Memórias de um Jornalista Brasileiro Exilado

O autoritário Estado brasileiro tem produzido idiotas em massa, e alguns refugiados. Minha entrevista ao Grupo El Deber da Bolivia retratou o drama pessoal, e o que vem ocorrendo no Brasil atualmente

Memórias de um Jornalista Brasileiro Exilado
O autoritario Estado brasileiro tem produzido idiotas em massa, e alguns refugiados. Minha entrevista ao Grupo El Deber da Bolivia retratou o drama pessoal, e o que vem ocorrendo no Brasil atualmente


Edu Montesanti

Drama, reabertura de feridas e muita descontração. Esta mescla de sentimentos resume minha longa entrevista, na quarta-feira passada (8), à jornalista Linda Gonzales da Radio El Deber pertencente ao conservador Grupo El Deber da Bolívia - o jornal El Deber é o maior do país andino, equivalente estilistico e dimensional ao jornal O Estado de S. Paulo.

Definitivamente, foi a ultima vez que relatei, de viva voz, todo o drama em serie que me fez deixar o Brasil ha dois anos.

Vencer ou Morrer

Uma feroz e longa serie de dramas pessoais no Brasil atraves de forte repressao estatal, o encerramento da Revista Caros Amigos, o assassinato brutal da companheira Marielle Franco, a utilizacao do meu trabalho no panfleto de campanha do candidato presidencial Joao Vicente Goulart. Neste contexto, deixei o Brasil em abril de 2018 de forma tambem dramatica, desviando atencoes locais enquanto, em um ficticio Dia D criado por mim, escapava com a bebe e a companheira.

Depois de mim, foram-se do terrorista Estado brasileiro (que nao deixou de se-lo nos anos do Partido dos Trabalhadores no poder, nem de ser o pais dos imbecis embora, naquela epoca, a esquerda brasileira apenas "se esquecia" dos nossos problemas) Jean Willys e Marcia Tiburi, ambos igualmente exilados.

Ha um ano e meio no exilio apos a separacao da companheira que me deixou so com nossa bebe indo embora para longe, e nunca mais voltar ate hoje, veio a derrubada do governo local por um fortissimo movimento de ultradireita que inclui histeria contra socialistas, e qualquer coisa que leve o nome da Russia. "Fora, russos!", tem sido gritado na Bolivia constantemente, cujos cidadaos reacionarios, maioria aqui, veem espioes russos na propria sombra.

Aconselham-me constantemente jamais mencionar, ainda que seja nas ruas para nem se falar na imprensa local, que atuo em meio russo, a Pravda, e menos ainda que sou filiado ao PSoL. O clima esta efervescente em solo boliviano, experiencia dos piores anos da Guerra Fria que eu jamais havia vivido.

Com dois detalhes: na carta solicitando refugio politico em territorio boliviano, ainda em tramite durante a derrocada de Evo Morales, apresento-me nao apenas como jornalista e autor mas tambem como filiado ao brasileiro Partido Socialismo e Liberdade, alem de ser impossivel falar do meu trabalho jornalistico sem associa-lo a Pravda.



Entre o Ceu e o Inferno

Iniciei meus estudos de Jornalismo em 2002 com um objetivo bem claro e fortissimamente determinado: escrever, algum dia, para a Revista Caros Amigos. Minha identificacao e paixao por aquele meio eram extraordinarios. Eu me via como um Caro Amigo, era como parte da minha vida.

Ate que o editor Aray Nabuco aceitou-me, em setembro de 2016, como reporter daquela fantastica revista. Fui a um ceu indescritivel com sua aprovacao, que siginificou uma coroa por tantos anos de esforco e sonhos. A Caros Amigos era um sonho, continua sendo um sonho e sempre sera um sonho na minha vida.

Paradoxalmente, foi aquele o periodo mais dramatico da minha vida, enquanto de maneira particular eu escrevia a Timothy Hinchey, diretor de Pravda Brasil, que temia pela propria vida. Dali em diante, a repressao estatal e uma certa pressao social potencializaram-se ainda mais.

Naquele ano, ja ultrapassavam a dezena o numero de contas de correio eletronico e perfis no Facebook deste autor hackeados e bloqueados. Em uma dessas contas, a intimidacao do hacker: "Se apitar, vai para 7 palmos debaixo da terra!".

