O Dois de Julho, as guerras de independência do Brasil e os “vira-latas”

O Dois de Julho, as guerras de independência do Brasil e os “vira-latas”

O Dois de Julho, as guerras de independência do Brasil e os “vira-latas”

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Monumento a Maria Quitéria, heroína da Guerra de Libertação (reprodução)

Os “complexados”, como os descreve Lula, não enxergam o povo em nenhum episódio da história do Brasil. Para eles, tudo foi resolvido em “conchavos das elites” e só “é bom o que vem de fora”

Existem alguns “analistas” que teimam em afirmar que a independência do Brasil foi fruto de acordos de elites, sem a participação do povo. Aliás, não só a independência, eles acham isso sobre quase tudo o que ocorreu na história brasileira.

Segundo esses pseudo-letrados, o povo sempre foi alijado de todas as grandes decisões no país. “Tudo foi resolvido por cima, em acordos espúrios da elite”, dizem. Eles não viram a participação do povo em nada.

MENTES COLONIZADAS

O Dois de Julho, da Bahia, que comemoramos hoje, bem como todas as lutas anteriores dos brasileiros pela liberdade e a independência, são fatos que põem por terra todas essas avaliações distorcidas sobre a realidade brasileira. São avaliações típicas de mentes colonizadas e possuidoras do que o presidente Lula costuma chamar de “complexo de vira-lata”. Para eles, tudo que é feito no Brasil e por brasileiros não presta. Só o que vem de fora é que é bom. Só lá tem herói. Aqui é tudo resolvido no “cambalacho das elites”.  

Ao contrário de tudo isso, não só antes, mas durante e após a conquista da independência, o povo brasileiro foi decisivo em todas as fases da expulsão dos portugueses e na obtenção da liberdade política. Só esses “analistas” é que não viram. Eles, na verdade, não enxergam um dedo à frente de seus empinados narizes.

Em Minas, um ano antes do 7 de Setembro, por exemplo, o povo saiu às ruas depois de eleger um governo provisório e, em passeata, a multidão se dirigiu ao terreno onde Tiradentes havia morado para derrubar o “padrão de infâmia”, mandado erguer ali pelos portugueses, quando da repressão aos inconfidentes. Era muita gente festejando esse momento em que os colonizadores e exploradores começavam a ser enxotados do país.      

A guerra da Bahia, região que junto com Minas e Pernambuco já havia se levantado contra os portugueses, foi encarniçada e envolveu praticamente toda a população local. Ali foi onde os portugueses se acantonaram para tentar retomar o poder no Brasil, depois da derrota do 7 de Setembro.

Muita gente do povo morreu nesta guerra de libertação do país. As Cortes de Lisboa tencionavam dividir o Brasil e cobrar lealdade das regiões contra a administração criada no Rio de Janeiro após a conquista da independência. A Guerra de Independência na Bahia, na verdade, começou dois meses e meio antes do Grito do Ipiranga. Ali havia uma disputa entre apoiadores de Portugal e brasileiros que queriam a liberdade.  

RECOLONIZAÇÃO DO BRASIL

Por meio de decretos, com o intuito de desarticular qualquer iniciativa de implantação de um poder executivo no Brasil, já em setembro de 1821, o governo português alterou o comando militar do Brasil subordinando-o a Lisboa. Além disso, eles determinaram o retorno imediato do príncipe D. Pedro para Portugal.

Nesta ocasião a população do Rio de Janeiro se rebelou e, uma multidão, munida de paus e pedras, cercou as tropas portuguesas que tentavam obrigar a partida do monarca. Durante todos os conflitos, se colocou ao lado do povo, do príncipe-regente e dos interesses libertários do Brasil contra a tentativa das Cortes de Lisboa de recolonização do Brasil, o então major, e depois chege do Exército brasileiro, Luís Alves de Lima e Silva.

Salvador, assim como outras regiões brasileiras, havia apoiado a Revolução liberal do Porto, de 1820, e a convocação das Cortes Gerais em Lisboa. Em janeiro do ano seguinte, enviou deputados como Miguel Calmon du Pin e Almeida na defesa dos interesses locais. Dividiu-se a cidade em vários partidos, o liberal unindo portugueses e brasileiros, interessados em manter a condição conquistada com a vinda da Corte para o país, de Reino Unido, e os lusitanos interessados na volta ao estado de antes.

De um lado, os portugueses estavam trabalhando intensamente para manter o Brasil como colônia, e, de outro, estavam os brasileiros, liberais, conservadores, republicanos e até  monarquistas, todos unidos no interesse comum de lutar pela independência. A guerra na Bahia, como já vimos, se iniciou antes do 7 de Setembro e prosseguiu depois para enfrentar a resistência dos portugueses.  

