Na nova era da amizade Brasil-China, é dever do Estado brasileiro homenagear Jango

Na nova era da amizade Brasil-China, é dever do Estado brasileiro homenagear Jango

Na nova era da amizade Brasil-China, é dever do Estado brasileiro homenagear Jango

Leonardo Attuch

Leonardo Attuch é jornalista e editor-responsável pelo 247.

Sucesso estrondoso da viagem de Lula deve também contemplar o reconhecimento a quem desbravou este caminho

 

Lula, Xi Jinping e João Goulart
Lula, Xi Jinping e João Goulart (Foto: Ricardo Stuckert/PR/Arquivo/Presidência da República/Agência Câmara de Notícias)

 

A visita de Estado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China, entre os dias 12 e 14 de maio de 2025, entra para a história como um dos momentos mais altos da diplomacia brasileira contemporânea. Com a assinatura de vinte acordos bilaterais em áreas estratégicas como energia, infraestrutura, tecnologia, meio ambiente e cultura, Brasil e China não apenas reforçaram laços comerciais — firmaram um pacto de confiança mútua entre dois países comprometidos com o desenvolvimento soberano. No mesmo espírito, a cúpula China-Celac consagrou um novo eixo geopolítico de cooperação Sul-Sul. Em sua fala, Lula saudou a Carta de Pequim como um “alento” para a América Latina, reafirmando seu compromisso com um mundo multipolar, justo e solidário. A carta consolida uma plataforma de intercâmbio entre a China e os países latino-americanos e caribenhos que mira um futuro baseado no respeito, na paz e no progresso compartilhado. A viagem também teve um forte componente simbólico: a sessão inaugural do filme “Ainda estou aqui” nos cinemas chineses, com a presença da presidenta Dilma Rousseff e da primeira-dama Janja Lula da Silva. O filme resgata a dor das famílias que perderam seus entes queridos na ditadura militar brasileira, especialmente os desaparecidos políticos. A exibição da obra em solo chinês, no contexto de uma aliança política e cultural crescente, reacende o debate sobre a memória, a verdade e a justiça. Nesse marco histórico, é impossível não recordar que o primeiro gesto concreto de amizade entre Brasil e China partiu do presidente João Goulart, que em 1961 — ainda como vice-presidente — visitou oficialmente o país asiático. Essa viagem, feita em um momento de efervescência da Guerra Fria, foi imediatamente explorada pelos setores mais reacionários da política brasileira como prova de um suposto alinhamento comunista. A partir dali, Jango se tornaria alvo de uma campanha implacável de desestabilização, que culminaria no golpe militar de 1964. A história é clara: a aproximação com a China custou a Jango o mandato e a democracia brasileira. E não parou por aí. A repressão instaurada após o golpe arrastou consigo figuras corajosas como Rubens Paiva, deputado federal que pagou com a vida por sonhar com um Brasil soberano e socialmente justo. Preso, torturado e morto nas masmorras da ditadura, Paiva tornou-se símbolo de um projeto de país que foi interrompido pela força. Hoje, com o sucesso estrondoso da nova diplomacia brasileira liderada por Lula, que projeta o país como articulador global do Sul, é dever do Estado brasileiro reconhecer e homenagear os que pavimentaram esse caminho com sacrifício pessoal e visão estratégica. Jango não foi apenas um presidente deposto — foi um visionário que anteviu a importância da amizade com a China muito antes de isso ser consensual. Rubens Paiva não foi apenas uma vítima — foi um mártir de um Brasil que lutava por independência e dignidade. Relembrar essas figuras não é apenas fazer justiça histórica. É também afirmar que a política externa brasileira tem raízes em uma tradição democrática e popular, que resistiu às trevas e hoje floresce novamente. A nova era da amizade Brasil-China é um triunfo da soberania e da memória. E como tal, exige do Estado brasileiro a coragem de honrar seus heróis e resgatar suas histórias.