Lula da Silva “matou” Brizola e está “matando” Ciro Gomes politicamente
Depois de “matar” Brizola, o “pai”, o petista “matou” o “filho”, Ciro. Sófocles, se estivesse entre nós, escreveria uma segunda versão de “Édipo”, incluindo o parricida e o filicida
Euler de França Belém
Lula da Silva “matou” Brizola e está “matando” Ciro Gomes politicamente
Por Euler de França Belém
Depois de “matar” Brizola, o “pai”, o petista “matou” o “filho”, Ciro. Sófocles, se estivesse entre nós, escreveria uma segunda versão de “Édipo”, incluindo o parricida e o filicida
Com o golpe civil-militar de 1964, o gaúcho Leonel de Moura Brizola (1922-2004) — cunhado do presidente João Goulart — foi cassado e exilado. Viveu anos fora do país — no Uruguai, em Portugal e nos Estados Unidos.
Com a Anistia, voltou ao país e trabalhou para reassumir o comando do Partido Trabalhista Brasileiro (hoje uma legenda de triste figura, com políticos fisiológicos no comando, como Roberto Jefferson). O governo militar, numa operação articulada por Golbery do Couto e Silva, não permitiu. O PTB acabou nas mãos da “inofensiva” e “integrada” Ivete Vargas, sobrinha do presidente Getúlio Vargas.
Pensava-se que, retirando-lhe o PTB, Brizola seria “cancelado” pelos eleitores. Os militares se enganaram. Primeiro, Brizola não era o radical de outrora — que havia se aliado até ao cubano Fidel Castro para organizar a Revolução no Brasil. Havia se tornado moderado — um socialdemocrata. Segundo, mostrando força eleitoral, foi eleito governador do Rio de Janeiro. Houve manipulação do resultado, num complô bem urdido, inclusive com a participação de uma rede de televisão poderosa, mas o ex-incendiário assumiu o governo.
Os militares temiam que, do Rio, Brizola poderia saltar para a Presidência da República. Havia um temor de que fosse comunista — o que não era e nunca fora. Era da esquerda nacionalista. Queria, isto sim, um capitalismo menos, digamos, “selvagem”. Um “socialismo moreno”, na verdade, mais próximo da socialdemocracia dos países nórdicos.
Brizola parecia forte, com um futuro “radioso” — presidencial. Em 1982, aos 60 anos, dotado de uma energia e uma verve extraordinárias (Ciro Gomes é um simulacro quase perfeito), era cotado para ser presidente do Brasil assim que as eleições fossem diretas.
Um drummond gigante no meio do caminho
Entretanto, no caminho havia um drummond — uma pedra imensa.
Há quem diga que Lula da Silva, o operário-metalúrgico que se tornou político, foi uma “invenção” dos militares para “barrar” Brizola. Na verdade, não foi. Talvez seja possível sugerir que o petista foi “criado” pela Igreja Católica de esquerda, pelo movimento sindical de São Paulo e pela intelectualidade da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A rigor, é uma das “invenções” das contradições políticas e existenciais do Brasil. Pode-se acrescentar que Lula, se não se inventou, reinventou-se — tornando-se um líder político maior do que o próprio partido que dirige, direta ou indiretamente.
Ao se tornar político, Lula da Silva, com o seu PT, se tornou o maior representante da esquerda patropi. Como se trata de um personagem gigante, invasivo, ocupa, de certa maneira, todo o espaço no campo da esquerda. Não sobra para outros, exceto no papel de coadjuvantes.
Pode-se falar, portanto, que, em termos políticos, Lula da Silva “matou” Brizola.
Num primeiro momento, ao perceber a força do petista, Brizola procurou desqualificá-lo, inclusive depreciando-o de maneira agressiva. Lula da Silva seria o “Sapo Barbudo”.
O fato é que Lula da Silva o superou, chegando a colocá-lo como vice numa das disputas presidenciais. A partir de então, Brizola e sua legenda, o Partido Democrático Trabalhista (PDT), se tornaram coadjuvantes do petista e do PT. Brizola perdeu a guerra da hegemonia política no campo da esquerda.
Para os eleitores brasileiros, o que contava, na esquerda, era Lula da Silva, e não mais Brizola. Por sinal, há quem diga que o petista não é de esquerda. Enganam-se os que pensam assim. Na verdade, é de esquerda, uma esquerda entre o socialismo e a socialdemocracia europeia, mas não é comunista. No Brasil, em parte por causa do discurso de uma direita mal-informada e redutora, todo aquele que é de esquerda é visto como “comunista”. Mas há, de fato, uma esquerda comunista (o PC do B, por exemplo) e uma esquerda não-comunista (como o PT e o PDT).
Com a chegada de Ciro Gomes ao PDT — o paulista-cearencizado que havia pertencido ao PDS, o partido criado a partir da Arena —, chegou-se a pensar que, finalmente, a esquerda teria uma alternativa a Lula da Silva e ao PT. Ledo engano.
Paulista de Pindamonhangaba (assim como Geraldo Alckmin), ex-prefeito de Fortaleza, ex-governador do Ceará e ex-ministro da Fazenda, Ciro Gomes, de 64 anos, é um político qualificado. É muito melhor do que a turma que o acompanha no PDT, como Carlos Lupi, que, mais do que petista enrustido, é lulopetista.
Porém, o que explica o fato de que Ciro Gomes, mesmo sabendo “navegar” até bem na política nacional — conquistando uma parte da legião de jovens desiludida com a política e com o PT (antes do desastre político chamado Bolsonaro) —, sempre “morrer” na praia?
O drummond no meio do caminho de Ciro Gomes é o mesmo que “soterrou” Brizola. Trata-se de Lula da Silva. Fica-se com a impressão de que não há espaço para dois gigantes de esquerda no Brasil.
Ciro Gomes tem discurso afiado e bem-informado, esbraveja como um leão, não teme a ira dos adversários, mas não consegue superar Lula da Silva e o PT. Em 2018, sem Lula da Silva no páreo, diretamente, cogitou-se de bancá-lo para presidente, com Fernando Haddad (ou Jaques Wagner) na vice.
No entanto, o petista-chefe vetou a articulação e bancou Fernando Haddad para presidente. Mesmo sendo um político anódino, o ex-prefeito de São Paulo obteve 47 milhões de votos (44,87%) e perdeu para o postulante da direita, Jair Bolsonaro, que conquistou 57,7 milhões de votos (55,13%). No primeiro turno, Ciro Gomes conquistou 13,3 milhões de votos (12,47%).
Por que Fernando Haddad, mesmo perdendo, superou Ciro Gomes, com uma votação bem mais ampla? Porque era o candidato do PT e, sobretudo, de Lula da Silva.
Portanto, quem retira Ciro Gomes do cenário nacional não é Bolsonaro e as forças da direita, mas sim Lula da Silva — o verdadeiro algoz do político.
Qual o futuro de Ciro Gomes? Não se sabe. Talvez ser deputado federal, senador ou governador do Ceará. Talvez ministro do Desenvolvimento Regional de um provável governo de Lula da Silva. Para presidente, enquanto o petista estiver disputando eleição nacional, possivelmente não haverá espaço para o advogado-jurista que sugere que tem solução para todos os problemas do país — quando, claro, ninguém tem; o futuro é sempre um poço de contradições cercadas pelo imponderável.
Resta concluir que, depois de “matar” Brizola, o “pai”, Lula da Silva também matou o “filho”, Ciro Gomes. Sófocles (497 ou 496 a.C.-406 ou 405 a.C.), se estivesse entre nós, escreveria uma segunda versão de “Édipo” — incluindo o parricida e o filicida.