Ainda em 18 de fevereiro de 1822, já havia ocorrido um confronto encarniçado entre adeptos de Portugal e defensores da independência na Bahia. Após a vitória de um governador pró-Portugal, as tropas portuguesas tomaram um quartel em Salvador. Os marinheiros portugueses festejaram a vitória, atacando casas, pessoas e invadindo o Convento da Lapa onde haviam se refugiado alguns brasileiros. No local houve o cruel assassinato de Joana Angélica. Os brasileiros reagiram com muita indignação contra esse crime covarde.

BATALHA DE PIRAJÁ

Em 8 de novembro de 1822, registrou-se a principal batalha da Guerra da Bahia, conhecida como a Batalha de Pirajá. Os brasileiros em luta receberam o reforço do general Pedro Labatut, militar francês contratado por D. Pedro I para lutar em favor da independência do Brasil. A Brigada do Major José de Barros Falcão de Lacerda, composta por 1 300 soldados de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, que havia repelido três ataques portugueses, ocasionando 80 mortes e deixando outros 80 feridos, vinha mantendo os portugueses cercados.

Em abril de 1823, chegou em Salvador a esquadra real comandada pelo Almirante inglês Thomas Cochrane, bloqueando o porto. Durante a Batalha de Pirajá, ocorre um episódio que influiu no resultado da batalha. O Major José de Barros Falcão, no comando de posição-chave, decide mandar tocar a retirada, mas o corneteiro Luís Lopes, fez o oposto: deu o toque primeiro de avançar cavalaria e, em seguida, o degola: os inimigos, acreditando na chegada de reforços, saíram em debandada e os brasileiros foram vitoriosos na pugna.

Cercados em Salvador, sem abastecimento de gêneros alimentícios e impossibilitados de receber reforços, os portugueses se retiraram na madrugada do dia 1 para o dia 2 de julho depois de saquear tudo o que podiam. Em 2 julho de 1823, os brasileiros entraram triunfantes na cidade. Durante o movimento, que se estendeu por um ano e quatro meses, houve aproximadamente 150 mortes no lado brasileiro. Esta data é comemorada até hoje na Bahia como a vitória na Guerra da Independência do Brasil.  

Caboclo, o símbolo da liberdade. “2 de Julho” transformou-se na maior festa popular pela independência do Brasil (reprodução)

Muitas pessoas se destacaram durante a Guerra da Independência do Brasil. Entre estas pessoas do povo que lutaram, destacou-se Maria Quitéria, uma mulher de Feira de Santana que não descansou enquanto não foi aceita no Exército. Ela disfarçou-se com as roupas do cunhado e então tentou a sorte como voluntária do Regimento de Artilharia utilizando o nome de soldado Medeiros.

Ela conseguiu adentrar ao grupamento e neste grupo militar, Maria Quitéria foi combatente entre o final de 1822 até julho de 1823. Maria Quitéria foi considerada a mais importante guerreira do conflito contra Portugal. Para conseguir se alistar entre os voluntários na guerra, ela pediu o consentimento do pai. Porém teve uma negativa como resposta.

EXPULSÃO DOS HOLANDESES

Esses “analistas” da história do Brasil nunca viram nada, nunca viram a luta do povo em nenhum destes episódios. Tudo, segundo eles, era dado de bandeja pela elite conservadora  e manipuladora. Não viram povo na Bahia e nem em lugar algum. Eles estão muito distantes da realidade concreta. Não viram, por exemplo, a determinação dos brasileiros em expulsar os holandeses quando os portugueses se mostraram incapazes de fazê-lo, no século XVII.

Não enxergaram povo na luta revolucionária para expulsar os invasores. Esta foi a luta onde surgiu o primeiro manifesto falando sobre a “liberdade da nação”.

Os vira-latas não entenderam até hoje que houve ali uma luta profundamente popular que uniu três representantes e líderes das raças formadoras, até então, da nação brasileira. O índio Felipe Camarão, o negro Henrique Dias e o branco João Fernandes Vieira. À revelia dos portugueses, eles venceram, em 1654, a Batalha dos Guararapes e expulsaram os holandeses. É desta batalha heroica, marcante na trajetória do país, que surgiu o Exército Brasileiro.  

Também não viram a luta de Zumbi dos Palmares contra a escravidão. Não viu que ele sacava os escravos do cativeiro e libertava-os através da luta nos quilombos. Eles não viram a batalha hercúlea de Luiz Gama, que não só defendeu os escravos em tribunais, denunciando os crimes de um regime apodrecido e venal, como liderou a luta pela abolição e a implantação da República no Brasil.

