Lula mandou o recado
Lula deixou claro que quer Alckmin do seu lado para ganhar a eleição e para governar, senão como vice, como aliado, pois demonstrou estar disposto a fazer oposição ao bolsonarismo e ao dorismo
Lula mandou o recado
Lula deixou claro que quer Alckmin do seu lado para ganhar a eleição e para governar, senão como vice, como aliado, pois demonstrou estar disposto a fazer oposição ao bolsonarismo e ao dorismo
por Jorge Gregory
Foto: Ricardo Stuckert
Há pouco mais de dois anos, um companheiro histórico do PT, com o qual trabalhei por longo tempo no Ministério da Educação, respondeu a um artigo meu contestando a proposta de frente ampla, afirmando que ele, Lula e Tarso não estavam mais em idade de ficar acreditando em determinadas teses. Por vezes, após a prisão de Lula, na live Roda de Conversa, diante de críticas que fazíamos a posições exclusivistas e isolacionistas de líderes petistas e até mesmo do próprio Lula, apareciam reações dizendo que não sabíamos o que Lula havia sofrido.
De fato, o centro da preocupação do próprio Lula naquele momento era a luta por sua liberdade. Vítima da que provavelmente foi a maior fraude judicial da história do Brasil, não só se encontrava encarcerado, mas sofrendo também a mais dura perseguição política. À época, havia perdido a companheira de tantos anos, depois perdeu o neto e o irmão e sequer pôde vivenciar o luto. O PT havia sofrido duro golpe, sendo afastado e permanentemente humilhado e criminalizado. Lutava para recuperar sua imagem.
Natural que diante de tais circunstância a emoção falasse mais alto, mas política não se faz com emoção e muito menos com o fígado. Superada a luta pela liberdade com a anulação das sentenças condenatórias, Lula voltou à cena política demonstrando a costumeira postura de estadista e a lucidez política que o caracterizou durante e após seus governos. Imediatamente proclamou que era necessário o diálogo para enfrentar o bolsonarismo e que era imprescindível falar com o centro. A restituição dos direitos políticos o colocou naturalmente na disputa presidencial. Rapidamente as pesquisas começaram a apontar uma larga liderança sobre os demais concorrentes, o que inclusive levou muitos a considerarem que era fatura certa. Lula é candidato e praticamente imbatível.
Na semana que passou, Lula concedeu entrevista à mídia alternativa e afirmou categoricamente que ainda não é candidato. Muito provavelmente os triunfalistas devem estar afirmando que é óbvio que é candidato, que está apenas fazendo charminho para se valorizar. Alguns se lançaram numa cruzada anti-Alckmin nas redes sociais, procurando desqualificar o provável aliado e talvez vice, caso a candidatura se concretize. Certamente não entenderam absolutamente nada da mensagem dada pelo líder petista e da primorosa análise do momento político por ele apresentada.
Lula, em sua intervenção inicial, expressou que depois de toda a luta pela redemocratização nos anos 70 e 80, em especial a campanha das Diretas Já e de reconstrução da democracia nos anos 80, não imaginava que haveria um retrocesso político tão grande na questão da democracia como o que vivenciamos hoje. Afirmou que é preciso juntar as pessoas que querem conversar sobre o Brasil, que é preciso recuperar a democracia e fazer valer a Constituição. Nas suas próprias palavras, coloca a necessidade de que o povo seja o sujeito da história e, para tanto, a questão central no momento é a questão democrática. Caso venha a ser candidato, o será para derrotar o bolsonarismo e restabelecer a trajetória de consolidação da democracia.
Para ser ainda mais claro, enfatizou que não será candidato para ser protagonista e sim para ganhar a eleição, para derrotar o bolsonarismo, e, para tanto, não pode ser candidato tão somente do PT ou mesmo da esquerda. Demonstrou ter clareza de que por mais que as pesquisas apontem substancial vantagem, a eleição não está ganha. Para o bom entendedor, ao afirmar que não será candidato para ser mero protagonista, coloca claramente que as condições de uma vitória eleitoral ainda não estão totalmente postas e que só se materializarão se for possível ampliar para o centro e até mesmo para a centro-direita.
Mas o mais importante de toda a análise é quando o ex-presidente coloca que ganhar uma eleição é mais fácil do que governar e governar significa que você tem que adquirir possibilidade muito grande de conversar com as pessoas. Nas circunstâncias atuais, caso venha a ser candidato, o será em uma situação em que o Brasil está infinitamente pior do que estava em 2002 – econômica, social e politicamente –, e que também o congresso está muito pior do que o Congresso em 2003. Ou seja, com muita clareza apontou que não só é necessário construir as condições para vencer, mas também para governar.
Para pavimentar tais condições, tanto eleitorais quanto de governabilidade, demonstrou que não tem nenhum problema em ter Alckmin como vice. Obviamente, o ex-governador ainda não definiu para que partido vai e esta é uma condicionante, pois necessariamente o partido escolhido tem que demonstrar interesse em se coligar com o PT ou participar de uma possível federação. Mas Lula deixou claro que quer Alckmin do seu lado para ganhar a eleição e para governar, senão como vice, como aliado, pois demonstrou estar disposto a fazer oposição ao bolsonarismo e ao dorismo. Não deixou de citar também o PSD de Kassab como desejável aliado, bem importante para garantir a governabilidade, mas se possível também para a disputa eleitoral.
Não deixou também passar em branco a questão das federações e em especial a relação com o PSB como estratégica tanto na perspectiva eleitoral como na perspectiva de governabilidade. Se há questões a serem resolvidas entre as duas legendas do ponto de vista das disputas majoritárias em alguns estados, também é verdade que uma federação capitaneada pelas duas legendas contribuirá para ampliar as bancadas tanto de uma como de outra. Uma possível federação juntando PT, PSB, Psol e PCdoB, com um programa unificado poderá superar 100 cadeiras na Câmara Federal e eleger um bom número de senadores formando um núcleo sólido para a base governista no legislativo. Mais, uma federação forte poderá representar um elemento fundamental de direção de uma frente mais ampla, capaz de reconduzir o país aos caminhos democráticos e, se possível, contribuir para sedimentar uma unidade capaz de nos recolocar nos trilhos do desenvolvimento nacional e da superação das desigualdades sociais.
Lula deu o seu recado de forma absolutamente clara. Afirmou categoricamente que só tem sentido ser candidato de um movimento que tenha por motivação derrotar o fascismo bolsonarista e reconduzir o Brasil à democracia. Para tanto, é preciso ampliar e para ampliar, é preciso abrir o diálogo. Nas palavras do ex-presidente, é necessário colocar as divergências em um canto, as convergências em outro, e se sentar para dialogar e decidir que país queremos. Quem for a favor da democracia e estiver disposto a defender a Constituição cabe nesta frente pela qual Lula se dispõe a colocar seu nome como candidato.