Em abril de 2017, a edicao de Caros Amigos que trazia na capa Lula com a inscricao "A Forca Popular", foi atacada nas bancas de jornal da cidade de Sao Paulo. Ao mesmo tempo, na altamente reacionaria regiao Sul do Brasil, que viria a ser o maior reduto eleitoral da besta nazista Jair Bolsonaro nas eleicoes presidenciais de 2018, fomos agredidos a companheira e eu por brucutus, que dias antes haviam manifestado irritacao pela capa da mesma revista em que eu estava presente com reportagem intitulada, justamente, A Era do Odio.

Chamada pelas vitimas de agressao, a Policia simplesmente inverteu os papeis tratando-nos com extrema agressividade, gritando-nos estando a mae, ja vitima de socos, com a bebe de seis meses no colo. Um inferno que apenas se agravava em diferentes partes do Brasil para nos.

A vigilancia e repressao do Estado contra nos deu inicio exatamente em setembro de 2016, ao que ficou bem claro tratar-se tambem de lawfare, as famosas guerras juridicas covardes a fim de oprimir e calar vozes publicas que representam ameaca as elites, usurpadoras do poder.

Setembro de 2016, mes do nascimento da minha filha, no Sul brasileiro. Pai e mae, e apenas desta crianca, negados a ingressar a maternidade a fim de visitar a bebe recem nascida incubada, apos oito meses de gravidez. A mae, consequentemente, impedida do direito humano, da propria mae e da crianca, de amamentar. Tudo isso, em meio a uma agressividade indizivel, assustadora.

Buscados, orgaos como Conselho Tutelar e Ministerio Publico nao apenas negavam-se a solucionar a questao, como criavam mais problemas. Fui aconselhado, secretamente por uma enfermeira, a pegar minha bebe, a mulher e sair daquela cidade "sem dizer nada a ninguem".

Exames negados a bebe. Denuncia negada pelos orgaos acima mencionados. Exame realizado, porem na consulta medica nao interpretado pelo mesmo medico que o havia solicitado. Insistido pela mae da infante para que lesse tal exame, o criminoso da saude publica voltou a negar, e nem sequer abriu o envelope com os resultados. Envelope lacrado levado ao Ministerio Publico e ao Conselhor Tutelar, o mesmo filme de um ano e meio desde que a bebe nasceu: denuncia negada por ambos os orgaos acima mencionados.

E o mesmo de sempre: Ministerio Publico fez com que o pai da bebe assine um oficio comprometendo-se a informar o orgao cada vez que se mude de residencia. O motivo? Nao poderia ser mais cinico: para que o Estado possa "seguir acompanhando a saude da bebe". Desde os primeiros crimes do Estado com essa bebe, foi assim. E o envio do mesmo Conselho Tutelar omisso, para verificar a residencia da bebe. Isso em diferentes cidades, em diferentes estados do Pais.

Junto de uma agressividade que apenas se agravava. De uma tragedia no que diz respeito a saude da bebe, bem direcionada a nos: apenas nos estavamos impedidos de visitar a bebe na materindade sob alegacao de "falta de estrutura para receber pais. Nao ha espaco fisico para isso". Mas outros casais visitavam seus recem nascidos filhos...

Uma serie de ilegalidades inconcebiveis foram praticadas, contra nos, por orgaos acima mencionados. Coercao para assinar papeis (sem timbre nem assinatura dos oficiais, mas apenas do pai da crianca), intimidacao e ameaca, negativa da Policia em efetuar Boletim de Ocorrencia enquanto o Estado atuava em nome "da saude da bebe".

Em resumo, uma recem nascida estava tendo negado seu direito a saude publica. E em nome de sua saude estavam reprimindo e vigiando seu pai, tudo isso registrado em provas sob poder deste pai e autor. Uma dessas provas, assinada pelo proprio Ministerio Publico.

Foi tambem utilizando tais provas, que fiz um imenso barulho as vesperas da saida rumo ao exilio, e criei um Dia D para recuar as partes envolvidas, e distrair suas atencoes. As partes estatais criminosas nao sabiam o que eu tinha em maos, e preocupavam-se com isso. Ate hoje, estao sem saber... E possuo muitos documentos justamente porque jamais recuei, pelo contrario, passei dias e dias de muito drama atras de meus direitos nos mais diferentes orgaos.