A República, então, nem se fala. Para eles, não passou de um golpe, sendo que alguns chegam a chamá-la de uma mera “quartelada”. Toda a vigorosa luta dos republicanos e abolicionistas durante décadas, que empolgou o Brasil, não valeu de nada. “Foi só um golpe das elites, sem povo”, sentenciam os sociológicos de araque.

 

Esses “acadêmicos” colonizados só conseguiram enxergar, e mesmo de forma bastante superficial, as decisões finais, tomadas como desfechos das lutas. Decisões essas que foram tomadas obviamente por governos e autoridades, como foi, por exemplo, o caso da Princesa Isabel no fim da escravatura. É óbvio que ela só tomou a decisão de libertar os escravos quando a escravidão já era insustentável, fruto de toda a luta e do acúmulo anterior conquistado pelos abolicionistas. Só não vê isso, quem não entende nada de política.          

INCONFIDÊNCIA MINEIRA  

O que essa gente fala sobre a Inconfidência Mineira vai também nesta mesma direção. “Não tinha povo. Era só elite”, garantem os “iluminados”. Para eles a luta que uniu toda a intelectualidade, os militares, os estudantes, os comerciantes e a população mineira e carioca, regiões centrais do país naquela época, e que gerou um programa de libertação nacional e o principal herói do país, não tinha povo por trás. Era só um “movimento feito pelas elites”, dizem.  

Não só esses movimentos envolveram intensamente as populações existentes em cada uma dessas épocas, como eles criaram uma linha de continuidade no tempo. E assim, com o registro correto desses acontecimentos, e o sentimento que o povo tem sobre eles, vem se formando a nação brasileira e parte da cultura nacional.

Muitas décadas se passaram desde os Guararapes. Mas os inconfidentes se espelharam no exemplo da luta conduzida pelos “nacionais” daquela época que, à revelia de Portugal, expulsaram os invasores holandeses. Diante do agravamento da crise da dominação portuguesa e também diante da proibição, pela Coroa, da existência de qualquer atividade econômica na colônia, os mineiros se espelharam no exemplo de seus ancestrais e foram à luta.

Com a iminente decretação de uma derrama sobre a sofrida população brasileira, os revoltosos organizaram um levante para libertar o Brasil. O episódio, cheio de heroísmo, arregimentou não só o povo, mas, literalmente, todo o país.

PROGRAMA LIBERTADOR

O suboficial Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, um líder popular, vindo das camadas inferiores da sociedade, foi o condutor deste movimento. Deu a vida por ele. Diante da crise de dominação que se abriu com a decisão retrógrada, tomada pela Coroa em 1785, de reprimir toda e qualquer produção de tecidos ou de outros utensílios no Brasil, este alferes da cavalaria de Minas e seus camaradas elaboraram um programa extremamente avançado para o seu tempo: Independência, República, Ensino público, Criação de uma Universidade, Indústria e Mudança da Capital.

Por pouco não foram vitoriosos. Não fosse uma traição rasteira e abjeta, e eles teriam mandado Portugal às favas. Também aí, os nossos “analistas” não viram o povo. Mas, desde a abertura da crise de dominação, iniciada em 1785 – que levou à inconfidência – e a decretação da Independência em 1822, houve muitas guerras e muita gente lutou dando a própria vida pela liberdade.

A Revolta dos Alfaiates, ou Conjuração Baiana, em 1798, por exemplo, mostrou que a luta pela independência não era restrita ao Rio de Janeiro e a Minas Gerais. O movimento popular baiano tinha como objetivos a independência, a instauração de uma República, o fim da escravidão e a igualdade entre a população. Uma revolta popular que também acumulou forças.

Nem mesmo a transferência da Coroa portuguesa para o Brasil, em 1808, conseguiu arrefecer a luta dos brasileiros por sua liberdade. Aliás, só fez intensificá-la. O Rio de Janeiro ficou em pé de guerra e não cansou enquanto não conquistou a independência.

A Revolução Pernambucana de 1817 foi mais uma guerra do povo pela liberdade. Os revoltosos, liderados por Domingos José Martins, José de Barros Lima e Antônio Carlos Andrada, planejaram a revolução que se iniciou com a ocupação de Recife e a prisão do governador do Estado de Pernambuco – Caetano Pinto de Miranda Montenegro. Foi implantado um governo provisório, cujas principais medidas foram a libertação de presos políticos, a redução de impostos e a liberdade de imprensa.

