, o último ano de suas projeções.

Produto Interno Bruto (PIB): Paridade de Poder de Compra. (Fonte: FMI)

A medida que os que que tentam engrandecer os EUA usam é a de taxa de câmbio, que usa o PIB dos países em suas próprias moedas e então converte essas moedas em dólares, levando em conta a atual taxa de câmbio. Por meio dessa medida, a economia dos EUA ainda é mais que ⅓ maior do que a da China.

Economistas costumam preferir a medida de paridade de poder de compra na maior parte dos casos. A medida da taxa de câmbio flutua demais, e taxas de câmbio podem mudar facilmente entre 10 e 15% num ano. Taxas de câmbio também podem ser um tanto arbitrárias, já que são afetadas pelas decisões dos países de tentar controlar o valor de suas moedas nos mercados monetários internacionais.

Por outro lado, a medida de paridade do poder de compra aplica um conjunto comum de preços a todos os itens que um país produz em um ano. Com efeito, isso significa assumir que um carro, um aparelho de televisão, uma educação universitária, etc., custam o mesmo em todos os países. Aplicar preços comuns é uma tarefa difícil, já que bens e serviços variam substancialmente entre os países, o que torna difícil aplicar um só preço. Como resultado, a medida de paridade de poder de compra claramente tem um grande grau de imprecisão.

Apesar disso, é evidente que essa é a medida que, na maior parte dos casos, nos interessa mais. Se queremos saber a quantidade de bens e serviços que um país produz anualmente, nós precisamos usar um mesmo conjunto de preços. Por meio dessa medida, não há dúvidas de que a economia da China tanto é maior do que a dos EUA como também cresce muito mais rapidamente.

Para ser claro: isso não significa que o povo chinês seja, em média, mais rico do que o povo dos EUA. A China tem cerca de quatro vezes a população dos EUA, de forma que, por uma medida per capita, os EUA ainda são mais de três vezes mais ricos que a China. Mas não deveria ser um choque para nós que um país com mais de 1,4 bilhões de pessoas tenha uma economia maior do que um país com 330 milhões.

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Para aqueles que ainda não estão convencidos, nós podemos fazer comparações com vários itens. Nós podemos começar com a produção automobilística, uma medida padrão da capacidade de produção. No último ano, a China produziu mais de 27 milhões de carros, e os EUA produziram um pouco menos que 10,1 milhões. (A China também lidera o mundo em termos de produção e uso de carros elétricos). Os carros feitos nos Estados Unidos sem dúvidas são melhores na média, mas eles teriam que ser muito melhores para compensar essa diferença.

Para usar uma medida mais antiga, a China produziu mais de 1.03 bilhões de toneladas métricas de aço em 2021. Os EUA produziram menos que 90 milhões de toneladas métricas.

A China gerou 8.540.000 gigawatt-horas de eletricidade em 2021, aproximadamente o dobro dos 4.380.000 gigawatt-horas gerados nos EUA. A diferença é ainda maior se olharmos à produção de energia solar e eólica. A China tem 307.000 megawatt-horas de capacidade solar instalada, comparado a 97.000 dos Estados Unidos. A China tem 366.000 megawatt-horas de capacidade eólica instalada, contra 141.000 dos EUA.

Nós podemos também usar algumas medidas modernas. A China tem 1,05 bilhões de usuários de internet. Os EUA têm 311 milhões. A China tem 975 milhões de usuários de smartphones, enquanto os EUA têm 276 milhões. Em 2016, a China formou 4.7 milhões de estudantes nas áreas de Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática (CTEM). Nos EUA, o número foi de 330 mil no mesmo ano. As definições de formados CTEM não são as mesmas, então os números não são absolutamente comparáveis, mas seria difícil sustentar o argumento de que o número dos EUA foi de alguma forma maior. E o número quase certamente mudou mais a favor da China nos últimos sete anos.

Em termos de impacto na economia mundial, a China representou 14,7% das exportações de bens em 2020. Os Estados Unidos representaram 8,1%. Nos primeiros nove meses do ano passado, a China foi responsável por 90 bilhões de dólares em investimentos estrangeiros diretos. Isso se compara a 66 bilhões de dólares dos Estados Unidos.

Podemos trazer mais estatísticas, mas, categoria após categoria, a China supera os Estados Unidos, e muitas vezes por uma margem muito grande. Se as pessoas quiserem colocar seus bonés “MAGA” (Make America Great Again) e insistir que os EUA ainda são a maior economia do mundo, elas podem fazê-lo, mas Donald Trump perdeu a eleição de 2020, e a economia da China é maior.

Tamanho importa

A questão aqui não é apenas o direito de se gabar. A China é claramente uma concorrente internacional do ponto de vista econômico, militar e diplomático. Muitos querem adotar uma abordagem de confronto com a China, com a ideia de que podemos, como estadunidenses, isolar o país e desgastá-lo militarmente, como supostamente fizemos com a União Soviética.

Em seu auge, a economia soviética tinha aproximadamente 60% do tamanho da economia dos Estados Unidos, e a economia da China hoje já é 25% maior. E essa diferença está aumentando rapidamente. A China também está muito mais integrada à economia mundial do que a União Soviética jamais esteve. Isso torna a perspectiva de isolar a China muito mais difícil.

Na prática, não importa se gostamos ou não da China. Ela existe, e não está prestes a desaparecer. Precisamos encontrar maneiras de lidar com a China que não levem a um conflito militar.

Idealmente, encontraríamos áreas onde EUA e China podem cooperar, por exemplo, compartilhando tecnologia para lidar com a mudança climática e lidar com pandemias e outras ameaças à saúde. Mas, se alguém quiser seguir a rota da Nova Guerra Fria, deve pelo menos estar ciente dos números. Esta não seria a Guerra Fria de seu avô.

Pedro Marin

27 anos, é editor-chefe e fundador da Revista Opera. Foi correspondente na Venezuela pela mesma publicação, e articulista e correspondente internacional no Brasil pelo site Global Independent Analytics. É autor de "Golpe é Guerra - Teses para enterrar 2016" e co-autor de "Carta no Coturno - A volta do Partido Fardado no Brasil.