Em marco de 2018, quando tive injustificadamente nagada por orgao do Estado brasileiro o registro de jornalista profissional, a companheira Marielle Franco foi brutalmente assassinada por forcas estatais (algo evidente a epoca, hoje mais que comprovado por mais que os bandidos da "Justica" e do Poder Executivo tupiniquins se esforcem para ocultar este fato), e meu trabalho era levado como a propaganda eleitoral do entao candidato presidencial, Joao Goulart "Filho". "Edu Montesanti, jornalista da Pravda da Russia", logo no inicio com o titulo, "Contra um governo golpista, covarde e entreguista", referindo-se a Michel Temer.

Sobre a negativa do Ministerio do Trabalho em me reconhecer como profissional da comunicacao, ainda que eu tivesse apresentado junto do pedido carta de referencia da Caros Amigos, foi, segundo os sindicatos dos jornalistas de dois estados brasileiros diferentes, algo inedito, jamais havia ocorrido antes segundo os lideres sindicais.

O registro, no estado em que eu residia, era o primeiro passo para obter, junto ao Sindicato dos Jornalistas, a credencial de jornalista, que hoje me faz uma falta tremenda no exilio, tanto quanto me fez no proprio Brasil, evidentemente.

A seguir, trechos de comentarios por correio eletronico do funcionario Andre Freire, do Sindicato dos Jornalistas do Estado de Sao Paulo, particularmente sobre o meu caso em nosso contato em setembro de 2018, estando eu ja na Bolivia:

"[Eu] só soube de negativa do Ministério do Trabalho, aqui no Estado de São Paulo, no caso de não comprovação de residência no Estado de São Paulo. Sem depreciações, até um analfabeto já obteve registro profissional de jornalista no Ministério do Trabalho e a Federação Nacional dos Jornalistas foi obrigada, judicialmente, a emitir a carteira da Fenaj para ele. Tratava-se, sem desfeita, de um analfabeto, que mal assinava o nome.

"Consulte , cara a cara, porque seu registro foi negado, pois estão emitindo registro profissional para diplomados, não diplomados, letrados, iletrados, atuantes na profissão ou não. Se emitirem o registro, você poderá solicitar a Carteira da Fenaj [Federação Nacional dos Jornalistas] no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo.

"Porém, só a Superintendência Regional do Trabalho pode esclarecer a razão de terem negado a emissão do registro e corrigir o erro, se houve algum. Ninguém mais. Esclareça isso primeiro."

Diante do cenario nacional e tudo o que me acometia, aquela propaganda era muito linda, muito obrigado, Jango filho, e tchau, tchau! Fomos embora companheira, bebe e eu de maneira dramatica, no que envolveu, requereu um grande "teatro" armado por mim enquanto eu corria contra o tempo, para que pudesse cruzar a fronteira rumo ao exterior.

"Herói de carne e osso, a melhor descrição para um ser humano nobre"

"Herói de carne e osso, a melhor descrição para um ser humano nobre", comentaram nas redes sociais sobre este autor os cidadaos bolivianos Eduardo Descarpontriez, na semana passada. "Algum dia, quando eu contar tudo isso a esta bebe, ela vai se orgulhar do pai que tem", encerrei, desta maneira, a entrevista com Linda Gonzales.

Meu motivo de honra nao se apoia sobre materialismo nem em grau de conhecimento, mas naquilo que todo ser humano deveria se orgulhar de si mesmo: brio e honestidade, a que pesem todas as minhas limitacoes e defeitos.

Por isso tudo, nao tenho duvidas que ambas as frases acima sao verdadeiras, maior tapa na cara dos que tentaram acabar com minha vida jornalistica, e com minha propria vida humana.

Vida que hoje nao pode ser dissociada, nem jamais sera, da Pravda, outra paixao. "jamais deixarei de atuar como jornalista, e seguir adiante com minha linha", afirmei a Linda de El Deber, quando questionado se seguiria ou nao... "Sao dois objetivos hoje: fazer essa bebe crescer educada e saudavel, e manter vivo meu oficio jornalistico", atualmente dividido entre aulas de particulares de idiomas que ministro, venda de doces brasileiros preparados por mim nas ruas de Santa Cruz de la Sierra (com minha bebe), e o proprio oficio jornalistico na trincheira, em pé de luta com o irmão Timothy Hinchey.



Viveremos e venveremos! E que viva a Russia!