As batalhas que se travaram no Brasil foram, de uma forma ou de outra, enfraquecendo o poder da Coroa. Mesmo as batalhas que foram derrotadas militarmente, como a inconfidência, a conjuração baiana e a revolução Pernambucana, acabaram enfraquecendo o domínio português. Sua truculência foi gerando no povo um ódio crescente à exploração.

MULTIDÕES CONTRA A RECOLONIZAÇÃO

A luta se intensificou quando os portugueses, depois de conquistarem um regime constitucional, com a Revolução do Porto de 1820, tentaram recolonizar o Brasil, que já havia sido elevado à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves. Essas também foram lutas intensas e com grande participação popular. Foram milhares de brasileiros que assinaram a petição para que o imperador não se submetesse às ordens de retornar a Portugal, medida que daria força à intenção recolonizadora dos portugueses. Multidões foram às ruas comemorar a vitória.

Os irmãos Andrada tiveram um papel decisivo nesta fase da luta. Antônio Carlos já tinha sido preso ao liderar a revolta de 1817 em Pernambuco. Martim Francisco se ombreou com José Bonifácio na resistência contra os planos malévolos dos deputados das cortes portuguesas.

José Bonifácio, um cientista renomado, republicano e abolicionista, que passara boa parte da vida em Portugal, ao retornar ao Brasil, imediatamente se incorporou à luta, cumprindo nela um papel decisivo. Não foi por acaso o título de Patriarca da Independência. Foi dele a carta endereçada a D. Pedro I avisando-o de que o Brasil estava determinado a ser livre, com o príncipe ou sem ele.

A trajetória de José Bonifácio é também bastante interessante. Ainda jovem, ele havia participado, em 1876, de uma reunião clandestina de estudantes brasileiros em Coimbra, onde morava e estudava. Esta reunião fazia parte da luta dos inconfidentes. Ela foi montada a pedido dos revoltosos que preparavam o movimento no Brasil.

Em condições de extrema perseguição e uma repressão violenta por parte da polícia política portuguesa, eles conseguiram se reunir para discutir a independência do Brasil. Ficou conhecida como o “Pacto dos doze”.

Nesta reunião houve a participação dos inconfidentes Álvares Maciel e Domingos Vidal Barbosa, além de José Joaquim da Maia, um estudante destacado por comerciantes cariocas para obter apoio internacional para a independência. Durante o encontro, José Bonifácio externou aos revoltosos sua opinião de que o caminho para a conquista da liberdade deveria ser buscado por vias pacíficas e, de preferência, com o apoio dos setores menos retrógrados de Portugal.

JOSÉ BONIFÁCIO E A TRAIÇÃO DOS PORTUGUESES

Três décadas  depois, diante da pusilanimidade dos portugueses e de sua obsessão em submeter vergonhosamente o Brasil, ele manifestou sua profunda decepção com esses mesmos setores. Quando os deputados da corte de Lisboa mostraram seus reais interesses, ele partiu para a luta vigorosa contra eles. Bonifácio se convenceu de que esses deputados não tinham o direito de afrontar o Brasil e tentar recolonizar o país como eles queriam. As decisões arbitrárias tomadas por eles contra os brasileiros deixou furioso o líder brasileiro.

Ele já tinha firmes convicções independentistas de longa data e não aceitaria que o Brasil retrocedesse à condição de colônia. Sua atuação, bem como a de seus irmãos, foi decisiva para que o Brasil finalmente se libertasse de Portugal. Toda essa rica história brasileira, inclusive a data de hoje, da vitória baiana, é repleta de participação popular, de heroísmo, de determinação e de exemplos de amor ao país. Esses fatos não têm nada a ver com o que dizem e professam esses “analistas” colonizados a que nos referimos acima.

Eles, com sua vira-latice de costume, e com sua falta de empatia com o Brasil e o povo brasileiro, só veem as superfícies das coisas. Ficam na espuma dos fenômenos. São adeptos da ideologia colonialista, descrita por Nelson Werneck Sodré como um poderoso mecanismo de dominação, usado pelas grandes potências para ludibriar e atrair as elites passíveis de serem colonizadas.

Por isso, essa gente só faz macaquear as teses das metrópoles estrangeiras, sejam elas as de antigamente, ou as atuais, sempre em desfavor do Brasil e de seu povo. Em suma, esse desprezo pelo povo e por tudo que é brasileiro, é uma ideologia que é incutida no país e que, no final das contas, torna os seus adeptos verdadeiros agentes da dominação. Agem como reserva interna dos colonizadores e dos neocolonizadores. São conhecidos também popularmente como “quinta-colunas”.